HOTEL LINDA DO ROSÁRIO (parte DOIS)

HOTEL LINDA DO ROSÁRIO (PARTE DOIS)

DANÇA CIGANA

Formávamos belos casais: Corina e Jayme; Irene (eu) e Márcio. Corina e eu éramos vizinhas, morávamos em Bangu, perto da fábrica de tecido. Com a mesma idade, fomos nascidas e criadas na mesma rua. Muita gente pensava que éramos irmãs. Corina, após o curso ginasial, não quis continuar os estudos, dedicou-se à pintura e artes manuais. Sempre me interessei pelos estudos e pela dança. O meu pai sempre me incentivou para o estudo e para me tornar bailarina do Theatro Municipal. Consegui concluir o curso como normalista, desisti do ballet por falta de tempo. Corina e eu frequentávamos, juntas, e mais alguns amigos, a saraus e festas. Durante o carnaval, fantasiadas, o baile no clube da Mesbla, na Cinelância, era o local onde nos divertíamos durante os festejos momescos justamente porque Corina trabalhava nesta loja. As nossas mães nos faziam companhia, vinhamos de trem até à Central do Brasil, depois, sorridentes, nos deslumbrávamos com a originalidade das fantasias dos foliões, com os desfiles das Escolas de Samba na Avenida Presidente Vargas, os blocos na Avenida Rio Branco e o famoso Baile do Municipal, realizado no Theatro Municipal, na terça feira gorda. Em frente ao theatro, uma passarela toda iluminada servia de palco para que os concorrentes vencedores do concurso de fantasia desfilassem suas criações e fossem mostradas a um público delirante que se acotovelava desde cedo aguardando o resultado final. Evandro de Castro Lima e Clovis Bornay encarnavam reis, imperadores, figuras mitológicas e lendárias, ostentando riqueza e originalidade. Foi neste momento que Corina e eu nos apercebemos que estávamos sendo observadas por dois belos rapazes em meio aquele aglomerado humano. Em pouco tempo, depois da paquera, veio a aproximação, um bate papo sobre aquele ambiente carnavalesco, o convite a irmos juntos ao baile da Mesbla, a aceitação dos dois rapazes e tudo aconteceu como se fosse um sonho, um conto de fadas. Corina namorava Jayme, eu namorava Márcio, com a aprovação das nossas mães, dançávamos o amor que nascia. Tudo perfeito, tudo certinho. A luz de um sorriso galante por parte de um dos nossos pretendentes era o suficiente para iluminar as nossas almas. Primeiro beijo furtivo, segundo beijo, terceiro... mais dança, mais bate papo... agarra agarra na magia frenética da música carnavalesca... mais beijo... Enfim, a noite deslizou rapidamente, o baile terminara, promessa de novo encontro, endereço anotado, felicidade firmada e namoradas nos tornamos daqueles guapos rapazes. Pouco sabíamos a respeito deles, mas o suficiente para sentir que eram de boa estirpe.

Apesar de negar para mim mesma, a verdade é que depois de muito tempo sem um namoro sério, sozinha, eu estava completamente envolvida por aquela aventura amorosa... e a recíproca era verdadeira sim... Tudo lindo e perfeito tanto para mim como para Corina, sendo esta mais empolgada que eu naquele amor que nascia...

Os dias se sucederam, os encontros aconteciam, mais e mais os nossos relacionamentos recrudesciam - Márcio e eu; Jayme e Corina.

Eu estudava no Instituto de Educação, estava perto da formatura e, como sabia dança espanhola e sapateava muito bem, fui escolhida para abrilhantar uma festa de despedida, organizada pela direção do Instituto. No auditório estavam a minha família, Corina e sua família e os nossos respectivos namorados. Após várias apresentações das alunas, chegou a minha vez de me apresentar no palco. Ao som de uma música cigana, teve início a minha apresentação. Foi um começo tímido e temeroso. À medida que se desenvolvia a música, fui dominada por uma energia cigana, um frenesi incontrolável, me deixei transportar ao reino da música, a sensualidade aflorou, não era eu quem dançava, era uma força estranha, era um calor que me tomava o corpo e eu me deleitava naquele gozo incomum. Voltei à mim aos últimos acordes daquela música vinda do além. A platéia, contagiada, de pé aplaudia a minha apresentação. Rosas vermelhas me foram oferecidas e os pedidos de bis se avolumavam. Por três vezes dancei aquela dança decisiva para o meu futuro, eu sentia em meu íntimo que depois daquele evento a minha vida tomaria um rumo diferente. Ah, por que aquilo foi acontecer? Hoje, distanciada dos sucessivos acontecimentos, não me arrependo daquele gesto extremo. Fui feliz na medida certa: hoje eu sei o quanto fui feliz apesar dos rumos tortuosos que tive de tomar.

- Irene, não tenho palavras para dizer-te o quanto és encantadora! - entusiasmada, Corina pronunciara este elogio.

Após a apresentação, os cumprimentos se sucederam e me tornei feliz como nunca! Márcio, com os olhos arregalados, surpreso, mal continha a emoção:

- Amor, você é a mais bela mulher que se encontra neste recinto; você é a mais bela do mundo!!!

Não sei... mas faltava algo mais... faltava escutar mais elogios? Fui tão elogiada. Será que espero ouvir a voz de algum anjo ou algo semelhante? Naquele momento eu não sabia definir o que faltava até que Jayme surgiu, propositadamente, foi o último a me cumprimentar. Nada me disse, nada pronunciou, nada falou mas o seu silêncio me perturbou... Ele disse tudo: o azul de seus olhos me fulminou completamente, como se me dissesse:

Você dançou somente para mim...

Fiquei ruborizada, o verde dos olhos meus se sentiram dominados por aquele olhar dominador. Naquele momento senti que Jayme era especial para mim.

Tratei de sufocar aquele sentimento que me dominava, afinal, Márcio era um lindo rapaz, talvez mais belo que Jayme, tinha um futuro brilhante nas forças armadas, era inteligente e de bons sentimentos. Jayme, herdeiro de uma rica fortuna, era proprietário de uma cadeia de farmácias. Com certeza, Jayme me inflamava muito mais, tinha mais fogo, sabia me dominar como ninguém. Fiquei com medo de Jayme...

Os dias transcorriam tranquilos e radiosos para Corina que estava ultimando os preparativos para o seu casamento com Jayme nos primeiros dias do ano de 1952. O seu amor jorrava na direção certa de seu escolhido e, através desta escolha, irradiava-se em todas as direções. "Para fazer ouro é necessário ter ouro", dizem os alquimistas. O equivalente dessa máxima em relação à Corina é que para amar a todos é necessário amar alguém, Jayme era o seu grande amor.

Após o casamento, Carina irá residir na Tijuca, onde está instalando o seu futuro lar. Nós duas e algumas pessoas amigas estávamos atarefados na arrumação da casa, nos preparativos da festa e da cerimônia de casamento. Após pedir demissão do trabalho na Mesbla, Corina se dedicara exclusivamente aos preparativos daquele evento que selará a sua união com Jayme que é o ser mais próximo desde o começo, a sua alma-irmã desde toda a eternidade, a alma gêmea da sua alma, que contemplou a aurora da humanidade. A aurora da "sua" humanidade que se eternizará através dos filhos, dos netos e das gerações que se lhe advirão. Amar assim é bom, faz bem à vida, faz bem à alma. Corina irradiava um estado de felicidade porque amava sem reserva. Era um amor inteiro, completo e eterno. Jayme compreendia que "ser é amar". "Estar só é amar a si mesmo", conforme ele dizia à sua "amada" Corina. Em realidade, eu sempre soube que não é bom a pessoa amar somente a si mesma. É preciso amar o outro, uma parte do outro amada como a si mesma - (osso dos meus ossos e carne de minha carne).

Imediatamente, face a estes acontecimentos, procurei aprisionar esta atração que sentia por Jayme em uma jaula de ferro, negando-me a revelar até a mim mesma este sentimento devastador. Impusera este castigo por ter-me negado a lutar por um amor que era o amor de minha melhor amiga. Desafiei aos pensamentos invasores que me atormentavam, afoguei as máguas para não ceder aos impulsos. Entretanto, incapaz de escapar, não demorei a compreender que o preço de meu silêncio tinha que ser... a vida. Após alguns anos de silêncio, neste exílio voluntário de renúncia, a realidade me resgatou da jaula onde me encontrava com a finalidade única de arrancar-me este segredo. E quando a realidade me resgatou de onde eu estava prisioneira, acreditei que era o próprio arcanjo Miguel que tinha vindo para levar-me ao céu. Divididos entre o crescente amor que nascia em nossos corações, Jayme e eu, sofríamos por causa da lealdade que juramos aos nossos respectivos conjuges, apaixonados, nos víamos presos em uma rede de intrigas e perigos dos quais parecia impossível escapar.

http://www.youtube.com/watch?v=v6XTrIyoDDw&feature=related

clira
Enviado por clira em 07/06/2012
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