113 - SESSENTA ANOS DEPOIS...

Um amigo me surpreendeu com um insistente convite para que comparecesse no casamento dos seus avós! E ele foi logo esclarecendo:

- Jovens, eles se apaixonaram e contra a vontade dos pais, contra tudo e contra todos insistiram no namoro, no desafogo fugiram, ele com vinte anos e ela com dezoito, assim que foram localizados às pressas os casaram somente no cartório, o tal casamento civil, e dado à precária situação financeira do casal adiaram o casamento na Igreja. E os anos foram passando, os filhos foram nascendo, e as dificuldades aumentando...

- Meu Avô, prometeu que quando completassem dez anos de casados, eles se casariam na igreja, e para a minha avó foram longos anos de espera, anos que por pirraça lentamente se desenrolaram, completado o tempo da promessa coincidiu que nesta ocasião ele estava adoentado e às pressas foi operado de uma apendicite, e ela esperançosa vagava seu olhar por álbuns de fotos de casamento, seus olhos brilhavam quando se deparava com uma noiva toda paramentada, nos casamentos em que comparecia se postava pertinho do altar admirando as noivas com seus longos vestidos, véus e grinaldas, suspirava desejos, seu dia haveria de chegar, toda de branco neste mesmo altar...

Quando completaram vinte anos de casados os gastos com os estudos dos filhos consumiam todas as suas economias, nos trinta anos o sonho de se casar na igreja parecia estar esmorecendo, um tanto desanimada, um tanto desesperançosa vagamente tocava no assunto, dado que anteriormente ela sempre estava com revistas de noivas na mão, por quantas vezes desenhou o seu sonhado vestido, desfilava pela casa de olhos fechados se imaginando vestida de noiva, mas agora quem estava casando eram os filhos e o seu casamento na igreja o vento levou para terra do esquecimento, afinal tiveram nove filhos, cinco homens e quatro mulheres, e ela sentia a cada dia que mais distante ficavam aqueles degraus do altar da Igreja, praticamente inalcançáveis...

E o tempo é inexorável, e foi passando como quem não passa, ele agora com oitenta anos e ela com setenta e oito, meu Avô perguntou por perguntar à minha avó, o que ela gostaria de ganhar de presente na festa dos sessenta anos de casados, esta pergunta desencadeou um surpreendente vendaval que foi varrendo todas as cinzas que o tempo havia depositado sobre a sua alma e sobre os seus sonhos, e o antigo sonho resplandeceu em intensidade inesperada recuperando naquele instante todo o seu vigor e brilho de outrora, moça outra vez ela se sentiu, com a sua firmeza habitual foi logo respondendo, a sua doce voz ecoou por todos os cantos da casa, e ela disse que gostaria de se casar na igreja!

A notícia deste casamento se espalhou por toda cidade, mesmo as pessoas que não foram convidadas compareceram, no altar o noivo estampando felicidades, balançava a sua bengala demonstrando nervosismo, com dificuldades, amparado pelos filhos desceu os degraus do altar para receber a sua querida noiva, o amor da sua vida e ela com o olhar de eterna apaixonada se beijaram e juntos caminharam até o altar, logo se cansaram, cadeiras disponibilizadas, nelas eles se acomodaram, maravilhados, jovens parecendo casando, casaram.

A festa realizada na residência dos noivos, e assim que se sentaram em macios sofás foram lhes entregando os presentes, vários, as pessoas falando a um só tempo pediam incessantemente que fossem desembrulhados, a curiosidade era por demais, o primeiro presente que apareceu e em muito surpreendeu foi um pote contendo uns quinhentos gramas de vaselina que era para o uso pessoal do Vovô durante a sua lua de mel, e ele não gostou nadica de nada daquela brincadeira, o segundo presente foi mais surpreendente ainda, uma caixa pequena que desembrulhada revelou o seu conteúdo, tratava-se de uns comprimidos azuis, afrodisíaco para as pessoas idosas, imaginem a algazarra no envoltório, uns diziam para que ele não exagerasse, que tomasse apenas um azulzinho por noite, outros falavam para a avó que tinham reforçado a cama, que eles poderiam rolar à vontade, centenas de fotos ao lados de seus filhos, netos e bisnetos, cansaram, se enfadaram com tantas festividades, sugeriram que guardassem os presentes e um outro dia seriam mostrados, pediram vinho tinto suave, brindaram tilintando as taças, ouviram o tradicional viva os noivos, agora sentindo saudades da cama e já piscando miúdo cochilavam, com dificuldades se levantaram e acenando pra todos no despedir, quando ele sorrindo:

- Meu amor eu não tenho mais forças para carregá-la nos braços!

E ela abraçando-o e meigamente apoiou o rosto no seu peito:

- Meu querido isto não mais importa, vamos apoiando um no outro e andando bem devagarzinho, logo logo a gente chega ao nosso quarto, o que importa é que realizei este desejo, este sonho que por sessenta anos apertei profundamente contra o peito, por isto não te amo mais, nem menos, amo-te como sempre te amei, nossas lembranças é que se tornaram mais coloridas, mais perfumadas, até as nossas velhas fotos uma nova moldura ganharam, este acontecimento não me fez mais feliz, porque sempre fui feliz ao seu lado, de uma outra maneira as coisas eu pude ver, do altar quão belo é o teto da igreja, aquela Ave Maria cantada pelo coral foi a mais bela canção que já ouvi em toda a minha vida, numa intensidade nunca antes sentida...

Acenei para os noivos me despedindo, desejei a eles toda felicidade do mundo, de volta pra casa, com uma pontinha de inveja das vezes sorria lembrando do sorriso deles, das vezes ficava sério lembrando da seriedade com que eles se comportaram pela vida, pasmado descobri que...

A felicidade existe!

E que vale a pena lutar para conquistá-la...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 30/11/2011
Reeditado em 22/07/2014
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