Simplesmente um grande amor


Vinte nove de junho de mil novecentos e cinqüenta e sete.
Tu te lembras?...
Havias feito as ultimas provas; as férias escolares estavam começando. Teu coração, de menina moça, era só alegria.

A vila, onde moravas, estava em festa: Era dia de São Pedro.
Noite fria de junho, céu estrelado, burburinho, musica no ar.
Havia barraquinhas com comidas típicas, quadrilha, saias rodadas, chapéu de palha, musica, fogueira, bandeirinhas coloridas.
Tu caminhavas distraída... Ele passou... Os olhares se cruzaram. Tu eras uma moça, ou ainda uma menina? Ias fazer 14 anos. Ele acabara de completar dezoito.
Foi apenas um demorado olhar. Depois a pergunta: “Você não dança”? E os dois integraram-se timidamente à quadrilha.
Ele perguntou teu nome e pediu teu telefone.
No dia seguinte, quando o telefone tocou, teu coração bateu mais forte pressentindo ser ele. Marcaram um encontro. O primeiro de muitos encontros. Inicio de uma longa estrada...

Lembras como eram puros aqueles encontros?
Quanto tempo levou para o primeiro beijo? Quase dois anos!
Não era fácil conter o desejo, que aumentava em cada toque de mão. Certo dia, ele te disse: “Não contes a ninguém que ainda não nos beijamos; ninguém vai entender”.

No fundo vocês gostavam daquela provocação. Sim, era uma provocação a cada aproximação. O quase beijo era como quem saboreia devagar, e não quer chegar ao fim do doce. Afinal, os dois sabiam que ainda teriam muito que esperar; não podiam ultrapassar os limites. Ambos eram muito jovens...

O que houve? Por que tens os olhos cheios de lágrimas? Estas lembranças te incomodam?

Tu agora estás envelhecida e cansada. Porem, não te esqueças que já fostes... Não... Ainda és enamorada. Por isso guardas estas doces lembranças de tudo que, um dia, sentiste....
Bem sabes que as paixões são comuns aos corações dos jovens. Mas, esta emoção e este amor são teus, e se tornam, particularmente, preciosas para ti.

Podes chorar...

Os anos iam passando; e o namoro no portão se firmando.
Já não sabiam ficar separados.
Lembras da festa de noivado? Tu estavas fazendo dezoito anos.
Estes foram teus melhores anos.
Ele te trazia sempre algo escrito, que só entregava na hora da despedida. Pedacinhos de papel que guardas escondidos e evita lê-los para não alimentar saudade e mancha-los com tuas lágrimas.
Juntos aprendiam a saborear a vida.
Apreciavam as mesmas coisas: Cinema, teatro, passeios ao ar livre. Iam a todos os eventos que o curto dinheiro permitisse: Concurso de miss, luta de boxe, corrida de cavalo, restaurantes. Não precisavam de amigos. Os dois se bastavam. Seria sempre assim no decorrer da vida.
Finalmente, tu com dezenove anos e ele com vinte quatro, já formados, decidiram casar.
O amor deixava de ser sonho, para ser, agora, humano...

Descobririam juntos, as alegrias, os prazeres e os dissabores da vida.

Vinte quatro anos depois...

Por cinco meses estiveste hospitalizada e agora estavas de volta a tua casa.
Fisicamente não eras nem sombra do que foras. Somente teu coração permanecia o mesmo: Cheio de amor.
Durante todo o dia a casa estivera cheia. Filhos, parentes, amigos vinham trazer carinho aquela que renascia.
Entretanto, tu não sabias como enfrentar a nova situação. Tinhas medo.
Cercada por todos, procuravas o olhar do companheiro, amor de tua vida.
A insegurança e a dúvida teimavam em tomar conta de teu coração. O que esperar? Como enfrentar?

Há noite, quando ficaram sozinhos, ele sentou-se a teu lado e te abraçou.
Tu querias tanto tocá-lo... Como é importante tocar a pessoa que se ama! Talvez mais que ser tocada... Sentiste uma enorme vontade de chorar. Ele estava ali, tão perto! E, por mais que quisesses, tu não conseguias se mover para acariciá-lo...
Ele chegou mais perto. Beijou-te carinhosamente e disse: “Não te preocupes; eu vou ao teu encontro. Quero ver se ainda consegues sentir alguma coisa por mim.” E de novo, eram um só. Ele suspirou fundo e falou: “Continuas a mesma; e eu te amo...” Sério completou: “Juntos, nada vai nos derrubar ou separar”.
Nesse momento, teus olhos encheram-se de lágrimas... Amavam-se mais do que nunca!

A vida seguiu seu rumo... Ele te conduzia... Para ele nada era difícil. Todos os obstáculos podiam ser contornados... E os dois, juntos, continuavam aproveitando o que a vida oferecia.

Mas a vida não para, e....

Um dia.. Tu notaste que a memória dele começava a falhar. Aos pouco ele ia apagando-se. Já não falava teu nome, nem o nome dos filhos. Não sabia onde morava, nem os dias da semana. Agora, eras tu quem o conduzia.
Ele nunca deixará de saber quem és; apesar de não saber teu nome. Enquanto tu, sempre saberás quem ele é... E de mãos dadas continuam a caminhada.
Até quando? Talvez eternamente... Só Deus sabe.

Esta não é uma história triste.
É simplesmente uma história de vida e amor, que completa hoje 54 anos.
Um grande amor.
Lisyt
Enviado por Lisyt em 29/06/2011
Reeditado em 29/06/2011
Código do texto: T3063679