SAPATOS PARA CINDERELA

Aos 40 anos, com uma carreira bem sucedida como ator, tendo participado de vários filmes e novelas, ele nem pensava em casar. A vida de ator jogava em seus braços mais belas mulheres do que poderia sonhar. Talvez pelos beijos cenográficos com dezenas de coadjuvantes mais os casos que mantinha com suas parceiras nos filmes e novelas, mais as fãs que o assediavam e que ele aproveitava, ele não havia até o momento pensado em uma companheira. Às vezes sentia falta disso, mas surgia sempre uma nova aventura e a vida continuava.

Era verão, resolveu tirar umas férias. Escolheu uma praia tranqüila e pouco movimentada. Queria ficar em paz, dar um tempo e repensar alguns detalhes de sua atribulada vida. Saiu de madrugada, desligou o celular e sumiu sem deixar vestígios. Alugou uma casa mobiliada pequena e simples, numa pequena praia não muito longe do centro, mas afastada o suficiente para permitir uma certa privacidade. Chegou ao local já era quase noite, ligou a televisão e não se falava noutra coisa Era dado como desaparecido, seqüestrado ou morto como já haviam noticiado. Riu da situação, respirou o puro ar que vinha do mar e saiu para andar na areia enterrando os pés e revolvendo-a com os dedos. Fazia muito tempo que queria fazer algo assim. Naquela noite dormiu como há muito não o fazia.

Na manhã seguinte não haveria correria para a gravação nem o assédio de fãs ou da imprensa. Acordou já tarde, pelo menos o sol já estava alto. Nem olhou para o relógio que havia tirado do pulso propositalmente. Deveriam ser quase 11 horas da manhã. Sentiu fome, pegou o carro e foi à procura de algo para comer. De óculos escuros, barba por fazer, isso o desviaria das fãs, era o que esperava. Almoçou tranquilamente em uma lanchonete, comida caseira simples, mas muito saborosa. Ficou satisfeito por não ter sido até então reconhecido. À tardinha resolveu colocar um calção de banho e foi andar pela praia, a água estava fria e ele preferiu andar. Seguiu até as pedras junto aos altos barrancos escarpados que margeavam a praia. O local era aprazível e não havia ninguém por ali. Mas repentinamente o som de soluços abafados chegaram à seus ouvidos, alguém estava chorando. Ele andou vagarosamente, era um choro de mulher, logo viu a silueta desenhada contra o sol do entardecer. Era uma menina. Uma bela garota, vestida com uma roupinha simples e calçando sandália de tiras. Ele aproximou-se quase sem ser percebido.

– Moça! Porque está chorando? Posso ajudar?

– Pode não!

– O que você tem? Está doente?

– Não tenho nada... só queria..

– Ok! Pare de chorar, quem sabe posso te ajudar.

– Eu só queria... um sapato!

– Um sapato? Mas isso é tão importante?

– É sim! Eu nunca tive um sapato bonito, só essa porcaria de sandália. Ela virou-se, os grandes olhos úmidos de lágrimas, fizeram com que ele sentisse um aperto no peito.

– Ok! Não chore! Vamos fazer o seguinte! Vamos comprar os sapatos pra você, está bem?

– Você quer comprar os sapatos pra mim? Por quê?

– Porque não posso ver uma garota bonita como você chorando!

– Só por isso?

– E também, porque eu também fui muito pobre. Só pude usar um sapato bom quando pude comprar e isso levou muito tempo. Ela limpou as lágrimas com as costas das mãos.

– Você não vai querer nada em troca? Ele percebeu o olhar e a dúvida na pergunta maliciosa.

– Só um sorriso! Assim está bom?

– Ta bom!

– Então venha comigo. Você mora por aqui?

– Sim, meu pai é pescador, mas o dinheiro não dá pra nada.

– Você estuda?

– Sim! Com muita dificuldade, a escola é longe, não tem ônibus.

– Que idade você tem?

– Fiz 18 mês passado.

– Sério? Você me parece mais jovem.

– Sou não! Sabe a vida aqui é muito difícil, eu só queria ir na festa de fim de ano da escola,com um sapato no pé e uma roupa um pouco melhor.

– Está bem, vamos dar um jeito nisso. Mas me diga seu nome.

– Me chamo Aline e o seu?

– Delago, me chame de Delago.

– Nome esquisito, mas é bonito.

Andaram devagar pela beira da praia e ele sentia-se como um garoto ao lado da primeira namorada. À medida que andavam ele observava sua beleza e as lágrimas agora davam lugar à um ar de felicidade. Ela estava prestes a realizar um sonho. E ele ia realizar este sonho. Pela primeira vez ele sentia que estava fazendo algo importante. O local tinha algumas lojas de roupas e caçados e ele não mediu despesa. Diante dos olhares maliciosos das balconistas ele comprou e vestiu a garota com o que a loja tinha de melhor.

– Você está linda! Agora quero o sorriso que me prometeu. Ela sorriu e o sorriso estampado na face a fazia ainda mais bonita.

– Ta certo! Mas tem um problema, o que vou dizer em casa? Falou a garota com ar preocupado.

– Não se preocupe! Falou uma das balconistas, vou com você até sua casa.

Ela saltou e o agarrou pelo pescoço e beijou sua face.

– Obrigada! Eu nem sei o que dizer.

– Não diga nada. Apenas sorria, isso me basta.

– Você mora onde?

– É perto daqui.

– Está bem.

A balconista e a garota saíram e ele tomou o caminho de casa. Enquanto dirigia pensava na garota. Será que estava apaixonado? Agora? Por uma garota que tinha menos que a metade da sua idade? Tinha que tirar isso da cabeça, mas não conseguia, quanto mais tentava mais pensava na garota. Chegou em casa e abriu um litro de wiskey. Sentou-se junto à porta da varanda e sorvia a bebida. Havia algo naquela garota que o estava perturbando. Já havia tido tantas mulheres que não se lembraria de 10 por cento de seus nomes, mas nenhuma havia sido capaz de mexer tão fortemente com seus sentimentos. Ficou ali pensando e sonhando fantasias até que anoiteceu e decidiu comer alguma coisa e dormir. Estava preparando-se para deitar quando bateram à porta insistente mente. O choro inconfundível de Aline misturava-se com as batidas frenéticas e ele apressou-se em abrir a porta.

– O que houve? Perguntou aflito.

– Meu pai! Ele me bateu. Na claridade da luz, pode então perceber marcas avermelhadas no rosto da garota. Ela trazia o pacote com as roupas e os sapatos. Estava tudo amassado e embrulhado.

– Calma! Sente-se e me conte. Espere seu rosto está inchado, vou fazer um curativo.

– Não é nada, isso passa logo. Respondeu a garota. – Meu pai estava bêbado e me bateu e mandou eu devolver o que você me deu. Disse que não sou prostituta pra aceitar presentes de estranhos.

– Sim! Mas ele não pode bater em você! Vamos chamar a polícia.

– Não faça isso! Eles o prendem e minha mãe e meus irmãos dependem dele. Deixe como está, mas eu não quero voltar pra casa. Me tire daqui, me leve com você, eu não quero mais vê-lo.

– Calma! Vamos então pensar no que fazer. Você tem um namorado?

– Não! O Nico sempre me persegue quer ficar comigo e me ameaça. Já saí com outros rapazes, mas nenhum me atrai o suficiente. Além disso, desde que vi você hoje, eu estou sentindo alguma coisa que jamais senti.

– Mas, veja! Sou 22 anos mais velho e...

– E daí? Interrompeu Aline. – Minha mãe também é 35 anos mais moça que meu pai. Ela casou com 16 anos.

– Bem! Confesso que também estou sentindo algo diferente desde que nos conhecemos. Você tem alguém mais por aqui?

– Sim! Minha tia.

– Ok! Prepare-se para dormir, você dorme na minha cama. Eu durmo no sofá. Amanhã preciso fazer algumas coisas. Vou deixá-la com sua tia e a apanho mais tarde. Vamos fazer a coisa certa. Está bem?

– Vai me beijar pelo menos?

– Claro estou ansioso para fazer isso. Eles então beijaram-se ardorosamente e Delago sentiu que estava realmente apaixonado. Ela correspondeu apaixonadamente e procurava já soltar os botões de sua camisa. Ele suavemente reagiu.

– Espere! Vamos fazer direito lembra? Você tem documentos? Ela levou a mão ao bolso do short e tirou a carteira de identidade parecendo preocupada. Ele examinou o documento.

– Espere! você ainda não tem 18 anos, falta dizer que ainda é virgem. Ela enrubesceu e retrucou.

– Sim! Sou.

– Isto significa que teremos problemas. Mas você disse que tinha saído com outros rapazes.

– Sim, mas foi só ficar! Meu pai mataria se soubesse que... entende?

– Sim! Vamos sair daqui e casar, se é o que você quer.

– É tudo o que sonhei! Claro que quero!

Naquela noite nenhum dos dois conseguiu dormir, passaram a noite alternando entre cochilos e horas pensando e sonhando um com o outro. Na manhã seguinte ele a deixou em casa da tia e foi para o centro, precisava passar no banco e finalmente ligou o celular. Precisava falar com sua irmã. Tinha agora um problemão, estava apaixonado por uma garota de 17 anos e não sabia ainda o que fazer. Natalia saberia aconselhar. O problema maior, seria lidar com a família da garota. Era já quase meio dia, passou na lanchonete e pegou duas embalagens com o almoço. Dirigiu-se para casa da tia de Aline. Ela abriu a porta sem conseguir disfarçar um ar de preocupação.

– Senhor Delago, a Aline foi com uma amiga até a casa dela apanhar algo que havia emprestado a até agora não voltou.

A mulher deu a Delago o endereço da amiga e ele rumou para o local. Nenhuma das dias havia aparecido. Ele ficou preocupado e resolveu dirigir até a praia. Estacionou o carro próximo ao local onde encontrara a garota e resolveu sair a pé. Contornando as pedras ao chegar ao local onde a havia encontrado soltou um grito de horror.

– Não! Não pode ser, meu deus! Não pode ser!

Aline estava deitada de bruços sobre uma poça de sangue, suas roupas estavam rasgadas o rosto irreconhecível, completamente desfigurado. O quadro era aterrador. Aline estava morta. Então levantando os olhos, percebeu um rapaz chorando sentado sobre uma pedra, com as mãos trêmulas que seguravam o revolver

apontado para a boca.

– Seu desgraçado! O que você fez?

Ao perceber que Delago avançava em sua direção ele puxou o gatilho. O corpo rolou e sangue e pedaços do cérebro espirraram sobre a parede da pedra. Delago sentiu as pernas trêmulas, quase não conseguia manter-se de pé. Como um autômato ligou para a polícia. A tragédia abalou a pequena comunidade e extremamente cansado sem sequer ter almoçado ele finalmente foi para casa, depois dos interrogatórios e da remoção do corpo para o instituto legal, reconhecimento do corpo e encaminhamento para a autópsia. Já era noite e ele deixou-se cair sobe o sofá.

Dormiu profundamente e acordou já de madrugada. Resolveu tomar um banho e ao entrar no quarto, uma visão impossível o deixou completamente alucinado. Deitada sobre a cama, Aline dormia tranquilamente.

– Aline! Não pode ser, é você?

– Claro! Quem esperava que fosse?

– Como é possível!

– Simples, eu voltei à casa de minha tia, você não apareceu aí eu vim para cá. Você estava dormindo no sofá, eu tomei um banho, comi um sanduíche e dormi.

– Está bem! Levante, arrume suas coisas, nós vamos embora agora. Enquanto você se arruma eu vou tomar um banho.

Ele foi para o banheiro deixou a água jorrar enquanto seu raciocínio dava voltas.

– Então foi um pesadelo! Eu ando cansado, devo ter dormido demais. Foi um pesadelo, graças a deus, ela está viva, minha cinderela está viva. Saiu do banheiro e olhou no quarto, ela não estava, resolveu chamar, nada. Saiu pela porta da varanda que estava aberta. Ela vinha em sua direção, a saia esvoaçando contra o vento. Ele suspirou aliviado.

– Fui dar uma última olhada para o mar. É a única coisa que vai deixar saudade.

Prepararam rapidamente as bagagens e partiram.

– Minha cinderela, nós vamos casar, você vai estudar e vamos fazer um teste, talvez você possa ainda ser uma grande atriz. Ela o beijou, mais uma vez apaixonadamente. Repentinamente gritou.

– Cuidado! Vamos bater.

Ele acordou com a lanterna do guarda rodoviário ferindo-lhe os olhos.

– Senhor, sua habilitação e os documentos do carro.

Ele moveu-se e a dor no ombro era intensa, seus olhos buscavam aflitos por Aline no banco a sua direita. Estava vazio.

– Seu guarda, onde está a moça que estava comigo?

– Moça? Não! O senhor estava só, não há ninguém.

– Não pode ser! Ela estava comigo.

– Senhor, o senhor não está bem. A ambulância já está vindo, o senhor será levado ao hospital. O senhor vinha dirigindo em ziguezague perigosamente e nós o seguimos, então perdeu o controle e bateu. O senhor será multado por direção perigosa e terá o veículo aprendido.

Finalmente depois de medicado e dormir várias horas ele acordou. Então a realidade surgiu em sua mente com toda sua cruel exatidão.

– Então não foi sonho! Isto é! A morte de Aline foi real, o sonho foi a visão que tive dela na cama e tudo o que aconteceu, faz parte do sonho. Eu estava dirigindo, como um sonâmbulo, é isso. Minha cinderela está morta.

Ele saiu dois dias depois do hospital, havia fraturado uma costela e sofrera duas cirurgias. Voltou a casa que ele ainda não havia entregue. Chegando ao quarto a primeira coisa que viu foi o par de sapatos. Ele os apanhou e foi procurar um artesão local. Mandou fazer um escultura de bronze dos objetos e colocá-la sobre a sepultura dela. Dias mais tarde então criou coragem e decidiu despedir-se de Aline. Foi ao cemitério. O artesão fizera um bom trabalho. Colocou flores dentro dos sapatos.

– Minha cinderela, onde quer que você esteja, quero que saiba que você foi o único e verdadeiro amor de minha vida e que nenhuma outra será capaz de substituir. Os sapatos serão o símbolo eterno do nosso amor, do sonho de uma garota que apenas queria um par de sapatos. Eu fiz tudo errado. Me perdoe. Eu não estava preparado para lidar com os sonhos de uma garota pobre, eu devia tê-la colocado no carro naquela noite mesmo, e saído para uma vida nova, louca, como só a juventude de hoje sabe viver, longe de tudo e de todos. Espero que você esteja num lugar lindo onde irá me esperar. Eu vou mergulhar no trabalho, dizem que assim o tempo passa rápido e logo estaremos juntos. Adeus.

FIM

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 01/12/2010
Código do texto: T2647526
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.