Dalva

ORIGINAL EM http://dacarpe.wordpress.com

A mão se arrastava pela cama tentando alcançar a caneta que descansava no criado-mudo. Tateando nos lençóis a mão alcançou uma folha de papel. O cansaço dos olhos fatigados, por mais que os forçassem, não deixavam distinguir que palavras eram aquelas. “Deve ser ela”, pensou. Com uma lentidão apaixonada abraçou o papel como se fosse a própria. Não importava se era a carta ou não. Naquele momento a lembrança falava mais alto. Deixou a mão cair no lençol, tanto pelo cansaço quanto pela vontade e, arrastando-a, tentava novamente alcançar a caneta.

O esforço era monumental. Todo aquele branco clamava por algumas palavras vividas e queria eternizá-las, mas não conseguia. O papel em seu colo, amassado de uma noite não dormida e de uma vida de belos pesadelos, era também um convite. A caneta. Os dedos encostavam já no criado mudo quando sentiu o toque suave de outro dedo em sua mão. Pensou que poderia ser ela. Sentiu o coração bater, como não sentia havia alguns anos. Nervoso, tentou fazer os olhos enxergarem, mas tudo era claro demais. Todo aquele branco era lindo, mas incomodava.

Sentiu um objeto na sua mão. “A caneta”. Com muito esforço, tentou levar a mão ao papel, que ainda abraçava, tanto pelas sentimentalidades que o daquele momento como pela comodidade do braço exaurido. Tocou o papel com a caneta e pôs-se a desenhar linhas tortas e mal rabiscadas que, acreditava, virariam palavras. Não distinguia nada. Só o que via era a forte luz branca que banhava todo o ambiente. Os olhos fracos lacrimejavam, mas nem a lágrima ele podia sentir.

Os rabiscos tomavam forma. A escrita cega, o olhar caído, a lágrima sensível… A filha, chorando muda ao seu lado, continha a explosão emotiva dentro de si, espreitando a escrita do pai. Olhava pro papel um tanto amarelado do tempo, para o pai que acordava do coma de 3 meses, para todos os tubos e canais que o mantiveram vivo por este tempo e chorava. Sua expectativa fitava as palavras a serem projetadas na carta que ele nunca tivera coragem de escrever. Curvou-se um pouco mais, completamente emocionada. E viu a mão do pai amolecer e a caneta cair no chão.

No papel lia-se “Querida estrela,”. Na vírgula a caneta caiu.

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Dacarpe
Enviado por Dacarpe em 27/08/2010
Código do texto: T2462906
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