A Fuga

Respirava ofegante, estava demasiadamente cansado, mas ao mesmo tempo feliz por alcançar parte do meu objetivo. Ouvindo aquela voz sexy e um tanto robótica da locutora e visualizando o trafego incessante de pessoas carregando os seus pertences, não tinha dúvidas de que eu realmente havia chegado ao aeroporto.

Inevitável deixar transparecer a sensação de vitória por ter simplesmente conseguido estar ali.

Por alguns momentos pude relaxar e refletir sobre as feições dos transeuntes, pessoas tão próximas fisicamente e ao mesmo tempo tão distantes.

É fato que na atual sociedade da comunicação a tecnologia encurtou distâncias e certamente, salvo raríssimas exceções, somos muito mais próximos de um ente virtual do que de um corpo real acerca de trinta centímetros de nossos umbigos e, obviamente, isto traz conseqüências irreversíveis para todos nós.

Afinal, em outros tempos como seria possível uma pessoa abandonar tudo para ir ao encontro de uma outra, que reside em outro continente, sem sequer a ter conhecido pessoalmente, ou melhor, fisicamente.

Devo agradecer muito aos cientistas, posto que graças aos avanços tecnológicos fui capaz de encontrar o amor da minha vida. Bendito seja Bill Gates!

Não vou mentir. O medo se faz presente no meu coração e na minha alma. Assusta a sensação de estar tomando uma decisão da qual possa me arrepender. A certeza do sofrimento de pessoas que amo em razão da minha “impensada” atitude, é uma ferida que dói e se sente. Perdão Camões, mas independentemente da decisão que tomei, a dor é brutal.

Entretanto, fiz uma escolha pela vida. Comungando do sábio pensamento de Oscar Wilde, eu não quero apenas existir, eu quero viver. Não agüentava mais a pressão diária e a rotina descabida de uma vida sem substância.

Nada mais belo e gratificante do que fazer algo que você intimamente deseja em sua essência, sem privações impostas por terceiros ou pelas circunstâncias da vida.

Indubitavelmente a vida “on-line” corrobora o entendimento de que o amor é algo intangível e de amplitude ímpar, fazendo com que a presença física se torne algo relativo e dispensável.

Definitivamente eu a amo. As conversas que tivemos nos últimos meses fizeram com que eu, cético e ateu, acreditasse piamente na existência de algo superior que controla o universo e determina o nosso destino.

Frise-se que não se trata de um envolvimento platônico e infantil no qual os enamorados concordam com tudo e desejam simplesmente estarem juntos em busca da utópica felicidade, mas sim de uma relação amadurecida, no qual discordâncias e incertezas se fazem presentes, no entanto, eivadas de respeito mútuo, inteligência, sagacidade, harmonia e paixão, que mesclados na medida certa tornam a união afetiva indestrutível.

Ouço a chamada para o embarque, o coração dispara. Serão menos de treze horas para finalmente estar com ela e sentir o seu perfume.

Pego o bilhete do bolso e ameaço levantar do assento quando sinto a razão tentar um derradeiro golpe na minha consciência, povoando-a de argumentos claros e objetivos para fazer com que eu desistisse imediatamente da idéia de abandonar tudo pela esperança de algo incerto, tratando-se, portanto, de uma verdadeira loucura.

Após alguns poucos segundos levantei cabisbaixo e esbocei um leve sorriso, respondendo intimamente a razoabilidade do meu ser com o brilho poético de Mário Quintana:

“Nunca ninguém sabe

Nunca ninguém sabe se estou louco para rir ou para chorar

Pois o meu verso tem essa quase imperceptível tremor...

A vida é louca, o mundo é triste:

vale a pena matar-se por isso?

Nem por ninguém!

Só se deve morrer de puro amor!”

Espere-me amor, ainda hoje estarei contigo.