A VIDA CONTINUA...

Era véspera de ano novo e o sol brilhava sobre o orvalho que repousava nas pequenas pétalas das violetas do peitoril da janela de Liane. Os pássaros cantavam revoando em volta das flores e um pequeno raio de sol entrava pela pequena fresta da janela de seu quarto...

Liane espreguiçou, esticando-se toda, ainda de olhos fechados e deu um suspiro... Hora de acordar... Sentou-se na beirada da cama e procurou os chinelos com os pés...

Na casa, aquela bagunça rotineira de todas as manhãs... O irmão demorando-se no banheiro, ajeitando os cabelos com gel, o pai gritando para que o irmão desça rápido para levá-lo à escola, a mãe preocupada porque o filho não tomou o desjejum...

Hum... Um cheirinho gostoso de torradas e chocolate quente abriu o apetite de Liane, que sorriu, já com os chinelos nos pés...

Liane abriu a janela e deu um lindo sorriso. O dia estava lindo! Paisagem para um dia cheio de maravilhosas surpresas...

Chegou à cozinha, deu um beijo na mãe, que lhe serviu o café da manhã...

Hoje era seu dia de folga...

Tomou o desjejum sem pressa, lavou a louça que estava na pia, foi até o quintal, fez um carinho em sua cachorra Kira que fez festa...

Dia perfeito... Seu coração pressentia algo de maravilhoso...

Pegou um caderno velho e numa das folhas começou a escrever uma carta ao seu anjo da guarda, como fazia todos os anos... Fez alguns pedidos para o ano novo, se comprometeu com novas metas positivas e agradeceu pelo ano que passou...

Passou a limpo a cartinha em papel de carta enfeitado e perfumado. Colocou num lindo envelope e colocou-o dentro da bíblia no salmo sete e fez uma linda oração ao seu anjo protetor, Haniel... Pegou a carta antiga, acendeu um fósforo e queimou-a num ritual, fechando o ciclo do ano que passou e assoprou as cinzas ao vento, sobre as flores do jardim... Seu coração estava reconfortado, feliz e em paz...

Tocou o telefone e ela correu a atender. Pressentia internamente... Era o seu grande amor...

Ao ouvir a voz ao telefone, respondeu feliz com um sorriso enorme nos lábios _Oi amor, bom dia! Que vamos fazer hoje de bom? Passa aqui para a gente combinar!

Mário, seu namorado, parecia diferente e apenas disse_ Passo aí à tardinha!

Liane estranhou. Sua voz não estava calorosa como de costume..._ Algum problema, amor?

_ Só um pouco preocupado! A gente se fala de tarde!Eu te amo muito, nunca se esqueça disso... , disse Mário desligando o telefone...

Liane estranhou o comportamento de Mário, sempre tão atencioso e carinhoso. Deve ser algo no trabalho, pensou... Deu de ombros e logo foi fazer suas coisas...

Liane tinha o costume de arrumar o guarda-roupa, tirar coisas que não queria mais e separá-las para levar a um orfanato, perto de sua casa. Gostava sempre de deixar um espaço em seu guarda-roupa, para que novidades entrassem em sua vida...

Depois de colocar seu quarto em ordem e de levar as roupas que havia separado para o orfanato, cuidou do jardim, replantando algumas flores, podando outras e admirou o resultado final...

Foi tomar um longo banho. Tinha tempo para ficar linda para o seu amor...

Encheu a banheira com sais de lavanda e bergamota e ficou imersa na banheira e em seus pensamentos, agradecida, por tanta felicidade!

Escolheu um vestido verde e sandálias combinando. Secou os cabelos, jogou-os para trás, deixando algumas mechas caírem displicentes pelo rosto. Maquiou-se e escolheu um perfume suave com notas de rosas...

Não demorou muito e Mário chegou... Entrou na sala, e antes de dar-lhe um beijo, segurou em suas mãos. Afastou-a de si por um momento e olhou-a demoradamente, detendo-se em cada detalhe, fazendo o coração de Liane disparar, deliciado...

Liane olhou para Mário sorrindo e ele pegou o seu rosto com as duas mãos e ficou olhando por um longo minuto, num misto de desejo e hesitação, com um olhar tão sofrido, que Liane não conseguia entender...

Mário deu-lhe um beijo intenso, como se toda a sua vida estivesse lá, naquele minuto. Olhou para Liane, para a sala e novamente para Liane, demorando-se em cada milímetro de seu corpo...

Saíram para jantar, mas ele estava diferente. Ela podia sentir... Mário quase nem comeu, apenas bebeu o vinho e em voz baixa disse a Liane que tinha um amigo que engravidou uma garota de 17 anos e que embora ele não a amasse, iria se casar com ela e pediu a opinião de Liane.

Liane achou estranha tamanha preocupação, mas disse:_Se esse seu amigo não a ama, acho que não deveria se casar. Filhos serão filhos sempre, casando ou não!

_Mas não é justo uma criança crescer sem pai _ Mário respondeu...

_Não crescerá sem pai... Pode ter um pai presente que mora em uma outra casa. Melhor que viver num lar sem amor..._Liane comentou.

Ficaram por um bom tempo conversando sobre o amigo de Mário.

Mário pagou a conta e ele levou Liane para casa. Mário parecia evitar qualquer contato com Liane.

Quando chegaram à frente da casa de Liane, ela resolveu perguntar algo que já pressentia.

Esse seu amigo é você, não é? – perguntou .

Mário ficou em silêncio, segurou as mãos de Liane e olhou em seus olhos...

Ficaram assim se olhando, sentindo que era um adeus, enquanto lágrimas brotavam em seus olhos...

Liane queria fugir para bem longe, mas a dor era tão grande, como se tivessem arrancado o seu coração com a mão e o estivessem apertando...

Ficou ali, parada, olhando aquele rosto tão amado, que veio apenas para dizer adeus. Sabia que se Mário não amasse a garota de 17 anos, não se casaria! Ele a amava... Só estava ali, chorando com ela, por não querer magoá-la...

Sabia em seu íntimo, que não foi apenas um encontro ou dois. Há quanto tempo será que saía com outra? Seria bonita? Divertida? Não, não queria saber...

Limpou os olhos com as costas das mãos, deu um beijo no rosto de Mário, não perguntou nada e apenas disse:_ Seja muito feliz, e obrigada por todo esse tempo. Foi muito bom... Vou ter saudades, mas agora nossos caminhos estão tomando rumos diferentes...

Os olhos de Mário desanuviaram-se, como se tirasse um peso enorme da consciência. Deu um sorriso e partiu feliz...

Liane estava tão triste que nem tinha lágrimas para chorar. Seu coração parecia querer anestesiar-se, dormir por um século...

Entrou em seu quarto, sentou-se na beirada da cama por uns instantes e segurou a respiração por uns segundos. E logo, o corpo reagiu querendo respirar...

Deu um longo suspiro, ligou o som, e acompanhada da melodia que dizia que a fila anda, juntou todos os presentinhos, bilhetinhos, cartinhas, fotos, postais que havia ganhado de Mário, separou tudo numa caixa, foi até a churrasqueira, e foi colocando fogo peça a peça, como num funeral... Só restaram cinzas...

Pegou o carro e foi para o litoral, onde todos a esperavam para festejar a passagem de ano novo...

À meia-noite, foi à praia, alegrou-se com o festival de fogos, abraçou familiares, amigos e estranhos que estavam por lá... Entrou no mar, pulou sete ondas... Rodopiou espalhando a água do mar, com os braços abertos, feito criança, debaixo daquele céu salpicado de fogos e estrelas... Era literalmente, o começo de um novo ano!

De manhã, foi à praia e correu de ponta a ponta, como se corresse para um futuro novo, incerto, mas de peito aberto. A sua volta, pessoas riam, corriam, conversavam, tomavam sol...

Nesse momento, Liane entendeu que a vida é linda e precisa ser percorrida por todo o seu trajeto, seja por planícies, montanhas, desertos ou pradarias... Sempre vai ter pelo caminho uma clareira, uma cachoeira ou um oásis onde descansar. E sempre haverá um arco-íris ou um nascer de sol ou uma lua cheia para contemplar...

A vida é maior que qualquer sofrimento ou alegria que se tenha que passar... As pessoas passam, mas a vida continua, sempre e sempre!

lucia sukie

sukie hikari
Enviado por sukie hikari em 09/11/2009
Reeditado em 11/11/2009
Código do texto: T1914736
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