" CÂNDIDA"

Iludida que estava pela falsa aparência de um amor correspondido, casara-se com Paulo precocemente aos dezoito anos.

Dos tempos idos nada restou além de lembranças esparsas de momentos fugazes de alegria. Punha-se a recordar com sofreguidão, dos beijos de amor roubados, das juras secretas pronunciadas ao som de um provocante bolero e das apalpadelas furtivas no sofá da sala de jantar na casa de seus pais, à época do noivado.

A rotina do matrimônio cuidou de transformar Cândida em um ente despersonalizado, sem desejos,vontades, aspirações e sonhos. Passou, destarte a adotar uma visão contemplativa da vida, pensando erroneamente ser esta a melhor solução para garantir a mantença de sua família.

O marido a ignorava por completo, esquecendo-se de que dentro do coração da esposa a vida ainda pulsava e que seu corpo latejante de sensualidade clamava exasperado por uma atenção viril. Ela, a cada demora de Paulo, tentava em vão, enganar-se, embora seu íntimo a conscientizasse que ele para aplacar seus desejos varonis tomava o caminho de outras falenas...

Certo dia, Cândida ao mirar -se no espelho, constatou com vívida surpresa que um pouco de sua primitiva beleza sobrevivera ao desalento. Consumida por uma emoção inebriante, maquiou-se e então pôde vislumbrar um rosto não jovem, mas singularmente rejuvenescido e encantador...

Naquela mesma noite, o marido trazia um amigo do trabalho para um tedioso jantar de negócios. Ao pousar os seus lânguidos e negligentes olhos castanhos sobre a atraente figura do visitante, sentiu um calafrio pertubador! Desejo, apatia,alegria, tristeza,esperança e desesperança se alternavam irmanados, frutos que eram do desamor e solidão conjugais.

Como agiria para não profanar a castidade do leito nupcial? A resposta para tão melindrada questão não foi respondida.

Se porventura praticasse adultério,estaria se assemelhando àquelas que em seu passado egoístico,incompreenssivo, implacável por tantas vezes havia condenado...

Mas, por outro lado, como deixar escapar a felicidade iminente de um momento promissor? Rebelou-se, debateu-se contra a situação adversa e num , instante de devaneio permitiu-se "querer por querer", entregando-se apaixonadamente e sem reservas ao convidado.

Poucos dias depois de consumado o ato de amor, recebeu a visita do Oficial de Justiça e a terrível citação para o processo de separação litigiosa. Constituiu advogado,providência esta que restou ineficaz, pois fora considerada a única culpada pela falência do casamento;relação esta que agonizara por anos a fio, sem qualquer possibilidade de reconciliação...

Ferido mortalmente em seus brios masculinos, o desidioso marido cuidou de alegar e provar a culpa exclusiva de sua infeliz mulher para o alentado fracasso da sociedade conjugal! Requereu, expressamente ainda, que ela voltasse a usar seu nome de solteira, pois sua honra restara inexoravelmente vilipendiada em seu meio social pela conduta desonrosa de sua esposa!

Paulo, comemorou ainda, às escâncaras o fato do Juiz não ter fixado nenhuma pensão alimentícia à sua ex esposa... Jovem,saudável,formada em Letras,estaria plenamente preparada para ingressar no competitivo mercado de trabalho, mesmo tendo dele se afastado por muito tempo...

Somente sobre os ombros de Cândida a clava da Justiça caíra, prova insofismável e cabal do machismo que ainda impera nestas "terras morenas".

Ainda ontem, pude ver Cândida, trajando um vestido simples,trabalhando como balconista, atrás de um balcão de uma loja de vestuário popular... Paulo,continua a gastar inescrupulosamente parte do patrimônio amealhado por ambos à época do casamento,em suas inconsequentes aventuras noturnas... O sedutor visitante, maroto, irresistivelmente belo,casou-se com uma riquíssima herdeira de um investidor da Bolsa de Valores....

E Cândida? Vive das lembranças dos instantes beatíficos daquele único encontro amoroso, onde se fez e se sentiu verdadeiramente MULHER!

* Nota da Recantista: Trata-se de uma obra ficcional.