A semente

Autor: Gilberlândio Francisco

Era uma bela manhã de domingo quando o jovem Luiz acordou. Estava muito feliz, pois logo iria deixar a capital pernambucana; viver numa cidade grande era sufocante, mas a alegria de saber que logo poderia deixar Recife o revigorou, iria retornar ao interior para realizar um intercambio com alguns amigos. Recife em sua opinião era um bom lugar pra se viver, mas nada comparado a sua cidade natal, a boa e velha Afogados da Ingazeira. Já fazia três anos que não tinha noticias do lugar onde nasceu desde que veio pra capital estudar agronomia, por isso era tão confortante regressar as suas raízes. Ao olhar o relógio viu que estava atrasado, tomou rápido um copo de café com leite e seguiu pra Estação Rodoviária de Recife. Horas depois Já estava dentro do ônibus a caminho do interior. Embora fosse meio desconfortável viajar no ônibus do seu grande amigo Duda, esse era o único transporte disponível naquele domingo. Durante a viagem sua mente dava voltas e mais voltas relembrando a infância e todos os momentos felizes que teve ao lado das pessoas que tanto amou; principalmente o seu pai e sua mãe. De repente veio-lhe a lembrança de um juramento feito há muitos anos atrás quando ainda era apenas uma criança; onde seu pai, junto com Felipe seu grande amigo, e ele juraram proteger um pequeno conjunto de vinte e cinco belas árvores; eram plantas da caatinga muito especiais incluindo uma baraúna de aproximadamente oitenta anos, sem falar nos enormes juazeiros e outras árvores de grande porte. Aquele era seu pequeno paraíso, ali aconteceram os melhores momentos da sua vida, foi lá embaixo daquelas árvores que encontrou a felicidade nos braços da bela Helena, sua vizinha e amiga de infância. Aquele conjunto de frondosas árvores já havia sido palco de muitas emoções, suas conversas com o amigo Felipe, até os sermões do seu Firmino quando ele fazia algo errado eram naquele belo lugar. Quando estava triste sempre recorria ao seu local de meditação, de paz e harmonia. Sempre que demorava a voltar pra casa seu Firmino o procurava primeiro ali. Suas lembranças do sitio Santo Antonio foram de súbito interrompidas quando o ônibus passou em cima do primeiro quebra – mole de Afogados da Ingazeira, acordando-o de um belo sonho, já estava escurecendo, e às oito horas de viagem da capital ao interior haviam se passado num piscar de olhos, apesar dos inconvenientes. Como era boa a sensação de estar novamente em sua cidade. O intercambio seria em Flores, mas a ansiedade de rever seus familiares e amigos o fez tomar uma decisão.

__ Pessoal eu vou descer aqui mesmo, daqui a sete dias nos veremos em Flores! Boa viagem!

Uma forte emoção tomou conta do seu interior, ao ver como a sua cidade havia mudado; 15 de janeiro de 1995, esse fora o dia em que viajou para Recife. Durante uma hora ele ficou ali sentado na bela Praça Arruda Câmara, depois se dirigiu à casa de seus pais no bairro São Brás. A casa estava repleta de amigos que ele não via á muito tempo. Logo após matarem a saudade veio a triste noticia. Luiz mal pode acreditar quando soube que seu pai havia sido enganado por um trapaceiro agiota; e sendo seu Firmino uma pessoa pobre, acabou perdendo suas terras para pagar a dívida. A melhor faze da sua vida havia sido naquelas terras e agora tudo isso estava pra desaparecer, pois o homem por traz de tudo isso, pretendia transformar a área em uma grande pastagem para sua criação de gado, o que incluía o desmatamento das árvores que tanto sentia falta.

Na manhã do dia seguinte acordou agitado e meio cansado, pois não conseguira dormir na noite anterior pensando numa maneira de recuperar as terras de seu pai, decidiu ir falar com seu tio Inácio, o advogado da família, mas como era de se esperar ele também não podia fazer muita coisa, já que legalmente as terras haviam sido tomadas por causa de uma dívida não paga, e por isso não havia como impedir a posse delas. O único jeito seria comprá-las de volta, mas como conseguir tanto dinheiro em pouco tempo? Se esperasse para comprá-las depois com certeza não restaria muita coisa além de uma extensa área desmatada e nunca realizaria seu sonho de transformar aquele território numa pequena reserva de plantas nativas, para isso foi estudar na capital. Teria que fazer alguma coisa, mas o quê? A principio o único jeito seria tentar convencer o agiota, porem Carlos Oliveira não estava a fim de negociar, durante três dias tentou convencê-lo a mudar de idéia e preservar pelo menos as vinte e cinco árvores centenárias que lhe eram tão valiosas. Estava desesperado, em breve iria para Flores e tudo que viu crescer em sua infância estava prestes a ser destruído. Foi justamente aí que os vizinhos se juntaram para ajudar; fizeram um abaixo assinado entre todos da comunidade e coletaram um quinto do valor da dívida do seu Firmino; vendo aquele gesto de solidariedade a família inteira derramou lágrimas de agradecimento. Havia uma pequena esperança para aquela gente voltar a cultivar seu pedacinho de chão sem agredir brutalmente a nossa natureza. Com grande esforço e persuasão Filipe e Luiz foram ter com Carlos Oliveira uma amistosa conversa, na qual ficou decidido que por enquanto ele pouparia as árvores do terreno até que Luiz pudesse arranjar o restante do dinheiro para comprar pelo menos cinqüenta por cento das terras de volta:

__ Escute senhor Carlos, essa é minha última palavra sobre este assunto. Se o senhor não concordar conosco eu terei que denunciá-lo pela prática de atividades ilícitas. O senhor entende o que eu quero dizer não é?

Nesse momento a face de Filipe mudou totalmente a cor. Afinal o que Luiz estava pretendendo ao fazer tal ameaça?

__ Do que está falando meu jovem? Que atividades são essas?

__ Não precisamos entrar em detalhes, o senhor sabe exatamente a que me refiro!

Instantes mais tarde os dois saíram da residência do agiota, localizada no centro de Afogados da Ingazeira, e logo Felipe perguntou:

__ Agora Luiz você pode me dizer o que pretendia ao ameaçar aquele cara? Se você não sabe essa gente é muito perigosa; o que você fez pode por em risco não só a sua família, mas também todos nós que te ajudamos!

__ Sei disso, mas não vai acontecer nada se meu plano der certo!

__ Que plano?

__ O que eu descobri sobre esse sujeito talvez seja suficiente para incriminá-lo na justiça. Você sabia que ele deixou varias cidades ao longo de sua carreira como agiota?

__ Você quer dizer é que o senhor Carlos Oliveira deve esconder alguma fraude?

__ Ainda não tenho certeza, mas logo vou descobrir toda a verdade! Por enquanto eu e minha família estamos seguros, ele jamais se atreveria a fazer algo contra nós, afinal temos um advogado na família e o que essa gente menos quer é problemas com as autoridades.

__ Espere Luiz! Você sabe que ele irá tentar fazer alguma coisa contra você não sabe?

__ Claro que sei, mas antes que isso aconteça, eu quero recuperar nossas terras e descobrir se além de trapaceiro ele esconde outros crimes!

Três dias se passaram e Luiz já estava em Flores com seus amigos, enquanto isso seu tio Inácio havia entrado em contato com algumas autoridades da cidade para ficarem alertas a qualquer atividade suspeita de Carlos Oliveira. Felipe descobriu através de arquivos encontrados pela policia, que Carlos havia sido suspeito de uma grande investigação criminal, mas nunca foram achadas provas contra ele. O plano de Felipe e Luiz foi posto em prática, em breve saberiam os mistérios por traz daquele homem.

__ Como estão às investigações, Dr. Inácio?

__ Por enquanto só descobrimos que ele está envolvido com o transporte ilegal de gado, trazido de outros estados sem nenhuma documentação.

__ Espero que Luiz volte logo para resolvermos isso!

A preocupação de Felipe estava para se tornar bem maior, por que aquela noite mudaria totalmente a vida de todos os habitantes do sítio Santo Antonio. Às duas horas da madrugada não se ouve um mínimo ruído, exceto o ladrar de alguns cães, todos estão dormindo tranquilamente em suas casas, menos Felipe: permanecera na cidade em companhia de Helena. O vento silencioso ergue a poeira da estrada de chão, enquanto três vultos caminham vagarosamente em direção a casa que outrora pertencera ao seu Firmino; minutos depois o alvoroço toma conta de seu Pedro ao ver pela janela de sua casa um imenso clarão no meio das terras de seu compadre Firmino. Cinco horas da manhã o telefone toca na residência dos Ferreira, seu Firmino atende, era o seu compadre Pedro dando-lhe a seguinte noticia. Alguém havia incendiado sua propriedade e destruído a casa que um dia lhe pertenceu, em plena madrugada. A situação estava crítica por ali, há meses não chovia, a vegetação estava seca e propícia ao fogo. Quando chegaram ao local os vizinhos praticamente já haviam apagado as chamas, mas infelizmente muitas das arvores mais antigas tinham sido carbonizadas durante as quatro horas de incêndio. Naquele momento seu Firmino sentiu a dor de ver o sonho de seu filho transformado em cinzas, pobre Luiz estava tão animado com a volta pra casa, que nem imaginava tal situação. Enquanto estivera em Flores descobrira que Carlos Oliveira era procurado por um esquema de fraude dentro da policia. O agiota negociava com policiais corruptos a destruição das provas que o incriminavam. Graças a um policial que confessou tudo ao ser pego em flagrante. Desta vez tinha as provas cabais que precisava para provar que seu pai sofreu um golpe. Em sua volta a Afogados da Ingazeira, viera acompanhado de dois agentes da Polícia Federal, Robson e Alex, que desde 1993 vem seguindo os rastros de Oliveira e uma quadrilha associada a ele. Segundo os Federais, a quadrilha fornecia segurança para Carlos, em troca disso ele conseguia vários terrenos para o bando, através de suas ações como agiota, então deixava o gado roubado lá, até negociarem com os compradores de gado clandestinos. Mas parece que houve um desentendimento entre Oliveira e o bando em que agia; Carlos passou a agir sozinho, por isso tem fugido constantemente para outras cidades do interior, na certa tentando desviar sua pista dos criminosos e da polícia. Como os Federais só haviam encontrado o paradeiro do agiota, esperavam que a quadrilha desse um passo em falso para assim prender o grupo inteiro. O que logo foi possível, pois Alex, um dos Federais, encontrou uma pista sobre os integrantes do misterioso grupo:

__ Certamente foram eles a provocar o tal incêndio!__ Fala o policial olhando o triste rosto de Luiz.

__ As marcas do automóvel indicam que saíram em disparada na madrugada de hoje; esses elementos provavelmente descobriram que estas eram as novas terras adquiridas por seu comparsa, então resolveram se vingar dele tocando fogo nas matas e na casa, talvez imaginando que ele estivesse lá dormindo!

A concisa dedução de Robson o levou a dar um telefonema para seus superiores exigindo ação imediata. Se aqueles bandidos estivessem por perto eles os encontrariam. Triste e desiludido, Luiz contemplava o que havia restado de seu sonho, infância e adolescência. Sentado numa pedra olhando para céu, meditava o seu futuro naquele lugar. Ninguém o tinha perguntado nada, temendo uma reação desesperada do jovem. Mas tinha alguém que há muito tempo não via e que por algum motivo não a encontrara antes. Aproximando-se devagarzinho ela o cumprimentou:

__ Oi! Posso sentar ao seu lado?__ Disse Helena colocando a mão no ombro de Luiz.

__Claro! __ Respondeu ele com intenso desânimo. __ Não queria te reencontrar nesse lugar do jeito que está! Queria que fosse como há cinco anos atrás, embaixo da baraúna, agora não há nada, só restaram às cinzas de um belo passado.

__ Sei o quanto você gostava desse lugar, afinal nossa estória de amor começou aqui!__ Naquele instante seu coração bateu mais forte, suas mãos tremeram e finalmente Helena tomou coragem e disse: __ Lembra daquela semente que me destes antes de nos separarmos?

__ Helena não me diga que você ainda guarda aquela semente de baraúna?__ As lagrimas lhe escorreram pela face. __ No dia que te dei essa semente jurei que nunca deixaria de te amar, e pedi que você, caso ainda me amasse, me devolvesse essa semente em sinal de seu amor, no dia do nosso reencontro.

__ Meu amor é a única coisa que posso te oferecer! E será com amor que iremos plantar juntos essa pequena semente no mesmo lugar onde nos amamos pela primeira vez. __ Aquelas palavras deram vida ao espírito de Luiz, que abraçou fortemente Helena seu grande amor. __ Prometo que farei o possível para recuperar esse lugar usando tudo que aprendi nos últimos anos!

Pouco depois, Robson e Alex, chegaram ao local onde estavam para avisar que os responsáveis pelo incêndio foram presos num posto policial próximo de Caruaru. Os bandidos acabaram confessando quem os tinha contratado para queimar a propriedade em poder de Carlos Oliveira, neste momento a Policia Federal já estava prendendo os criminosos. Também prenderam Oliveira no Aeroporto Internacional do Recife; portando as escrituras fraudadas das terras. Em breve seu Firmino irá recuperar o que lhe é de direito. Mas haverá muito que fazer até recuperar os estragos do incêndio.

Juntos mais uma vez, Luiz e Helena cavam no solo abençoado com seu amor, a cova onde será plantada a semente de baraúna; aquela pequena semente é a esperança do amor plantado no chão da vida, no qual irá crescer e dar muitos frutos. À medida que a enterram carinhosamente, suas lágrimas de esperança regam um novo sonho de carinho e respeito à mãe natureza.

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Gilberlandio Francisco
Enviado por Gilberlandio Francisco em 19/09/2009
Reeditado em 24/12/2009
Código do texto: T1819098
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