UM DESTINO NO ESPELHO

O Dr. Alex Havinitsk, um jovem de trinta anos foi a uma pequena loja para comprar um novo par de sapatos. Sentou no banquinho de frente ao espelho para experimentr a nova aquisição. Sentada atrás dele uma jovem senhora esperava enquanto um garoto de uns seis anos de idade experimentava um tênis. O médico imaginou que fosse filho dela. Pelo espelho seus olhares se encontraram. Ele desviou o olhar, afinal aquela jovem devia ser casada e mãe daquele garoto. Sem querer, olhou para ela, ainda pelo espelho. Desta vez segurou o olhar. Ela desviou, após incontáveis segundos. Quando dois olhos se encontram, mesmo que seja pelo espelho, parece que se produz uma grande energia entre as duas pessoas, maior até do que aquela que se gera pelo contato corporal.

Após verificar que o par de sapatos servia, Alex pagou e saiu, sem olhar para a jovem. Ao pegar a carteira um cartão caíra no momento em que retirou o dinheiro. No cartão havia o número de seu celular e dados do hospital de que era sócio. A jovem apanhou o cartão disfarçadamente.

Ele levava consigo a maleta de médico. Dali foi direto para o Hospital do qual era diretor clínico. Não foi direto para a Diretoria. Entrou no consultório e atendeu seus pacientes. Após a última consulta, foi para seu apartamento, num bairro vizinho ao centro da pequena cidade. Tomou um banho frio, sentou-se à mesa para jantar. Sua secretária deixara tudo arrumado e já fora para casa.

Após o jantar, assistiu a alguns jornais na TV e foi para o computador, onde conseguia relaxar de todas as tensões do dia.

Após uma noite de um sono reparador, foi ao hospital. Atendeu três pacientes. Chegou a vez de uma jovem bonita e simpática, chamada Michella Bezzoni. Ela usava enormes óculos escuros, e pesada maquiagem. Sua queixa era dor de cabeça frequente.

O médico mediu-lhe temperatura e pressão, examinou a pulsação, o pulmão. Apesar de ter apenas três anos de formatura, sua prática médica era à moda antiga. Ele conseguia muitos diagnósticos sem solicitar exames. Era contra a medicina comercial, onde os profissionais estão mais preocupados com o bolso do que com o organismo dos pacientes.

Não achando nenhum dado anormal na checagem, puxou assunto com ela para descobrir alguma pista para sua enxaqueca. Ela tivera uma crise aguda pouco antes de chegar à clínica. Alex era do tipo de médico que vê o paciente de maneira holística, ou seja, como um todo: Corpo, mente e espírito.

Após alguns minutos de conversa, ela confessou que sempre ficava assim quando sentia atração por alguém. Ele teve que perguntar se isso estava acontecendo agora. Ela disse que sim.

- Mas o que pode levar uma mulher a sentir dores de cabeça ao ter atração por um homem?

- É que eu era noiva de um homem que me maltratava.

- Entendo. Há mais alguma coisa que deseja contar sobre seu ex-noivo?

Ela respondeu que não, mas o médico sabia que faltava algo. Ele disse, então:

- A senhora precisa confiar em mim, para que eu possa curar suas crises de dor de cabeça.

Ela sentiu que, de fato, ele inspirava confiança. Disse, então:

- Olha, há algo mais a contar. Eu confio no senhor. O problema é que não tenho coragem para dizer o que houve.

Uma das especialidades do Dr. Alex era a psicanálise. Ele pediu a ela que se deitasse bem à vontade no divã do consultório. Puxou assuntos banais, para distraí-la. Com habilidade, conduziu a conversa em direção ao fato que a paciente omitira. Pediu a ela que relaxasse e ficasse bem à vontade. Ela o fez. Aos poucos foi contando detalhes que antes omitira por falta de coragem.

- Eu gostava muito dele, mas nosso relacionamento não era normal. Ele queria praticar sexo comigo de algumas formas para as quais eu não estava nem estou preparada. Um dia eu estava dormindo e ele entrou em minha casa, pois tinha a chave. Acordei quando ele tentou penetrar meu ânus.

- A senhora quer dizer que ele a penetrou enquanto dormia?

- Quase. Por sorte minha, eu acordei e gritei de susto. Ele ficou assustado também, com medo de que chegasse alguém querendo saber o que se passava. Uma vez ele quase me obrigou a fazer sexo oral. Eu me recusei e ele penetrou minha boca com seu pênis, da maneira mais grosseira possível. Eu gostava muito dele e não tive coragem de terminar tudo, pois ele sempre se mostrava arrependido.

- Olha, a senhora me parece uma pessoa equilibrada, com sentimentos nobres e merecedora de um parceiro calmo, dedicado. Sugiro que a senhora dê um tempo, fique sem relacionar-se com ninguém, enquanto reflete sobre o que se passou, sobre essa aceitação da violência que vinha do seu parceiro. Vou emprestar-lhe este livro, de leitura muito agradávei e eficaz no seu caso.

E entregou-lhe um exemplar de um livro sobre como desenvolver e conservar a autoestima. E pediiu que ela voltasse dentro de três semanas para reavaliar.

A paciente leu o livro rápido, pois era de leitura atraente. Enquando isso, em casa, o Dr. Alex acessava o site de conversas ao vivo. Mal entrou, já viu que Rosa, uma amiga virtual que se dizia babá, estava online. Conversou bastante com ela, fez perguntas sobre sua vida, mas ela foi muito lacônica. Falou somente o que já tinha dito: Que era babá de um garoto de seis anos. Falou um pouco sobre seus patrões, os pais do garoto.

*

* *

Em três semanas Michella já lera o livro todo. Foi ao consultório do Dr. Alex. Usava uma saia jeans um pouco curta, com uma blusa bege discreta. Os enormes óculos permaneciam no rosto, e a maquiagem continuava carregada. Entrou no consultório e deu bom dia ao Dr. Alex.

Ele respondeu entusiasmado. Pediu que ela sentasse. Auscultou-lhe o peito, as costas, o pulso; mediu sua temperatura. Tudo perfeitamente normal.

- Como se sente? Tem dor de cabeça?

- Melhorei muito depois da conversa que tivemos há três semanas. O livro também me ajudou bastante - disse, entregando ao médico o exemplar que ele lhe havia emprestado. Conversaram um pouco sobre o livro.

- A senhora dorme bem?

- Sinto-me velha ao ser chamada de senhora.

- Está bem.Você costuma dormir bem?

- A maioria das vezes. Só tenho problemas com o sono quando tenho um determinado pesadelo. Um homem estranho tenta me violentar. Isso acontece pelo menos uma vez por mês.

- Olha, Michella, se você aceitar, posso fazer um tratamento com base na hipnose. Sou adepto da escola freudiana e já tratei alguns casos com muito bom resultado utilizando essa técnica.

- Olha, Dr. Alex, eu não acredito muito nesse processo, mas pelo tamanho da confiança que tenho em seu trabalho, eu aceito o tratamento.

- Por favor, deite-se bem à vontade no divã.

Ela deitou e ficou bem relaxada. O Dr. Alex pediu-lhe que respirasse profundamente, inspirando o ar pelo nariz e espirando pela boca. Ele informou a ela que contaria de dez a zero, e quando chegasse no zero, ela estaria totalmente relaxada e à vontade.

- Dez, nove... respire profundamente... oito, sete, seis... relaxe, fique calma, seus olhos estão pesados... cinco, quatro, três... você sente bastante sono... dois, um, zero. Levante a mão esquerda.

Michella obedeceu.

- Abaixe a mão.

Obedeceu novamente. Essa ordem era apenas para verficar o nível de hipnose a que ela havia chegado. Satisfeito, ele começou a levá-la em direção ao passado.

- Você está com seu noivo, Roberto. O que sente?

- Sinto que não posso confiar nele. Ele quer forçar-me ao sexo oral.

Soluços. Michella está ofegante. Soluça.

- Acalme-se, Michella, você está em segurança. Não permita que ele faça o que você não quer. Fuja, grite, faça o que for preciso.

O médico conduziu-a a um período anterior. Ela estava dormindo e acorda assustada, com o seu noivo tentando penetrá-la por via anal. Michella grita, se agita, fica completamente molhada de suor. Chora. O médico pede calma e diz:

- Você acordará em alguns segundos.Vou contar de dez a zero, e quando eu terminar, você acordará. Dez, nove, oito... quatro... dois, um, zero. Acorde - disse, estalando os dedos.

Michella acordou, lembrando o que havia revivido. Estava tranquila, com respiração normal e sentia um alívio enorme em ter adquirido a consciência de que não gostava mais de Roberto. Fora um relacionamento doentio, em que ele mandava e ela se submetia às suas ordens.

- Dr. Alex - disse, com calma - nunca me senti tão bem desde comecei a sentir essas dores de cabeça. Acho que essas dores são coisas do passado.

- Tudo bem, Michella, mas quero vê-la de novo dentro de um mês.

Michella foi para casa.

Tomou banho, trocou a roupa e dirigiu-se à casa de Rodrigo, o garoto de quem ela cuidava.

- Oi Michella - recebeu-a com alegria D. Laura Devereux, mãe do garoto. O sr. George Devereux já havia saído às sete horas, para seu trabalho. D. Laura, também sócia da empresa, esperara a chegada de Michella, para ir também à empresa, onde ocupava um lugar na diretoria.

- Tudo bem, Rodrigo? - Perguntou, com carinho.

- Tudo, tia Michella.

O garoto gostava tanto da babá que a chamava carinhosamente de tia. Os patrões não ligavam para isso, pois reconheciam o grande amor que ela dedicava ao garoto.

Michella era daquele tipo de pessoa que transmitia paz e confiança às pessoas. Ela e o pequeno Rodrigo se davam muito bem. Já fazia três anos que ela cuidava dele, trabalhando como governanta na casa dos Devereux.

Após o almoço, levou o garoto à escola. Voltou para a casa dos patrões. Deu algumas ordens aos empregados e foi ao seu quarto. Às 17h foi à escola buscar Rodrigo. Em casa, verificou as tarefas, banhou o garoto e deu-lhe o jantar. Brincou com ele, leu histórias, conversou. Ele demonstrou cansaço, e, após alguns bocejos, foi levado a seu quarto. Dormiu rapidamente.

Michella desceu para dar ordens aos empregados sobre o jantar dos patrões. Estes chegaram às 19h30. Ela jantou, se despediu deles e foi para casa. Estava ansiosa para acessar o MSN.

Mal entrou no site, já viu que Giancarlo, um amigo que conhecera pelo Orkut, e adicionara no Msn, estava online.

- Olá, Giancarlo, tudo bem?

- Oi, Rosa, tudo bem. Como foi o seu dia?

- Normal. Nada de novo. E você, o que faz?

Ele sempre dizia apenas que era sócio de uma empresa, sem entrar em detalhes. Que dava consultorias, mas sem especificar a área.

Michella sentia uma atração especial por Giancarlo, mas sabia que amigos virtuais podem trazer problemas. Mas foi de "Giancarlo" que partiu a idéia de se conhecerem pessoalmente. Ele marcou um encontro com ela no domingo, às quinze horas, no Shopping Center da pequena cidade.

O encontro seria na praça de alimentação. Ele disse que iria de calça jeans e blusão de cor bege, era um tipo mediano, com 1,75 metro de altura, pele branca, um pouco bronzeada. Ela iria de vestido estampado, com vivas cores. Usaria óculos escuros, grandes. Era assim que gostava de se disfarçar um pouco, esconder seu rosto bonito e delicado. Carregou também na maquiagem.

Às quinze horas, "Giancarlo" já esperava na praça de aliementação. Ficou olhando em torno. De repente, chegou aquela mulher jovem, bonita, de óculos escuros.

Ele disse:

- Michella, você é a Rosa?

- Dr. Alex, então você é o Giancarlo? Que surpresa agradável!

- Então você é a babá do garoto de seis anos. Poxa. Estou pasmo.

- Por essa nós não esperávamos, não é mesmo? Bem, eu já sei que você é o Dr. Alex Havinitsk. Mas ainda tenho outra surpresa.

- Que surpresa? Espero que seja agradável.

Michella pediu licença, dizendo que já voltava. Retirou a maquiagem, mas deixou os óculos. Voltou, e ao chegar perto do médico, retirou os óculos.

- Poxa, você é a senhora que estava com o garoto naquela loja de sapatos? Pensei que nunca mais a encontraria. Então você não é a mãe do garoto, e sim sua babá!

- Senhora? Já disse como me sinto ao ser chamada assim! Tenho apenas 25 anos! Sou babá, não sou mãe do garoto!

Ele sentiu um alegria tão grande por havê-la encontrado que não se conteve. Abraçou-a, beijou-a e disse que passara dias e dias pensando em como reencontrá-la.

- Minha Michella, como estou feliz. Acho que naquele dia nasceu em mim uma paixão que parecia estar destinada a acontecer. E senti que você experimentou a mesma coisa. Como você descobriu meu local de trabalho e foi me procurar?

- Essa foi fácil. Quando você tirou o dinheiro da carteira, caiu um cartão que tinha seu telefone celular e o nome do hospital onde você trabalha. Então eu marquei uma consullta, que não foi de mentirinha,

pois eu precisava de médico, e preferi ir disfarçada. Eu o encontrei logo, mas não queria me identificar, não queria que você soubesse que era aquela garota que trocou olhares pelo espelho, na loja de sapatos, enquanto esperava que o garoto experimentasse o tênis.

- Sei, sim. Seu trauma com o seu noivo. Mas agora que te encontrei, não quero mais que você suma. A partir de agora você vai morar comigo, no meu apartamento.

- Poxa, assim tão rápido?

- Agora. Não quero correr riscos.

- Mas eu não posso largar meu emprego de babá. O garoto precisa dos meus cuidados; e eu adoro cuidar dele.

- Eu não disse que você vai abandonar o emprego. Quero apenas que, nas horas vagas, more comigo. Aceita?

- Aceito, sim. Desculpe por tê-lo feito sofrer.

- Sorte a sua que eu sou médico, psicanalista e sei perfeitamente o que se passou na sua cabeça. Não há o que perdoar. Você é minha paciente. Meu dever é curá-la, não condená-la.

No mesmo dia Michella fez sua mudança para o apartamento do Dr. Alex. Que modo estranho de desenvolver-se uma paixão! Por troca de olhares em um espelho (a jovem senhora); pela Internet (Rosa, a babá); pela consulta médica (Michella).

E eles ficaram imaginando como seria seu encontro se não fosse aquele espelho e aquele cartão que caiu por acaso. Acaso? O destino, certamente, daria outro jeito!

António Fernando
Enviado por António Fernando em 05/07/2009
Reeditado em 16/05/2010
Código do texto: T1684214
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