UMA VIDA PERFEITA

(Jhony vivia uma vida perfeita. Possuía muitos amigos, um bom emprego e uma família amável e harmoniosa. Namorava Erika uma morena cor de jambo, pele aveludada, olhos amendoados e dotada de uma voz suave e dengosa, capaz de hipnotizar até o mais cético e insensível dos solteirões. Tudo era perfeito, mas no intimo do seu âmago ele sofria, sentia que faltava algo, que toda a perfeição não era suficiente para trazer-lhe a felicidade e que toda a beleza próxima não era capaz de preencher o imenso vazio que se aninhava em suas entranhas. Para ele amar e querer eram indissociáveis, um embate épico entre presença e ausência que ele racionalmente não conseguia explicar. Durante alguns dias ele buscou por respostas capazes de aliviar sua desventura e por um fim a agonia que lhe gangrenava a alma. Mas as respostas eram etéreas e se esvaiam como fumaça toda vez que ele se aproximava de uma possibilidade. Com isso as caminhadas se tornaram freqüentes, pois dessa forma poderia pensar e o bombear do sangue poderia trazer, quem sabe, aquela boa nova tão esperada. Cabisbaixo e absorto nesses pensamentos que por alguma razão não lhe trazia nada mais que outros... e outro... e mais outros... Eis que de súbito um esbarrão tirou Jhony desse estado de “inércia mental”, fazendo-o cair e receber por cima a jovem que o atingira)

- Ai!

- Desculpe, é que estou atrasada.

- E não poderia olhar por onde anda?

- Olha só quem fala. Você não me parecia um dos mais atentos andando na rua desse jeito abaixado. Perdeu alguma coisa? Meu nome é Ana Paula.

(Ajudando-o a levantar)

- Tudo bem. Eu me chamo Jhony. Pra onde você vai com tanta pressa?

- Me matricular no curso de dança.

- Curso de dança?

- Isso mesmo. Dança de salão. Tchauzinho e me desculpe mais uma vez.

- Sem problemas.

(Segue seu caminho calmamente, mãos nos bolsos, olhar na linha do horizonte, seus olhos brilham)

- Garota maluca... me jogar no chão daquele jeito...

(Durante a noite Jhony não consegue dormir. Deitado na cama um só pensamento rondava sua mente. “Me matricular no curso de dança”)

- Porque estou pensando nisso? Tento mudar o foco, mas a imagem do acontecido mais cedo sempre me vem à cabeça... e um close naquela boca me dizendo: “Me matricular no curso de dança”.

(Balança apressadamente a cabeça como um bezerro que pretende espantar as mosca que o incomodam. Varias horas depois adormece, enquanto os primeiros raios de sol rompem o horizonte. Alguns dias se passam e suas atividades são intensas e ele não pensa mais no assunto)

- Preciso trabalhar...

(Pega uma tela põe no cavalete, separa alguns pincéis, mistura as tintas... Liga o som. No rádio está tocando RITMO DA CHUVA)

- Vou fazer aquela paisagem surreal...

(Começa a desenhar o esboço. Uma árvore, um caminho e uma pessoa. Três horas depois a obra está pronta. Mas para sua surpresa não se parece com paisagem é a figura de uma moça. Ele a contempla impressionando)

- Nossa acho que minha paisagem vai ter que esperar! Essa garota... é como se eu já à conhecesse de algum lugar. Mas... de onde?

(Começa a tirar a roupa, joga em um cesto, enfia-se debaixo do chuveiro, a água escorre pelo seu corpo e vai levando e com ela seus pensamentos pelo ralo. O telefone toca impacientemente)

Triiiiiiiimmmmmmmmmmmmm, trrrrrrrrrrrriiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmm

- Alô! Erika... desculpe não vai dar... hoje não... preciso terminar um trabalho. Te vejo amanhã. Xau.

(Veste-se, pensando ainda na figura do quadro... almoça, ainda tentando descobrir... deita-se na rede da varanda e começa a se balançar até que de repente num estalo ele se lembra)

- É ela! Como pude esquecer? (Contempla o quadro mais de perto) Tenho certeza é ela. Há há há há.

(Se arruma e sai apressadamente trancando a porta)

Continua...