A CARTA

“Meu amor, minha vida... se você estiver lendo esta carta é porque não estaremos mais juntos. Por favor, não chore, não se desespere e nem tome nenhuma atitude precipitada. Saiba que ao seu lado eu fui feliz, gozei de momentos que carregarei comigo para sempre em meu coração. Minha atitude foi uma escolha difícil, porém de coração... e tudo, tudo que eu fiz para você foi com amor, desde o primeiro dia que nos vimos, foi como se surgisse o sol no céu azul depois de uma densa tempestade. Você foi minha luz salvadora e seu brilho invadiu meu quarto e meu coração”.

Com amor

Junior Silva

Assim terminava a carta, lágrimas rolaram pelo rosto de Simone como perolas, sobre o veludo alvo e macio. Os olhos vermelhos, o coração machucado. Haviam furtado um pedaço de sua existência. A vida acabara naquele momento. Nunca passou em sua cabeça a possibilidade de tal fato, que a separação fosse possível.

- Tudo aconteceu tão rápido, foi tão lindo... foi tão gostoso. Junior Silva não era bonito, era um tanto quanto “exótico” e interessante. Alto, moreno, feições quadradas e másculas. Tinha atitude, possuía o dom da espontaneidade, sua voz era firme e suave ao mesmo tempo, seus olhos possuíam o poder de escanear a alma e adivinhar o pensamento. Imprevisível, criativo e engraçado. Estar com ele era a melhor coisa do mundo. De alguma forma conseguia me tocar de uma forma única, disparar todos os meus interruptores, acender todas as luzes... preencher o imenso vazio da minha existência.

Mas como tudo começou, terminou. E ela, Simone, aquela que transformava todos os homens em zumbis, escravos por minutos de sua atenção, nem fosse para mandá-los executar tarefas. Que recebia favores de todos e não dava esperanças a ninguém... que humilhava alguns, dispensava outros e na pior das hipóteses desprezava a maioria dos pretendentes, nem o som da sua voz o dito cujo tinha o prazer de ouvir. Ela não se conformava, precisava vê-lo, ouvir de sua boca que aquilo não era verdade, que alguém lhe pregara uma peça, talvez algum dos muitos desafetos que a odiavam do fundo do coração.

- Junior! Ei! Posso falar com você?

- O que foi?

- Como assim o que foi? Pode me explicar o que significa isto? (mostrando a carta).

- É uma carta. (categórico)

- Oh não me diga (com cinismo)

- Então não pergunte...

- Falo do conteúdo, quero dizer isso é brincadeira não é?

- Não. Tudo que está aí é a mais pura verdade.

- Mas como assim, a gente se ama não é, e os nossos planos, e os nossos sonhos?

- Foram lindos... “Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure”.

- Ah é e enquanto a parte que diz “De tudo, ao meu amor serei atento. Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto. Que mesmo em face do maior encanto. Dele se encante mais meu pensamento...”.

- Está tudo lá... é o inicio, o fim e o meio.

- O que é que Raul seixas tem haver com isso? E não me venha com Vinicius de Moraes está bem? Não me diga que foi eterno enquanto durou, ou que a chama já se apagou, ou qualquer outra coisa desse tipo. Estou falando de sentimento humano, de apego, de felicidade, tristeza, dos planos pro futuro, de tudo que fazíamos e queríamos construir juntos.

- “Tristeza não tem fim... felicidade sim...”

- Se você falar de Vinicius de novo, não respondo por mim...

- Está bem se é assim que você quer, vamos falar de vida real. Foi lindo, gostoso, confesso que cheguei ao clímax diversas vezes, e você foi maravilhosa em todas elas, que foi mesmo além de todas as minhas expectativas e que esta vida fosse meu objetivo, o casamento seria a melhor opção. Mas não posso.

- Não pode o quê?

- Me prender a ninguém, amo as mulheres, realmente amo de paixão, mas amo muito mais minha liberdade, o poder do livre arbítrio dado por Deus e de que não poderia me separar... não estou preparado pra isso e nem sei se algum dia estarei.

- E tudo termina assim?

- Assim mesmo. Como em um circulo o fim é o começo e o começo o fim.

- E os meus sentimentos?

- E os sentimentos de todos aqueles que você deixou a margem de sua vida?

- Mas nesse caso é diferente?

- Quando é com a gente é sempre diferente.

- Isso eu não posso aceitar, não é coisa que se faça.

- Você tem dois pesos duas medidas. Eu tenho apenas um.

Junior vira de costas e vai embora. Simone fica perplexa, paralisada como se acreditasse de imediato. Sem ação e sem esperanças olha-o vidrada e sussurra:

- Eu sou Simone e logo, logo, você saberá o que isso significa.