Remorso de um infeliz

Lembro-me da luz, uma claridade intensa se aproximando em uma velocidade assustadora e de repente, a escuridão, seguida de sons agudos de sirenes. Como uma terrível maldição, é a única coisa que me recordo daquele fatídico dia.

Soube através de fotos e de amigos que dançamos muito naquela noite, como um novo casal de namorados, ansiosos em ser um do outro.

Vejo agora uma foto tirada naquela noite, você estava deslumbrante, radiante, encostada em meu rosto exibe um sorriso que expressa um sentimento de felicidade, contrastando um pouco comigo, manifestamente e inexplicavelmente, tenso.

Dois anos se passaram, o tempo flui em um ritmo vagaroso e agora posso constatar que o que mais me incomoda é o fato de que o funesto clarão me impossibilitou de dizer a você o quanto eu a amava, o quanto você era importante em minha vida. Não sei ao certo se você tinha total conhecimento disso e essa dúvida persiste e aterroriza todos os meus dias.

Lágrimas brotam em meu rosto, isso é comum, estou aprendendo a conviver com elas. Olho pela janela e vejo um casal de idosos no banco da praça, será que eles têm percepção da sorte que tiveram em razão da fugacidade da vida?

Acho que não. As pessoas não se importam, vivem o presente sem levar em consideração que o tempo de convivência com o ser amado é uma dádiva e uma verdadeira incógnita.

Agora tenho vontade de gritar bem alto, prevenir a todos sobre o risco que correm, avisar para que digam o que sentem, para viverem intensamente cada momento, pois ele poderá ser o último, e, se for, ao menos era sabido e tudo de importante foi dito, não ficando guardado secretamente sentimentos em um pobre coração solitário e infeliz.

Observo novamente o parque pela janela, o sol se põe, a umidade aumenta e o vento cortante sinaliza que a chuva está próxima, nesse momento vejo aquele mesmo casal de idosos, indo embora abraçados e trocando pequenos sorrisos nos lábios, olhando ambos para o céu à procura da chuva.

Que Deus os proteja. Que venham as lágrimas...