O ENTERRO

O ENTERRO

No passado não muito distante os enterros em Campos eram como eventos sociais de máximo prestígio. As pessoas mesmo com nada relacionado com o morto costumeiramente frequentavam os funerais. Quando o carro de som anunciava o falecimento de alguém logo as pessoas apareciam para dar os votos, fazerem perguntas, e conversarem umas com as outras. Houve ocasião em que juntou multidão e comoveu muito a cidade.

A despedida de Abelardo foi não muito diferente dos enterros normais de Campos. O corpo não foi para Aracaju e cedo já estava na sala da casa de dona Quitéria sua esposa e viúva. As pessoas começaram a chegar às três da tarde; às cinco já havia um bom ajuntamento de pessoas. A conversa já era grande; todo mundo queria saber como foi a morte de Abelardo:

- Rapaz, disseram-me que ele se matou com malagão.

- E foi mulher! Coitado! Tão novo! Um senhor da cara larga e bigode grosso se intromete:

- Foi nada! Abelardo estava cheio de vida. Ainda ontem ele me falou que ia vender o terreno que ele tem no Peba, Ele queria trocar de carro.

- Pois, olha moço me disseram que foi suicídio, repara! Já outro grupo discutia sobre a safadeza de Abelardo. Eles comentavam que o homem tinha duas mulheres. Uma, a oficial, mora na praça da igreja matriz, e a outra na Bela Vista. A da Bela Vista dizia que ele era um bom homem e que ele amava os filhos que teve com ela. A da Praça da Matriz Dizia que Abelardo só tinha dois defeitos: Fumar e raparigar. O médico que o atendeu em casa disse que ele morreu do fumo: “O homem fumava que nem uma caipora”.

O problema foi o lugar para fazer o velório. Uma mulher alegava que ele tinha de ficar na casa da mulher do casal, a outra também queria fazer em sua casa. A briga durou algumas horas até convencer que o finado encontraria a segunda mulher na Matriz. O enterro teria que dar a volta na Sete de Junho passar pela matriz e seguir para o campo santo.

É sabido que as funerárias tampam todos os orifícios do cadáver para evitar gases e vazamentos de fluidos corporais. Parece que não fizeram um bom serviço com Abelardo. Pois, durante o velório Abelardo soltou muitos gases, contudo nenhum igual ao último:

- Eita! Está podre! Disse seu Gustavo, um vendedor de pipoca.

- É o esgoto. Defunto não peida não.

- Não, senhora! Defunto peida! Se não tapar os buracos; tanto ele peida como vaza.

- E é moço? Eu não sabia não. A pessoas com as mãos no nariz queriam se aproximar da porta para ter um pouco de ar puro. O padre Souto prendeu a respiração o que pôde. Depois soltou o ar dizendo: “Graças a Deus”.

O enterro foi marcado para seis da tarde. Às cinco, muita gente estava dentro e fora da casa oficial de Abelardo. Para surpresa de todos o defunto mexeu a perna e a cabeça ao mesmo tempo e isso provocou um alvoroço no povo. Era gente alvoraçada falando: “Ele está vivo”.

Com o ocorrido com Abelardo, o povo se alvoroçou e começou a falar alto e discutir sobre o peido. A viúva chorava e reclamava das pessoas. O pároco pediu licença ao povo para explicar sobre gases em defuntos: “O rapaz está morto. Mas, é o preciso saber que eles soltam gases e tem movimentos reflexos”. Com isso as pessoas se aquietaram.

Mas, ficaram tão quietos que o povo cochichava; dava para ouvir uma agulha cair no chão. Uma moça com uma bandeja de café é abordada por um rapaz que não conhecia o finado:

- Você conhece o finado? Tipo, como ele tratava as pessoas.

- Seu Aberlado tratava todo mundo bem. Ele era um bom homem. Era também um bom pai e um bom marido.

- É, infelizmente não está mais neste mundo. Disse o rapaz com ar de pesar. Os dois jovens cochicharam sobre muitas coisas. Dalva, a menina do café sempre falava bem do finado, e Abel, o intruso, tentava ver alguma coisa para falar. No final eles se despediram e o rapaz foi se juntar a uns amigos.

Um grupo de pessoas que estava do lado de fora da casa conversava sobre política:

- A direita perdeu o presidente, mas, estamos mais fortes. Elegemos vários deputados e senadores. Disse Tomé o irmão de Pedro.

- Mas, não conseguiram derrotar Lula. O homem é um verdadeiro estadista.

- O Mito vai voltar meu amigo. A nossa luta não terminou. O grupo falava alto e perturbava o velório. Em meio as opiniões afloradas, surge um bêbado no velório. Este inspirado pelo calor etílico se mete a falar também: “Todo político é ladrão não vejo um honesto”. Já outro rapaz, externa sua opinião dando o exemplo de seu político: “Pois, Juarez da olaria é um homem honesto”. “Que honesto! Aquela praga é um filho do pela”. Desabafou Toninho da lanchonete. O bêbado perturbou até o final do velório. Ora cantava, ora falava em política.

O céu em Campos, às seis horas, fechou e a chuva era eminente. O povo que estava fora entrou na casa e aí a coisa pegou porque não cabia tanta gente dentro de casa. A chuva castigou o povo por 10 minutos e o enterro ficou suspenso por mais um pouco. A chuva começou a cair bem mansinha. Era aquela cujos pingos parecem bem finos depois ela foi crescendo. À proporção que a chuva crescia o povo se apertava no hall da casa de Abelardo:

- Aí! Você pisou no meu pé. Disse Dona Baixinha do Cambotá.

- Desculpe foi sem querer. Respondeu um moço alto e magro. As pessoas reclamavam do calor, das pisadas nos pés, do aperto. O povo foi se encostando no caixão, com o aperto do lugar e sem querer derrubaram o caixão com Abelardo e tudo. O coitado ficou com a cara no chão.

- Chega levanta o homem! Gritou o marchante Francisco. “O Homem é gente boa”. Outro alvoroço foi iniciado. Uns queriam levantar o caixão com o corpo e tudo. Outros queriam arrumar tudo de novo. O defunto solta outro pum. Este foi de matar como comentou Marcílio da padaria. O temporal passou e as coisas foram voltando ao normal.

Nos funerais de Campos tem três costumes quanto ao encerramento do velório. O primeiro uma pessoa, um, padre ou um pastor ou qualquer pessoa da família dá uma palavra, uma pequena mensagem. Isto pode ser feito em casa, na igreja ou no cemitério. No caso de Abelardo decidiram que o professor Rosenthal desse uma palavra: “O livro sagrado nos ensina que a vida é um dom de Deus. É preciso que o homem viva bem. Viva em todos os múltiplos sentidos que a vida proporciona. O homem, ser que é a imagem de seu criador, está no mundo para ter sonhos e lutar por eles. Graças a Deus que nosso Abelardo sonhou e viveu plenamente. Lutou, estudou, casou-se, teve filhos e hoje está se despedindo de tudo isso para gozar na eternidade a vida de espírito. Saibam todos que agora Abelardo é um espírito desencarnado e vai gozar de tudo que plantou. Que a família seja consolada com a graça de Deus. Após as palavras do mestre professor Rosenthal o esquife sobe a avenida saindo da praça da matriz. Durante o percurso o féretro é saudado pela população que em pé nas calçadas saudava o cidadão campense. Um grupo de jovens da igreja Matriz segue o cortejo cantando Ave Maria. Logo atrás do caixão estavam a esposa, filhos, netos. O choro era muito no cortejo de cem metros de comprimento. No final da fila estavam os bêbados que aproveitaram e passaram a noite bebendo. O cortejo passa pela capelinha da Sete de Junho e o sino da mesma toca três vezes. O cortejo para para mais uma Ave Maria defronte a capela mais antiga de Campos. Nesse momento o caixão se mexe com violência. As pessoas se assustam. Telma uma beata antiga de Campos grita bem alto: “Milagre Abelardo ressuscitou”. O povo abre a tampa do caixão e o homem estava assustado sem saber onde se encontrava. O corre-corre é grande. Algumas pessoas são pisadas e feridas. Abelardo desce do caixão e abraça os seus...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 11/03/2024
Código do texto: T8017485
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