Feiticeiro Azul

- Minha mãe diz que ele é louco - Disse Victor, vulgo Vitinho, um dos garotos que costumavam descer a rua Manoel Afonso na volta do escola. Com ele, dois de seus melhores(e únicos) amigos, conversando sobre uma figura estranha e um tanto folclórica do bairro, o chamado "Feiticeiro Azul".

A parte do feiticeiro é fácil de perceber, porque segundo alguns moradores do bairro ele é praticante de magia negra, e outros até contratavam o seu serviço.

O azul refere-se ao hábito de usar um roupão azul com capuz para fazer suas "feitiçarias".

- A pois, vóinha disse que uma conhecida dela já viu ele fazendo feitiçaria! - afirmou Pedro.

- Que tipo de feitiçaria? - Questionou Bruninho.

- Parece que foi para seu Tadeu. Ele gosta. De ouvir música alta, o Feiticeiro reclamava...os dois sempre se estranharam. Um dia desses eles brigaram, seu Tadeu socou a cara dele...uma semana depois sofreu um acidente de carro!

Vitinho pareceu impressionado. - Isso foi por causa feitiçaria? - Vóinha acha que sim. - Respondeu Pedro a Vitinho, e continuou: E parece que ele atende pedidos de algumas pessoas. A Tati que mora da rua de trás da minha, amarrou o Diego, e voltaram a namorar.

- Nossa - Falou ainda mais impressionado o Vitinho. - Por que não fala com ele, Bruninho? Talvez dê um jeito no Dodô amanhã!

Dodô era um garoto mais velho, da "sala dos repetentes". Tinha esse nome por ser onde as crianças mais velha e "problemas " do sexto ano iam parar. Conhecido por não ser o tipo que você vai querer como inimigo na escola. O tipo de que você gostaria de ficar longe. Se ele zombar com sua cara, é melhor fingir que não ouviu, ignorar ou rir junto. Costuma preservar a integridade física. principalmente se for um garoto menor e mais franzino e sem nenhuma noção de defesa pessoal, que é o caso de Bruno, que responde por Bruninho também.

E como Bruninho acabou nessa situação? Um acidente. Um acidente de amor juvenil. Esse acidente podemos chamar de Sara. Sara era alvo do desejo de muitos de seus colegas. Um que estava muito interessado nela era Dodô, e nas últimas semanas tinham se tornado muito próximos um do outro. Alguns já diziam que estavam "ficando". Para Dodô ela já era sua namorada. Mas parece que essa informação não chegou a Bruninho, ou ele não se importou. Algum fofoqueiro deu de cara com Sara e Bruno se "devorando" por trás da escola no intervalo - pelo menos assim que foi relatado- e em poucos minutos toda escola já estava sabendo.

Dodô foi tirar satisfação com eles, Sara tentou conte-lo. No meio da confusão, o sangue de Bruninho esquentou e por um impulso seja de coragem ou extrema burrice, resolveu provocar a onça com vara curta, e encarou o garoto mais velho. Em alto e bom som disse para que toda escola pudesse ouvir: "sai daí, cornodô".

A plateia em volta, assistindo toda essa comoção ficou incrédula com que ouviu. De imediato risos e comentários de zombaria pipocaram no pátio da escola - o "palco" de todo esse evento - e todos sabiam o que está por vir ali: briga. "Cornodô" tratava-se de uma ferida antiga do garoto mais velho, um apelido dado por antigo rival, que pagou o preço por ter deixado essa marca.

Dodô o empurrou em surto de raiva. Quis resolver ali, mas foi contido por professores e funcionários do colégio e levado a diretoria, o que preservou a saúde física de nosso ousado Don juan. mas não sem antes fazer um juramento:

"amanhã, antes de aula começa, vou esperar você na porta da escola, e vou te pegar!".

O que nos leva de volta ao diálogo:

- Falar!? - Protestou Bruninho - E se ele fizer uma macumba em mim ou sei lá?

- Não vai! - Avisou Pedro - Ele só vai te fazer mal, se fizer a ele primeiro!

- Então bora lá comigo, vocês dois - Sugeriu Bruninho.

- Não dá! Minha vó falou que ele só atende se for sozinho! - Mentiu Pedro, na verdade não sabia disso, mas também não queria encarar o Feiticeiro Azul.

- É isso ou apanhar do Dodô - Acrescentou Vitinho - Pede para o Feiticeiro desaparecer com ele, ou te dar superpoderes, sei lá, se ele realmente tem poderes ele consegue... - completou.

- Posso só faltar amanhã - Exclamou Bruninho como se esperasse alguma aprovação.

- Pode ser, mas uma hora vai ter que aparecer na escola...- Disse Pedro

- E soube que Dodô não esquece! Quando ele vai pegar alguém, só descansa quando pega! - ressaltou Vitinho. Pedro concordou com a cabeça.

- Tá! Vou pensar no que faço! - Disse com um pouco de nervosismo Bruninho, encerrando o assunto.

Ansiedade e o medo dominavam o garoto, que teria de enfrentar o valentão no dia seguinte. Ele ouviu histórias do que Dodô fez com outros que resolveram puxar briga com ele. "Por que fui falar aquilo?" Se lamentava o jovem rapaz. Resolveu perguntar sua mãe sobre o tal Feiticeiro, ela questionou a razão da curiosidade, mas Bruninho disse apenas que ficou curioso porque era um assunto recorrente da sua classe.

Sua mãe compartilhava da mesma opinião de Dona Lúcia, mãe de Vitinho. "É só um doido, meu filho." foram sua palavras. Bruno falou dos casos relatados por Pedro; sua mãe deu de ombros. "São só coincidências. Esse povo é muito supersticioso" disse ela, dando o tema por finalizado.

Mais tarde, naquele mesmo dia, quando ia dormir, da janela de seu quarto ele viu: uma figura toda azul e mítica, marchando na rua com um objeto que parecia ser um cajado.

Até aquele momento Bruninho nunca tinha realmente visto o tão comentado Feiticeiro, só escutado relatos. E o ver ali, passeando calmamente por frente de sua janela, mexeu com sua imaginação.

Refletiu antes de pregar os olhos. Amanhã teria que lidar com as consequências de suas palavras, bater de frente com o que até onde se tem conhecimento, é o maior valentão de sua escola; o que fazer? Pensou mais uma vez em fugir, simplesmente não ir a aula.

Mas não queria para si ser chamado de bunda mole, ou covarde. E mesmo que isso não o incomodasse, uma teria que pisar no colégio, e Dodô lá estaria esperando.

Desejou ser forte, forte o suficiente para poder se defender do garoto mais velho; além de salvar sua pele, ainda ganharia certa moral. "O cara que bateu no Dodô ". Uma ideia muito sedutora, fruto da imaginação do jovem muito bem nutrido da influência das artes gráficas nipônicas.

Com todo esse turbilhão inquietando sua mente, adormeceu.

Dia seguinte veio. E o garoto decidiu não fugir. Sabia que certamente não poderia lutar, sabia que levaria a pior. Não conseguiu ver outra opção: Tinha de recorrer ao feiticeiro. Ele já causou um acidente, já amarrou um namorado, poderia resolver isso também. Poderia despertar nele uma força adormecida, acreditou o jovem. E antes de encarar seu grande embate na escola, fez seu caminho até lar do mítico Feiticeiro Azul.

E lá, em frente a residência desse estranho arcano, reuniu toda coragem que pôde, e apertou a campainha. Ouviu a porta destravando. O garoto ficou imóvel. "Entre!" Ordenava uma voz do interior da morada. Com medo e o corpo aos tremeliques, entrou o garoto.

A casa aparentemente normal: era murada em sua entrada, e depois do portão havia uma pequena área com uma cadeira de balanço onde uma senhora, mas bem senhora, sentava e contemplava o nada.

O garoto ficou estático, encarando, assustado ao vê-la. Novamente a voz chamou-o para dentro.

E ele foi.

Na sala, um sofá vermelho na parede que tinha em sua frente um altar, onde na maioria das casas ficaria uma televisão. Vários objetos espelhados por ela, e símbolos estranhos na parede. No centro da sala, um grande circulo, com escritos que o garoto não conhecia.

- O que você quer? - Disse o homem de azul,que surgia de outro cômodo. Bruno assustou-se quando viu, concentrado em gravar os detalhes da sala para repassar a Victor e Pedro mais tarde. Também se impressionou com aparência do tal Feiticeiro. Era um homem bem comum.

- Você parece assustado - Falou o homem - Não se preocupe, não vou te fazer mal algum.

- V-você é o f-feiticeiro azul? - Perguntou gaguejando e com dificuldade.

- Esse é um jeito pejorativo que me nomeiam - Respondeu - Mas sim, sou eu. Precisa de algum "feitiço" meu, garoto?

- Sim... - Respondeu Bruninho, um pouco sem jeito.

- Não trabalho de graça...

Bruninho guardava cada centavo que conseguia, e já vinha a meses fazendo. Naquele dia, juntou toda suas economias para contratar o serviço do Feiticeiro, a incrível quantia de dez reais em moedas. Entregou tudo ao homem.

- Tudo que tenho - disse o menino.

O Feiticeiro pegou o dinheiro, o olhou meio sem expressão, contou e por fim, perguntou:

- Do que precisa, menino?

- Eu quero ficar forte!

- Forte?

- Sim! Tem um menino, Dodô, ele quer me bater, quero ficar mais forte que ele para bate... não, é...para me defender dele! - Respondeu Bruninho, com alguma convicção.

- Entendi. Certo... Vá para o centro desse círculo. - Ordenou o Feiticeiro, e assim Bruninho fez.

O Feiticeiro caminhou ao redor do círculo falando palavras irreconhecíveis aos jovens ouvidos de Bruninho. Ele deu 3 voltas no círculo. Quando completou a última, pegou um pedaço de madeira, com uma ponta em forma de esfera. Era algo como um Cajado. E com esse cajado tocou a teste de Bruninho. Ele sentiu um grande arrepio.

- Pronto. - Disse o Feiticeiro. - Meu trabalho está feito.

- Então tô forte? - Perguntou o garoto, duvidando. - não sinto nada diferente...

- Garoto!!! - Disse com firmeza o Feiticeiro - Não conhece as forças escondidas desse mundo, mas acredite; meu trabalho com você já está feito. Logo os efeitos vão surgir!

- Sério? - Falou o menino esperançoso.

- Sim. Agora vá, pegue o beco.

E ele foi, saindo da casa do Feiticeiro, cheio de confiança.

Bruninho foi correndo em direção ao colégio, e não demorou para que percebesse diferença, ao que ele creditava ser os efeitos do feitiço. Sentia-se mais leve, mais rápido. Parou em frente a uma casa em construção, e deu soco em de seus muros menos recentes. Não sentiu dor, e podia jurar que aquela parede rachou.

Mais confiante do que nunca, seguiu seu caminho até a escola. E lá na frente estava ele: Dodô. O portões dao colégio encontravam-se ainda fechados, mas muitos alunos já estavam por lá, o que era incomum por aquele horário; queriam ver o desfecho da briga.

- Não tem diretor ou professor para me segurar agora - Vociferou o desafiante - quero ver sua coragem, me chama de cornodô de novo!

- eu te mostro minha coragem, Cornodô! - Atiçou Bruninho, com peito estufado, exalando confiança.

A plateia foi a loucura, a rodinha se fechou, e os gritos de "Briga! Briga! Briga!" Começaram a ecoar pelos portões da escola. Os olhos de Dodô foram tomados por fúria ao ser novamente humilhado por aquela pequena pessoa.

Monetizando a forma típica de "brigão", Dodô caminhou até ele de peito estudado, olhando nos olhos, tentando encostar ombro no ombro, com a intenção de intimidar seu rival. No entanto, Bruninho não se intimidou nem um pouco. Pelo contrário; quando viu Dodô se aproximar apenas de peito aberto, sem defesa, não hesitou: conseguiu colocar um soco - que foi dado de qualquer jeito, e sem técnica - bem no rosto dele.

Os gritos ficaram ainda mais altos, o público se inflamava, assim como Dodô. Que recuou um pouco depois do golpe, mas no momento seguinte não se segurou, e partiu para cima de cima de Bruninho, acertando um golpe bem no nariz do pequeno rapaz, seguido por um segundo soco bem na lateral do queixo, o que levou o garoto ao chão. Sentou-se em cima do caído rapaz, e disparou mais um tanto de golpes.

E lá, caído, recebendo essa saraivada de murros, sem nem conseguir reagir direito; apenas uma coisa passou pela cabeça do pobre Bruninho:

" Então ele era só um doido mesmo..."

LuizVieira
Enviado por LuizVieira em 03/05/2023
Reeditado em 03/05/2023
Código do texto: T7778903
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