O "jogador"

R. Santana

 

          O jogo de azar naquela época era liberado. O “Bar de Pedro” tinha duas mesas de sinuca, duas mesas de dominó e uma mesa retangular de jogo de baralho de 1,5 m X 3,5m, que acomodava todos os jogadores em pé, somente tio Pedro, dono do bar, que tinha o privilegio de sentar em seu banco alto para cobrar o cacife. Não pense que não havia dinheiro, pela manhã o resultado do cacife era de milhares de “Cruzeiro”. Nessa época surgiu um indivíduo da família Gusmão de Vitória da Conquista e Minas Gerais. Ele não era experto, perdia mais do que ganhava, mas pela persistência e estilo, o chamávamos de “Jogador” ou Gusmão.

          Ele chegava ao início da noite e saía no outro dia ao sol nascido. Sempre de paletó e gravata, camisa de manga comprida, sapato preto lustrado, ainda moço, branco, cabelos pretos e média estatura, porém, chamava a atenção de todos por pertencer à abastada família Gusmão de Vitória da Conquista. Não o conhecíamos pelo prenome, mas, pelo nome de família.

          A clientela era de média classe social. A maioria era de profissionais liberais, artesãos, pequenos agricultores, burareiros, comerciantes, pequenos pecuaristas, pessoas com recursos financeiros, porém, alguns eram aventureiros, eles não tinham recursos, entravam no jogo protegidos por alguém na condição de dividir o produto do jogo.

          Alguns jogadores tinham apelidos suis generis: Zé Urubu, Dendê, Lubião, Jegue Preto, Crente, Tamborete de Puta, Dico Soldado, Lopeu, Dedé, Zuza, Murcha Venta e Zoinho. Havia muito mais apelidos que se perderam no tempo, uma coisa era certa: quem não tinha apelido, apelido lhe era dado. Não era uma irmandade, nem um clube social, mas era um por todos e todos por um. Não frequentavam regularmente, mas, 1/3 de mais ou menos clientes de 100 eram fiéis. Chovesse granizo, eles estavam lá no “Bar de Pedro”, em pé ao redor da mesa e os bolsos cheios de fichas.

          O jogo de baralho mais usado era o 21 ou blacjack, é um jogo mais fácil e mais rápido. O 21 pode ser jogado até 12 pessoas de vez. Para Gusmão, seu jogo preferido era o pôquer. Ele deixava a mesa de 21 e tinha seus amigos de pôquer, na casa do sem jeito, ele voltava para turma do jogo 21. As más línguas diziam que Gusmão era um pixote no 21 e um experto no jogo de pôquer.

          Os jogadores eram solidários nos ganhos e nas percas. Lembro-me de um fato hilário que ocorreu no jogo do “Bar de Pedro”, dois jogadores inesquecíveis: "Crente" ou o “Gordo” e o negro Lubião, um pobre diabo. “Crente” que não era crente, ele era filho de Ranulfo da riquíssima família Nunes, do deputado estadual Paulo Nunes, O “Gordo” era a “ovelha negra” da família, jogador inveterado, gostava de vinho e cerveja e jogo de bilhar, sinuca e jogo de cartas, amanhecia o dia na mesa de baralho, além de gozar com os jogadores perdedores. O negro Lubião era um trabalhador rural, o dinheirinho que recebia do patrão vinha pra mesa de jogo, às vezes ganhava, mas, a maioria perdia. Quando ficava de bolsos limpos, começava peruar. Naquele dia, “Crente” começou gozar de Lubião que tinha perdido todos os tostõezinhos, inclusive, lhe ofereceu Cr$ 50,00 (cinquenta cruzeiros), para que, ele comesse uma barata com cachaça, não é que o infeliz aceitou! Degustou a barata com aza e tudo, empurrada com ½ garrafa de cachaça “Pitu”.

          Naquele dia, foi o dia de Gusmão, chegou cedo à banca de jogo, pediu uma média de café com leite e dois pães de forno com manteiga. Ficou papeando até às 22 horas, quando finalmente começou jogar, nas cinco primeiras partidas, pensou “que não era o seu dia”, porém, já de madrugada, já na hora de ir embora, apostou todas as fichas, a maioria absoluta estourou no 21, quando chegou sua vez, com um 9 de copas, um 9 e um 2 de ouros e quando cavou, veio-lhe à sorte grande, um ás de ouro, naquele dia, ele sorriu e foi embora com Cr$ 5000,00 (cinco mil cruzeiros) no bolso.

          O “Jogador” era uma pessoa simpática, amigo, bom de coração, ele socorria aos viciados com empréstimos, dando-lhes comida e bebida. Porém, começou fazer dívida de jogo e aos devedores, ele lhes passava cheques pré-datados, com a promessa de acionar sua mãe em Vitória da Conquista pra ressarcimento desses cheques. As dívidas se acumularam, os cheque não foram compensados, ele foi enquadrado como crime de “171” e preso, sua família não demorou de vir, pagou suas dívidas, o tirou da cadeia e o levou pra Vitória da Conquista.

          O viciado em jogo de azar não tem limite, ele joga o que tem e o que ainda vai conseguir. O viciado é portador de problemas emocionais aí se refugia naquilo que lhe dá prazer: o jogo de azar. O conceito válido para o dependente químico que pra sustentar seu vício, ele usa meios escusos. Por isto, recomenda-se aos pais que não estimulem seus filhos pré-adolescentes e adolescentes jogarem baralho ou outro jogo de azar, mesmo de brincadeira, pois começam brincar, depois, o hábito de pequenas apostas e grandes apostas.

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

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