Gilberto e Glaubério - Dois Malucos na Caserna

Eram inseparáveis. Possuíam em comum a vaidade de grandes generais, embora apenas sargentos, e a vocação para se iludirem em sonhos exageradamente imaginativos e autoconvincentes.

Vangloriavam-se diuturnamente em tudo o que faziam, fossem coisas sérias ou banais.

Certa vez, encontravam-se no centro de um hangar no mais compenetrado diálogo. Ao longe, um incauto poderia imaginar que ali se travavam conversas profundas e admiráveis, dada a seriedade e o afinco com que argumentavam, apontavam para o alto, parecendo até que faziam cálculos complexos na demonstração de algo muito importante.

Curiosos que os observavam decidiram enviar passeantes ao redor dos mesmos, para de modo disfarçado colherem detalhes de tão profunda discussão.

- Gilberto, quantos mililitros tem uma ejaculação?

- Glaubério, acho que uns 5 ml.

- Gilberto, acha que nós ejaculamos o suficiente para encher esse hangar?

- Glaubério, acho que falta pouco. Pense bem, quantas você pegou essa semana? Eu já peguei umas dez. Duas em cada. São 100ml só eu nessa semana. Multiplique isso por 52 que já podemos imaginar quantos por ano.

Apontavam para as paredes do hangar, calculavam com o semblante sério o quanto de volume dava e o quanto deveriam se empenhar para alcançar aquela meta.

Enfim, concluíam: - Nós somos fodas, Gilberto! – Sim, Glaubério, nós somos fodas!

Além de companheiros de aventuras sexuais, diziam-se parceiros invencíveis de vôlei de praia. Cariocas cheios de orgulho de suas origens, reverberavam aos quatro ventos as incontáveis supostas vitórias em torneios e campeonatos, sempre com grande humilhação dos adversários, reduzidos a meras vítimas atropeladas pelos talentos indescritíveis da melhor dupla de vôlei da história.

- Glaubério, que jogada linda foi aquela! Os caras estão até hoje procurando a bola! Arrebentamos com eles. Não tem pra ninguém. Nós somos fodas!

- Gilberto, quando a nossa dupla chega, as minas já começam a se molhar! A gente ganha dos caras e depois ainda come as minas deles! Porra! Nós somos fodas!

O exagero das estimas saltava aos olhos até dos mais distraídos, e não se importavam com as inconveniências que pudessem impelir aos outros. Para eles, era uma espécie de dádiva aos demais poderem usufruir da sua convivência.

Morando na caserna, certa vez causaram enorme desconforto num outro que teve a infelicidade de compartilhar com eles o mesmo alojamento.

Havia três camas, nas quais ficavam Gilberto na primeira e o Glaubério na da outra ponta, sendo que na cama do meio tentava sobreviver o Rogério.

Egocêntricos que eram, gostavam de andar pelados no alojamento exibindo seus corpos que criam ser o objeto dos sonhos de todas as mulheres da face da terra.

O pobre do Rogério lutava todas as noites para conseguir dormir de barriga para cima, pois de um lado o Gilberto, completamente nu, conversava até de madrugada com o Glaubério, também nu do outro lado, sempre sobre suas histórias mirabolantes de verdade duvidosa.

Certo dia, Rogério propôs que trocassem de cama e ficassem um ao lado do outro, pois ficar no meio dos dois não dava. Não trocaram. O jeito foi o Rogério pedir para trocar de quarto.

Outra mania excêntrica era cultivada pelo Glaubério, que tinha o hábito de consultar palavras difíceis no dicionário e as decorar para provar o conhecimento dos outros.

Assim, ao chegar num grupo de pessoas, de forma absolutamente descontextualizada, lançava suas perguntas:

- Alguém aqui sabe o que significa arqueópterix? E arquétipo, alguém sabe? Nem anseriforme vocês sabem?

Sob os olhos pasmos dos demais, congratulava-se com seu imenso saber imaginário, sem sequer desconfiar que deixava como rastro de sua prévia consulta ao dicionário o fato de todas as palavras se encontrarem muito próximas umas das outras.

Saía cheio de si, sob os aplausos de Gilberto, que encerrava o show com o deboche: - Vocês precisam estudar mais. Não sabem nada!

E seguia sorrindo com o companheiro, como uma espécie de conselheiro de imperador, só que às avessas, pois em vez de dizê-lo “lembra-te que és mortal”, assevera-lhe a repetitiva frase “nós somos fodas, bicho, nós somos fodas!”.

Acredito que a prática da mentira diária com excesso de imaginação crie no mentiroso uma crença real de que vive tais experiências. Sempre haverá tolos que acreditarão numa mentira, por mais esdrúxula que seja, e isto deve servir de chave para confirmação interna da veracidade externa inventada.

Tamanha certeza de tal veracidade, contudo, levou a dupla a levar a cabo um plano demasiadamente grave.

Convocados a participar de um curso militar no estado de Minas Gerais por uma semana, os dois aventureiros fizeram algo impensável de se fazer num ambiente regrado pela disciplina militar inflexível.

Apresentaram-se para início do curso na segunda-feira pela manhã, mas misteriosamente não retornaram mais no período da tarde.

Assim, passaram terça, quarta e quinta-feiras sem dar as caras no quartel para assistir às aulas.

A essa altura, os comandantes já haviam sido comunicados do sumiço da dupla e se cogitava algo grave como algum sequestro ou outra fatalidade possível.

Então, na sexta-feira à tarde, a dupla de sumidos aparece para o evento de entrega dos diplomas, como se nada tivesse acontecido. Estavam lá para receber os seus diplomas juntamente com os demais. Passaram os 3 dias nas praias do Rio de Janeiro jogando vôlei, com aquele bronzeado evidente nos rostos e braços, mas com as caras mais lisas do mundo, estavam lá prontos para receber os certificados de conclusão.

A convicção de que o mundo imaginário se impõe ao mundo real parecia realmente alcançar o status de um princípio de vida, mas não os livrou de serem punidos, ambos, com 30 dias de prisão disciplinar, os quais passaram presos em alojamento militar.

Engana-se, contudo, quem pensa que passaram tais dias se lamentando do feito, com algum tipo de arrependimento ou sentimentos dessa natureza. Não. Isso é coisa que não se passa na mente dessa espécie.

O certo é que não houve um só dia em que não ficaram, horas a fio, deliciando-se das memórias de suas aventuras e supostas vitórias arrasadoras no torneio de vôlei de praia carioca durante a semana do curso.

Nenhum indício de resignação, nenhum remorso, nenhum receio por piores consequências possíveis, apenas glórias e enaltecimentos mútuos. Eram simplesmente assim, absurdamente crentes incorrigíveis de sua superioridade, generais em suas próprias realidades imaginadas.