RESSURREIÇÃO DE TOBIAS

Tobias era um rapaz franzino, baixinho, carente de beleza, porém grande conquistador. Sua relação com as mulheres provocava inveja nos demais homens da região, afinal como uma criatura feia, feito ele, conseguia atrair para si tantas mulheres, sejam jovens, maduras, consignadas...? Ninguém entendia, inclusive algumas senhoras talvez com uma ponta de ciúmes juntavam-se ao coro crítico relativo ao sucesso de Tobias junto ao universo feminino. Tobias nunca se importara com as críticas muito menos com o ciúme dos varões da redondeza. Ele se deliciava com toda a situação, sempre repetindo o velho jargão: “ Falem bem ou falem mal, importa é ser lembrado por todos”. Se mamãe passou mel em mim quando nasci, o que vou fazer? Deixo que as mulheres provem desse mel, assim ele levava sua vida entre trabalho, orgias noturnas e encontros furtivos, quando necessário é claro.

O tempo passava cada vez mais sua fama crescia nas redondezas extrapolando as limitações de sua comunidade. Como “religioso” que era, participava das atividades paroquiais, seja frequentando as missas dominicais, seja ajudando o padre nas lides da igreja. Aos sábados limpava o adro da igreja varrendo toda a sujeira que se acumulava durante a semana, vez ou outra pincelava um muro, uma parede, uma janela sem nada cobrar pelos seus trabalhos, dizia ser uma forma de garantir sua vaga no céu. Por outro lado sua fama trazia preocupações ao velho padre, pois para ele, Tobias estava em pecado permanente, visto suas visitas semanais ao confessionário repetindo os mesmos pecados provocando uma disfarçada impaciência do seu confessor.

Numa manhã de domingo ao abrir a igreja para os serviços religiosos, o velho padre sente a falta de Tobias provocando certa preocupação no pároco, afinal ele era o primeiro fiel a estar na porta da igreja esperando para se confessar. Ao termino da missa a comunidade recebe a triste notícia da morte do ‘garanhão” Tobias, fora um reboliço só. Todos desejavam saber como e onde morrera o neo defunto. Se estava só ou acompanhado. Via-se nos cantos algumas mulheres choramingando, outras em crises nervosas, alguns homens disfarçadamente sorriam pelo acontecido. O velho padre sem nada entender, procura o seu delegado para assuntar do ocorrido. Algumas mulheres se encarregam de preparar coroas de flores para o velório. Dona Zazá, a zeladora da igreja convida sua filha Tizinha e sua nora Delícia a faxinarem a capela mortuária à espera do corpo. Eis que no meio de todo entrevero alguém questiona quem vai assumir a responsabilidade de retirar o corpo do necrotério, já que o falecido nunca apresentara um parente sequer afirmando sempre, ser um homem solitário sem parente algum. Seu Nequinha, homem esperto e respeitado na comunidade responde logo: o seu padre pode assumir esta tarefa, afinal ele e o falecido eram bem amigos, com certeza o seu delegado não vai negar este favor à todos nós.

Passava das nove horas da noite quando o féretro chegara na capela mortuária para que o povo pudesse iniciar o ritual velórico. Ao entardecer abatera um frio jamais visto naquelas bandas, onde ventos brandos acompanhados de uma chuva miúda tornaram um domingo invernal forçando as senhoras e senhorias se utilizarem de seus xales e casacões cheirando a naftalina. Os homens se apegaram de seus paletós, botinas e chapéus afim de não se sentirem estranhos no ninho. As beatas iniciam uma reza logo acompanhadas pelos demais presentes. A cada instante era passada nova rodada de cafezinho feito na hora acompanhado de biscoitos. Em alguns cantos grupos de pessoas dialogando a respeito do falecido. Sua bondade, suas aventuras, seus contos e causos contados com muita encenação, motivo de risos para aqueles que o queriam bem. Mas havia grupos de homens que questionavam sua honestidade em especial alguns casados inclusive o filho de dona Zazá que sempre falara desconfiar de “algo”, algo este que nunca esclarecera, pairando certa dúvida de quem ouvia tais relatos. Não faltara as “viúvas virgens” isoladamente a lamentarem a morte repentina do “amigo” Tobias, figurando entre estas, pasmem, Tizinha e Delícia. Dona Zazá meio desconfiada do sentimento exagerado das meninas convida-as à passarem o café mais uma vez afim de aquecer a garganta dos presentes.

Quando no relógio crava uma hora da madrugada onde a maioria das pessoas seguiram à suas casas para descansarem, eis que acontece um verdadeiro reboliço no salão. Mulheres gritando, outras chorando, algumas rezando, homens pulando a janela, outros correndo porta á fora. Com todo o alvoroço algumas pessoas voltaram de suas casas para saberem o ocorrido, ao adentrarem encontram no salão apenas Tizinha, Delícia e dona Zazá ajoelhadas rezando diante de Tobias que acordara sonolento sem nada entender o que estava acontecendo. As três entraram num frenesi espiritual, ora gritavam milagre, milagre, Tobias ressuscitou, ora gargalhavam deixando atônitos aqueles que se aproximavam do local. Seu Nequinha mais uma vez com sua esperteza apela ao velho padre para que o mesmo resolvesse tal situação, no entanto o pároco ao ver o cenário não se conteve e entra gritando porta a dentro para que todos se acalmassem esquecendo que Tobias ainda se encontrava deitado na sua humilde urna ofertada pelo prefeito da cidade. Finalmente o povo se acalma, o delegado é chamado para lavrar o ocorrido acompanhado de um médico que se encarrega de examinar Tobias levando-o ao pequeno hospital da cidade.

O acontecido virou notícia dos jornais locais, todos querendo entrevistar o morto vivo, o “ressuscitado”, porém à pedido do delegado Tobias ficara afastado da cidade por um determinado tempo até que os ânimos fossem controlados. Mas na boca do povo havia acontecido um milagre tal qual Lázaro quando saiu caminhando de sua gruta necrótica sob o comando de Jesus. O povo cria fielmente que houvera o tal milagre, mesmo que o laudo médico atestava que o mesmo sofria de catalepsia. Doença rara em que o indivíduo quando atacado por uma crise apresenta sintomas de uma morte natural, sendo que muitas pessoas que sofrem do mesmo desconhecem ser portador do mesmo. A comunidade ficou a questionar porquê, Tizinha, Delícia e dona Zazá ficaram felizes com a “ressurreição” de Tobias e coincidentemente as mesmas tem visitado “parentes” em dias alternados na cidade vizinha, inclusive seu filho questiona: não lembro ter primos na cidade vizinha, minha mãe nunca me falou...

Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 25/03/19

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 27/03/2019
Código do texto: T6608561
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.