210 – A PROFECIA...

Naquela venda situada na saída de um pequeno arraial entardecia, várias pessoas como era de costume ali estavam reunidas, uns encostados no balcão, outros sentados em tamboretes em volta de toscas e velhas mesas, outros sentados em longos e desajeitados bancos, como sempre contavam acontecidos, estórias da mula sem cabeça, do lobisomem, da onça pintada, naquela venda se vendia de um tudo, desde mantimentos, carnes, fumo, mas era famosa pelas pingas de boa qualidade que ali eram encontradas, entre tantos um homem se destacava pela sua posição financeira, era o dono de uma fazenda nas redondezas, já estava encalorado pelas doses de cachaça e naquela empolgação querendo aparecer mais do que a cautela recomendava, destramelou a língua contando larguras de vantagens e de grandezas, e isto foi a sua perdição!

– Daqui eu vou direto pra fazenda do compadre Sinval, vou receber uma bolada pela venda de uma bezerrada, com esse dinheiro quero comprar mais um pedacinho de terra nas minhas divisas!

Com a prosa esmorecendo o Mané Joaquim montou no seu cavalo e trotou até a fazenda vizinha onde iria receber toda aquela dinheirama.

O compadre Sinval já o aguardava para um bom papo e para efetuar o pagamento compromissado, com toda aquela bufunfa nas mãos o Mané Joaquim cuidadosamente guardou o dinheiro em uma capanga que pendurou no cabeçalho do arreio!

Já montado no seu cavalo acenou pra todos no despedir e seu cavalo marchou pela estrada boiadeira que cortava as fazendas, estava escurecido, mas a lua já se mostrava no céu com todo o seu esplendor, por entre os arvoredos com luzes e sombras caprichosamente pelo chão ela ia bordando figuras fantasmagóricas, quando ele se aproximou da divisa das fazendas cuidadosamente foi tentando abrir a porteira quando um estrondo mortífero estrondou pela soledade, do cano de uma espingarda a labareda de fogo avançou no espaço, um tiro foi desferido, o curiango que piava incessantemente emudeceu com o barulho e voou pra outros arvoredos no bem longe, o Mané Joaquim levou a mão no peito na tentativa inútil de estancar o sangue que já brotava da ferida, a sua vida já o abandonava nas golfadas de sangue que escorriam pela sua boca lambuzando o arreio e lentamente seu corpo foi pendendo para um dos lados da sela e por fim se estatelou no chão, do meio do mato um vulto que na luz do luar se mostrou nitidamente foi se aproximando, aproximando no pé por pé, cauteloso encostou o cano de sua arma naquele corpo inerte, cutucou esperando por alguma reação, por algum relampejo de vida, um profundo silêncio imperou naquele instante, o matador agachou e avidamente foi procurando nos bolsos da roupa do Mané Joaquim alguma coisa que ansiosamente desejava, mas foi no arreio do cavalo que ele encontrou o que tanto procurava, a sacola de dinheiro, satisfeito com o resultado de sua empreitada se aproximou do defunto e encostou o cano da sua arma na cabeça dele e efetuou mais um disparo, assim teve a absoluta certeza que daquele corpo a vida fora totalmente extirpada, no seguir desapareceu na invernada!

No outro dia o boato da morte do Mané Joaquim corria léguas nas distâncias das distâncias, e a polícia desconfiou que o autor daquela morte era o fazendeiro vizinho, o senhor Sinval, mas este jurava por todos os santos a sua inocência, confirmava que realmente dera o dinheiro da venda de uma bezerrada ao falecido, na presença do Senhor Deus ele jurava que nada tinha com o acontecido! A polícia apertava o senhor Sinval, mas este se manteve firme e contava fatos que corroboravam que ele não havia saído da sua fazenda!

No cemitério do arraial uma multidão acudiu em meio a tanta comoção pois o Senhor Mané Joaquim era muito querido por todos, a viúva toda vestida de preto, cobria a cabeça com um véu também preto, assim que o caixão desceu na sepultura, quando flores foram jogadas pra dentro da tumba, a viúva levantou as mãos para os céus e olhando firmemente para a multidão, gritou com todas as forças que haviam em seus pulmões:

- Eu tenho a absoluta certeza que o matador do meu marido esta aqui entre nós, eu quero que ele fique sabendo que o meu santo protetor será o meu vingador deste assassinato, eu tenho a plena convicção que aquele braço que empunhou a arma que assassinou o meu marido ira apodrecer, tão podre ficará que atraíra moscas varejeiras aos montões, de longe o cheiro da carniça daquele braço apodrecido irá denunciar o malfeitor, tenho a absoluta certeza que ele putrefará em vida e que morrera em atrozes e doloridos sofrimentos, e não se passará muito tempo para que esta profecia se manifeste, o meu santo protetor será o meu vingador!

Todos voltaram para suas casas, curiosos indagavam quem seria o matador do Mané Joaquim, se o assassino estava no cemitério isto não sabemos, nem sabemos se ele ouviu a praga proferida pela viúva!

E o tempo foi passando, mas nunca esqueceram do acontecido, no final da semana o dono do armazém estava todo afobado em atender vários clientes, tão afobado estava que ao destrinchar um quarto de porco a sua mão direita num relance de descuido esbarrou na sua peixeira, e isto produziu um profundo corte de onde saiu muito sangue, tanto sangue que até melecou de vermelho o seu avental, mas ele pouco ligou para o acontecido, enrolou um pedaço de pano na mão ferida e continuou na sua labuta!

De noite cansado se recolheu e aquela mão ferida não parava de latejar, tanto latejou que ele se levantou e derramou sobre a ferida vinagre com sal e foi dormir, no outro dia a mão amanheceu inchada, muito, mas muito inchada mesmo, coisa medonha de ver, e ele que era teimoso não foi procurar um médico, foi num benzedor e com banhos de folhas de arnica e sucupira foi remediando a situação que só piorava com o passar das horas, a sua mão foi empretejando, apodrecendo a olhos vistos, uma mancha azulada foi avançando por todo o seu braço, o ferimento causava dores atrozes e insuportáveis, gemia, gritava de dor, clamava por todos os Santos por ajuda, mas foi quando um cheiro de carniça começou a exalar daquela mão ferida, cheiro tão forte que atraia toda sorte de moscas varejeiras, aí começaram a desconfiar que aquilo era o resultado da praga jogada pela viúva do Mané Joaquim!

O comerciante na ânsia da morte, desesperado mandou chamar a viúva, queria urgentemente conversar com ela, e ela apareceu em sua casa:

- Minha Senhora! Ele gaguejava, falava com imensas dificuldades, faltava o fôlego, faltava o ar, seu tempo de vida estava findando, todo trêmulo, molhado de suor, num esforço gigantesco conseguiu pronunciar as suas últimas palavras:

- Peço perdão para a senhora e para Deus, fui eu quem matou o seu marido por causa daquele maldito dinheiro, a ganância me cegou!

E estendeu o outro braço que ainda conseguia movimentar e entregou a capanga que continha o dinheiro roubado! Seu fôlego foi diminuindo, abafando, até que parou de uma vez por todas de respirar, assim terminou os dias de vida daquele que desejou colher onde não tinha plantado!

Uns diziam que ele morrera de tétano, mas a grande maioria das pessoas juravam que a morte fora causada pela terrível praga lançada pela viúva!

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 08/12/2016
Reeditado em 08/12/2016
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