208 – ALMA PENADA...

Meu Avo contava que na terra dele, lá pras bandas de Paramirim no estado da Bahia, um acontecido foi comentado nas léguas e léguas nas distancias esticado pra todos aqueles cafundós. Nas vizinhanças das terras do meu bisavó havia um fazendeiro famoso, era um homem trabalhador, honesto, muito caridoso e que se destacava pelo seu fervor religioso, e num dia desses passados arriou o seu cavalo e foi visitar seu compadre na fazenda vizinha, e lá permaneceu até tarde da noite, na viagem de volta passando por um capão de mato na divisa das fazendas e ao se aproximar de uma porteira inesperadamente o seu cavalo empacou, refugou, e por mais que instigasse o animal a continuar a marcha ele não obedecia, nem com as cutucadas dos calcanhares da bota em suas costelas ele aluía, Chico da Matilde era o apelido deste fazendeiro, homem destemido e voluntarioso, apeou do seu cavalo e segurando nas rédeas tentou puxá-lo na direção da porteira, mas este empinava, levantava as patas dianteiras e parecia que estava estremecendo de pavor, alguma coisa o afugentava, enlouquecia, num repente um forte e inexplicável arrepio percorreu todo o corpo do fazendeiro e as suas pernas fraquejaram, bambearam, sua boca secou e ele a toda pressa montou no seu cavalo e foi desviando o seu percurso por um antigo beco ladeado de teias de aranhas de antigas velhices que resplandeciam na luz da lua tal qual lençóis brancos estendidos sobre as ramagens, e o cavalo não mais empacou e calmamente avançou pelo atalho!

No outro dia o acontecido não saia da cabeça do Chico, e tanto o atazanou que ele arriou o seu cavalo e voltou até o mesmo local, naquela mesma porteira onde o animal empacou, e não encontrou nada de anormal, nada que chamasse a sua atenção, que indicasse a presença de pessoas ou de alguma onça, não viu rastros recentes nem matos amassados nas cabeceiras da porteira, e o cavalo agora não mostrava qualquer contrariedade ou temor, mesmo assim ele ficou cismado e desconfiado.

O tempo passou e ele voltou à fazenda do seu compadre e aquele bom papo de sempre, cafezinho quente e forte, bolo de fubá, eram agradáveis estes vizinhos e quando ele deu por si já tinha escurecido, regressou para a sua casa pelo mesmo estradão, quando de repente nas proximidades daquela porteira o cavalo empacou outra vez, era como que houvesse uma imensa muralha invisível na sua frente, intransponível, e por mais que insistisse, por mais que incentivasse o cavalo ia retrocedendo, trotando de lado e se afastando do local, por fim o Chico da Matilde se lembrando que isto já tinha acontecido, desconfiado que a causa desta insegurança, deste amedrontamento era alguma coisa ruim do outro mundo, uma assombração ou arte do tinhoso, sem titubear ele volteou pelo antigo beco!

Chegando em sua casa contou tudo o que aconteceu para a sua esposa, a Matilde, e esta apavorada afirmava que alguma alma penada estava acorrentada naquela porteira!

E o tempo foi passando como sempre passou, e o Chico continuou visitando o vizinho mas evitava ficar até o anoitecido, dizia que não era por medo não, era por precaução, por cisma, mas num certo dia ao voltar daquela visita costumeira o entardecido já esticava as sombras dos arvoredos nas encostas das serras, ao se aproximar da bendita porteira num repente o cavalo voltou a embirrar, refugou, e nada fazia com que ele avançasse, foi quando o Chico da Matilde olhando mais detalhadamente na porteira viu um vulto, uma coisa esquisita de se ver, parecia que estava envolto por uma névoa, garoa ou coisa parecida, ele que era um cabra macho não tinha medo de nada, apeou e amarrou o seu cavalo em um poste da cerca, puxou o seu revolver e avançou na direção do vulto e a pessoa mais nitidamente foi se mostrando estava de frente para a porteira, de costas para o Chico, as suas roupas eram trapos encardidos de toda sujeira do mundo e um cheiro de carniça, de carne apodrecida empesteava o ar, o Chico da Matilde foi se aproximando no pé por pé e numa distância segura parou quando ouviu a voz daquele homem, uma voz rouca, resfolegava com dificuldades, coisa medonha ouvir aquela rouquidão, aquele chiado, e pra complicar a situação nas proximidades uma coruja pousada em cima de um cupinzeiro piava aflita agourando tragédias, ele pensou em retroceder, mas a voz implorava:

- Chico da Matilde não me abandone, eu estou precisando e muito da sua ajuda, da sua caridade, pelo amor de Deus que me acode!

– Homem não se envergonhe, mostre a sua cara, estou aqui para dar a ajuda que for necessária!

- Se você olhar no meu rosto não vai acreditar no que vai ver, vai estremecer, e não me ajudará, debandara, a sua ajuda é a minha última esperança de me libertar deste suplício!

- Como é que eu posso ajudá-lo se não sei nem quem é você, nem do que esta precisando?

- Ouve-me pelo amor de Deus, no decorrer do que vou relatando você vai descobrir quem eu sou, escuta tudo o que eu tenho pra te contar, atente, num tempo passado roubaram uma baita quantia dinheiro na fazenda do senhor Firmino dos Santos, nosso vizinho, e eu acusei um sujeito inocente de ser o autor daquele roubo e por causa desta minha mentira infame ele esta preso em uma cadeia lá na cidade grande, sendo que o verdadeiro ladrão era eu, neste cerrado, do lado esquerdo desta porteira, lá na frente existe dois imensos pés de jatobá, na metade da distancia entre essas duas árvores eu enterrei o dinheiro roubado juntamente com as minhas economias, com este dinheiro eu sonhava comprar um sitiozinho lá no bem longe pra que ninguém conhecido ficasse sabendo, mas pairava no ar uma leve desconfiança da minha participação naquele roubo, e a vida vai dando a suas voltas até que o destino avançou contra mim para provar que temos que colher o que plantamos, numa roda de pessoas conhecidas fiquei sabendo que estavam vendendo lá no bem longe umas terras baratas, quase de graça, mas aquilo era uma armadilha, uma cilada, queriam mesmo era o dinheiro que desconfiavam que eu tinha escondido, mas não desconfiei de nada, e sorrateiramente eu fui ver estas terras, a arapuca estava montada e ela desabou sobre mim, fui espancado e supliciado, suportei os mais cruéis castigos e não contei onde estava escondido o dinheiro, se contasse teria sido morto da mesma maneira, estava marcado, meu corpo foi abandonado para apodrecer no relento sendo devorado pelas feras e pelos urubus, e o meu castigo não tinha terminado, a minha alma ficou acorrentada neste maldito dinheiro que um dia eu afanei, em nome da nossa velha amizade eu imploro pela sua ajuda, sei que você é uma alma caridosa e é muito religioso, pelo amor de Deus me ajuda a reparar a maldade que cometi pra modi eu me libertar desta maldição!

- É você Osório?

- Sim! Sou eu mesmo!

O Chico da Matilde tremia tanto que de longe ouvia o estalar de seus dentes!

- Por favor procure o senhor Firmino e sua família, a minha esposa e meus filhos, e conte o ocorrido, conta toda a verdade, depois conduza eles até aqui, não esqueça que é na metade da distancia entre aqueles dois jatobás que está enterrado todo o dinheiro que roubei, desenterre e devolva tudo para o seu legítimo dono, depois deverão ir até a cadeia onde aquele pobre inocente esta preso e alivia o seu sofrimento contando a verdadeira estória daquele roubo, e que eu, Osório da Silveira foi o autor daquele roubo e da mentira que levou aquele pobre coitado a pagar por um crime que nunca cometeu! Só então poderei romper as amarras que me prendem a este lugar e seguir a minha jornada, pelo amor de Deus me ajude, se você não me ajudar imagino que ficarei preso para sempre neste amaldiçoado dinheiro!

Meu avo tomava um fôlego e continuava a sua narrativa, e eu menino curioso sentado aos seus pés escutava com os olhos arregalados de medo o desenrolar daquela tragédia, a minha imaginação galopava horizontes afora!

O Chico da Matilde mal esperou o dia amanhecer e foi logo pra fazenda do Firmino e contou tudo o que aconteceu, buscou a mulher do finado Osório e seus filhos e aquele mutirão de gente curiosa abalou para a localidade da aparição da alma penada, da porteira avistaram os dois pés de jatobás, e na medida exata, metade da distância entre as essas duas árvores eles começaram a cavar, e foram cavando, cavando, e quando já estavam quase desanimando da empreitada deram com um pequeno baú enrolado em uma lona, que aberto encontraram todo dinheiro furtado bem como as economias que eram do Osório, neste momento um vento forte assoprou em redemoinhos tão fortes que amedrontou a todas as pessoas, o vento zunia e estremecia o lugar, árvores foram tombadas, chapéus, lenços, terras soltas e folhas secas que dormiam pelo chão foram levantadas para o céu avermelhando o infinito, matutaram que toda aquela estripulia na certa era a alma penada do Osório que se libertara do castigo e agora seguia na sua jornada!

Correram até a cidade grande e libertaram o inocente, o cavalo do Chico da Matilde nunca mais empacou ao passar pelo local e a porteira ficou famosa pelo acontecido, todos que ali passavam diziam que aquela era a porteira do finado Osório!

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 23/11/2016
Reeditado em 25/11/2016
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