O VERSINHO DO ANU

Tunico de Sinhana era um menino especial, alem de não bater bem das ideias, era de tamanho descomunal, quase dois metros de altura, com trinta anos de idade e boa banha na cintura, por causa disso, metia medo ao desconhecido mas na verdade, era um pobre coitado,nenhum mal lhe era concedido e, apesar de ser um baita homem mais parecia com uma criança, passava dia após dia a fazer estripulia pela vizinhança. Contam os mais antigos que Sinhana já era de idade avançada quando embarrigou, foi por isso, diziam, que o menino se abobou e para completar a historia cruel, assim que o menino nasceu, ofendido por uma cascavel, o marido de Sinhana morreu.

Veja como é o tal de destino, Sinhana ficou só e foi mãe e pai pro menino, trabalhou de sol a sol, na vida não se esmoreceu, deu um duro danado até que o filho cresceu, ficou forte como um touro mas de nada adiantou, por causa da demência, pro trabalho não atinou.

Vivia rondando o bairro, aquele homem-menino, ora aqui, ora acolá, cantava mas pra isso não tinha tino, só servia de chacota pra criançada e até alguns marmanjos desalmados, abusavam de suas trapalhadas, a mãe se magoava mas não podia fazer nada, afinal de contas o rapaz era demente, o negocio era se conformar com a sorte e tocar a vida pra frente, e que seja conforme Deus quiser, dizia a pobre mulher.

Apesar da demência, Tunico era muito querido por todos e tinha por costume observar a natureza, o mundo que lhes rodeava em sua nobre pobreza, conversava com as formigas, com as arvores, os rios e passarinhos, e não sabe como, mas de certa vez, Tunico apareceu com um versinho para despicar nas crianças negras do bairro que ele não gostava porque volta e meia essas crianças o insultava:

__ Tunico pinico! Tunico pinico! Tunico pinico !!!!

E ele então recitava o seu versinho

O Anu é um pássaro preto

que tem o bico rombudo

é um sinal que Deus deixou

pra todo negro sê beiçudo

E assim vivia o Tunico nesta luta danada, sempre as turras, brigando com a criançada, e o versinho de tanto declamado, se tornou um hino popular no povoado, até que em uma noite, numa festa junina, quando como sempre, Tunico apareceu meio de surdina, de paletó e gravata no pescoço enrolada, uma velha calça rasgada com a barra arregaçada e os pés descalços, apesar do frio, mas foi bem recebido pelo festeiro, homem de princípio e de brio.

Estava a beira da fogueira, um negro de muito valor, na região era o melhor benzedor, e por ser muito alegre e proseador, se ajuntou uma rapaziada ao seu redor. Ao chegar Tunico com seu trejeito ressabiado, por malvadeza e para vê o rapaz embaraçado, o instigaram para recitar o verso do anu e na simplicidade começou o pobre coitado:

__ O anu é um passô preto. / Que tem o bico arrumbundo / E um sinal que Deus deixô. / Pra todo...

De frente com o negro, Tunico emudeceu, baixou a cabeça, se esquivou e na escuridão, desapareceu, enquanto a rapaziada, caíram na gargalhada, o bondoso negro, homem de muita sabedoria, deixou a poeira abaixar e depois da euforia, de uma maneira educada chamou atenção dos jovens, com a voz calma e compassada:

__ O Tunico é um demente e o pobre não sabe de nada, e não foi o motivo desta forte gargalhada, mas vocês que são tão sabidos e em sã razão, deveriam ter vergonha e de joelhos pedir perdão, pois não foi ao pobre Tunico que fizeram o desacato, foi por causa deste negro que provocaram o maltrato, só por causa da cor de minha pele, que é o que tem menos valor pois a beleza da vida se baseia no respeito e no amor, que é o pedido de Jesus Cristo Nosso Senhor.

Depois do pito muito bem merecido, vendo a besteira que haviam cometido, um a um foram saindo desenxabido, a festa continuou como se nada tivesse acontecido e até o pobre Tunico, reapareceu depois de sumido.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 25/10/2016
Reeditado em 25/10/2016
Código do texto: T5802222
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