EU NUM DIGO É NADA

Eu é que num quero sarna pra me coçar, eu heim! Tou ficando vei , desdentado, mas o quengo ainda é bom que só o tempo que eu caçava rolinha com minha baladeira, punhava uma pedra, mirava na titela e só via quando a bichinha insistente ainda tentava bater as asas pra voar. Mas como se as asas pesavam mais que chifre em cabeça de pinto cego?!

O cabra envelhecer, sentir a barba todinha embranquecer, a cara engiar e num ter sossego! Pense num azar dos seiscentos cãos engarrafados no pingo da mei dia por uma muie arretada da gota!

A gente pensa que trabaia a vida inteira pra pegar um aposento e ficar mandando vento pro vento, só melando a cueca, aí chega um diacho de uma veia encrenqueira e não te deixa em paz! Faz de tudo pra bulir com você e atazanar com seu juízo já gasto.

Se o cabra ficar deitado, pensando nos peixão que nunca conseguiu pescar, é preguiçoso, ela logo berra: levanta desse coito seu Zé molenga e arrepara esse leite enquanto eu encho o pote! Se levanta cedo, é galo, mesmo cumzoios arremelado resmunga entre os dentes: virou relógio, foi?! Vai te aquietar rebuliço! Se pede comida é morta fome... Eu, com zoi já fumançando, espio assim por cima do bigode, nunsabe, cruzo os dedos assim e ainda digo, com a voz intrubicada: Minha veia, assim, se compro um quilo de peixe, se eu cozinho, né meu?!

Eu já boto os dedos dentro doszuvidos pra num escutá os trovões sapecados da garganta dela. Ela dá é uma escarrada de lá e solta o berro: Se amostra não, vei, senão deixo você desjejum inté o resto dos dias.

Asvei inté pense em dá uma de bestado, fingir uns fasti, umas careta de boca torta, dizer que tou se vontade de nada, mas se não comer o comer é queixudo, pensa logo: tá comendo fora de casa é, vem inxerido?!

Pense no pé de frieira, só sabe quem tem um. Se não toma banho é seboso, se vai tomar banho só serve pra gastar água, bem que fosse passar uns dias na maré! Aí eu me alembro de um dia que fui, de raiva, sem dizer pra ninguém, fiquei por lá escondido sem mandar nenhuma notiça. Armei bem o barraco do lado que só eu sabia andar, e fiquei lá mais de duas luas! O que me salvou foi um diacho de uma rolinha que atrevessou na minha frente, bem na hora que eu vi uma maldita de uma cobra d'água, olhando com um olho mal pra eu, num contei conversa, peguei minha espingarda, mirei na infeliz, com toda minha ira, atirei bem na hora que a astuciosa mergulho, o tiro pegou numa pedra de fogo do outrolado do rio, voltou diretinho em minha direçao, passou ciscando pela minha ureia dereita, me deitando de lado, batendo e atrevessando o tronco de uma carnauba, fazendo uma curva esquisita no ninho de uma rolinha que estava a constuir seu ninho. Pois nun é que a danada aparou a bala com o bico, bateu asas e foi entregar lá em casa. A veia já era uma tristeza só, pensando que tinha ficado viúva e por desconto de pecado, a rolinha era uma antiga preta escrava encantada que se desencantou e foi me buscar com os outros.

Contando ninguém acredita, mas é assim mesmo. Poucos dias depois, tudo de novo. Se bebe é cu de cana, se não bebe só serve pra coçar os ovos e contar carneirinho! Nem na paciência do mundo inteiro se consegue entender...

Mas no dia de arreceber o apusento, é a primeira que se alevanta, faz a lista das compras e ainda quer ir mais eu, mas eu num digo mermo!

Invento logo uma dor no bucho, uns arroto choco e peço logo um chá, mas antes d'água frever, passo logo uma tesoura, dou-lhe uma rasteira e saio logo de fininho porque eu é que não quero sarna pra me coçar, tou ficando é vei, desdentado, mas o quengo ainda é bom que só o tempo que eu ainda era gente, tinha dente e cabelo preto! Arrecebia os trocados, ia pro cabaré, ouvia Bartô Galeno, o cu cheio de cana e arrodiado de quenga me fazendo carinhos. A veia chegava de fininho, armada de cabo de vassoura e com o terço na mão, puxava um sermão, uma ladainha cabiluda, jogava água benta nas quengas, puxava a toalha da mesa, me puxava pra casa e no meio do caminho era aquele vuco-vuco de puxicao!

Depois de banho tomado, um caldo da caridade, o resto do dia era só de dengo até o bolso do vei esvaziar, mau humor voltar e o céu escurecer, e se quiser saber mais, cabra besta e curioso, vá botando a mão no bolso que só digo se pagar!