NÓIS FALA I OCÊIS CORREGE

Quem tem menos de sessenta anos, nunca ouviu falar de Nhô Totico e Nhá Barbina.

Talvez tenham conhecido a Nhá Barbina, aqueles que já estão na casa dos cinqüenta.

Esses dois, cada um do seu jeito, foram ícones do humor caipira, que também teve o grande Mazaroppi e outros, conhecidos regionalmente. Vale lembrar que a Escolinha da dona Olinda, programa de rádio que Nhô Totico idealizou e transmitiu por anos a fio, foi precursora de todas as outras escolinhas que fizeram fama depois, inclusive a de Chico Anísio. Porém, na escola original, seu idealizador fazia todos os papéis, de improviso, porque não havia como gravar o programa. Quando lhe perguntavam sobre o roteiro, ele ria e tascava:

- Rutêro pra quê, si eu sô asnarfabetio? Vô até mudá meu nome pra xis. Pra facilitá, né? Era brincadeira, mas tinha quem levasse a sério, e ele não fazia questão de desmentir. Nhá Barbina gostava de explorar o jeito de falar do caipira que vai pra cidade grande e quer mostrar “chiqueza”, então acha que dizer “guarda” e “porca” (do parafuso) é jeca, então força a língua e diz: polca ou gualda, enfatizando o “L”. Lembro de um episódio assim:

- Bons dias senhora dona Barbina! A senhora vai bem?

- Agora tô mió, mas fui na praia conhecê o mal e passei mar.

- E o que vai querer hoje?

- Me dá sal, Sonrisal e mel (caprichando no “L”).

- Gostei de ver! Está falando direitinho. Mais alguma coisa?

- Uma caixinha de forfi e um punhado de frô, preu pô nu meu xaxinho.

Nhô Totico foi quem contou primeiro a aventura de seu irmão, que veio do sertão e foi visitar o Rio de Janeiro. Ficou na casa do primo, que não estava muito animado em levá-lo para conhecer a cidade, por vergonha de seu sotaque. Resolveu que iriam a uma pastelaria, mas advertiu o caipirinha de que deveria treinar para falar como os cariocas, e o fez repetir:

- Fala pashtéishs. Não vai dizer pastér, tá? Pashtéishs! Pashtéishs!

Chegando no local, o moço, já bem ensaiado, chamou o garçom e pediu os pashtéishs.

De que sabor os senhores desejam? Antes que o primo falasse, ele se adiantou:

- Ah, trais de parmito, toicinho ô quarqué outro qui ocê tivé. Nóis tá cuma fome!

A fala caipira é uma das coisas mais autênticas e gostosas de ouvir, quando se viaja pelo enorme sertão brasileiro, mas o pessoal da cidade costuma fazer pouco da caipirice.

Como minha família paterna é do interior paulista, meu pai tinha sotaque caipira, que tentava disfarçar, mas sempre vinha à tona, ao menor descuido. Nunca liguei muito pra isso, mas houve ocasião em que, durante o curso ginasial (coisa antiga), o professor de artes disse que iria ensinar a cortar isopor, e desafiou a turma a descobrir como se chamava o fio que iria ser usado para tal fim. Cheguei em casa e perguntei ao meu pai se sabia sobre o material, e ele, acostumado a serviços manuais, falou o nome: NÍQUER CROMO. Na aula seguinte, mal o professor começou a perguntar, já levantei, querendo dar uma de gostoso, e quase gritei:

- É níquer cromo, fessor!

Não demorou mais que dois ou três segundos pra começar a zoeira:

- Êita mundo véio sem portêra! Abre a porta, Mariquinha! Ói nóis aqui tra veiz!

Só depois de ser muito zoado é que me dei conta de que o correto é níquel cromo.

Ao contrário dos adolescentes de meu tempo, apreciava o universo caipira. Mesmo que curtisse rock e MPB, sempre achava um jeito de ouvir o programa de rádio do Zé Betio, bem cedinho, em que ele fazia um barulho dos diabos pra acordar o pessoal que tinha de ir pro trabalho, assim como assisti bastante o programa de Inezita Barroso, até sua morte.

Andar pelo interior, observando os detalhes da vida pitoresca de cada vilarejo, pode suscitar descobertas interessantíssimas. Foi assim que, ao parar para abastecer meu carro, num posto de pequena e erma cidadezinha, me deparei com uma faixa, que dizia:

- Mãe não enche! Mãe compreta! (o correto é completa)

Estava próximo o dia das mães, e a idéia do cartaz era ótima, apesar do “compreta”.

O caipira autêntico vive num mundo só seu, ou dos seus, daqueles com quem convive e compartilha andanças, aventuras e causos. Lembro de um, que perguntou se eu queria saber de uns “que tar”. Respondi que sim e ele, antes de começar a contar, advertiu:

- Nóis tudo têmo nosso jeito, qui é meio troncho. Entonces já vô lhe avisando qui aqui num se pára um contadô pra preguntá nada. Nóis fala agora i dispois ocêis correge, tá?

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 11/12/2015
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