Uma casa praiana

Depois de uma longa viagem de carro para passar o fim de semana no litoral, buscando o repouso e o distanciamento das obrigações habituais, chegamos ávidos para retirar as malas e esticarmos as pernas.

O portão de madeira desgastada exigia que um de nós saísse antes, removesse uma larga trava transversal para que enfim, pudéssemos estacionar.

A grama estava alta. Fazia algum tempo que ninguém visitava aquele lugar. Chegamos a varanda aprazível e com a chave em riste, a velha porta se abria em um alto rangido...

Tudo estava escuro, empoeirado e um forte cheiro de mofo gerou uma sinfonia de espirros. Acendemos a fraca luz de pendentes e deixamos os corpos recaírem sobre os sofás encapados, alardeados com o trabalho daqui para frente.

A sala se integrava com a cozinha em um sistema de bancada alta americana. Tijolos pintados de branco, atualmente amarelados,

revestiam todas as paredes. Nos fundos da casa, existia um pequeno quintal mal cuidado com heras se apoderando pelos muros da divisa com o outro terreno.

O pai na tentativa de melhorar os ânimos, começou a posicionar as cadeiras que estavam viradas sobre a mesa e alegre falou: - " Olha , uma vassoura!" - apontando para uma, cujas cerdas pareciam ter sido devoradas por um jacaré!

Discretamente, começou a varrer, ou melhor, espalhar a poeira, que levantou, como uma nuvem esbranquiçada, iniciando um novo ato de espirros coletivos.

A filha, com aproximadamente 14 anos, já entediada com a viagem, antes mesmo dela ter começado, logo se encantou pela possibilidade de uma televisão.

De fato, existia uma: valvulada e com antigo sistema de caixa amadeirada com duas antenas imensas. Pela quantidade de bombril nas pontas, indicava que qualquer tentativa de assistir qualquer coisa ali, seria mais difícil do que um contato de

1º grau com extraterrestres.

O filho, ainda criança, com 8 anos, abriu a mala, espalhando tudo pelo chão para encontrar um brinquedo. Encontrou uma rede esfarrapada em uma estante aberta e fez birra até que o pai cansado da resistência a instalasse na varanda. Dali não mais saiu.

A mãe se dirigiu ao único banheiro que havia na casa. Esperava tomar um banho relaxante e esquecer um pouco todo aquele cenário. Logo constatou, que o aquecimento não funcionava e a água estava gelada.

Para piorar a situação, se deparou com um imenso sapo dentro do box. Saiu correndo, praticamente despida e gritando.

O pai se assustou e veio correndo ao seu encontro. Ela demorou a conseguir explicar o que ocorria, mas logo que recuperou a razão, assumiu uma postura autoritária: -"Aqui eu não fico com este

bicho, ou eu ou ele!".

O sapo parecia mais assustado do que qualquer outro ali e talvez por isso mesmo, sem oferecer resistência, saiu pulando até o quintal do fundo.

O colchão dos quartos era apoiado em um bloco de alvenaria e estava rasgado, saindo a espuma, porém para não criar nenhum alvoroço, o pai rapidamente os virou ao contrário para disfarçar a situação.

Resolveram fazer o primeiro programa familiar. Uma visita ao supermercado para adquirirem algumas coisas que faltavam. Perguntaram aos moradores locais onde poderiam encontrar um e se dirigiram a ele.

Quase 5 quadras depois, chegaram. Não era bem um supermercado, como estavam acostumados. Era uma espécie de armazém. Vendiam de tudo: vestiário, revistas, remédios, alimentos, etc...

Enquanto os pais se ocupavam de providenciar o necessário, os filhos pareciam perplexos, como se estivessem em outro planeta. Voltaram bastante carregados, todos com pelo menos duas sacolas em cada mão.

O fim do dia começou a cair e um exército de pernilongos invadiu o local. Entre tapas e coceira nos braços, fecharam todas as telas que haviam por dentro das janelas. Infelizmente, esqueceram o repelente.

O pai, neste ínterim, foi tomar seu merecido banho. Quando saiu, animado para que fossem ao centro da cidade, jantar fora...Se apiedou da cena que encontrou...Todos caídos, um em cada canto, mortos, exauridos e dormindo...Vencido pela maioria, se juntou a eles...

Acordaram no dia seguinte com o barulho de uma chuva torrencial, que escorria pelas telhas francesas. Espiaram pela janela e o chão da rua, que era de terra, havia virado um lamaçal. A idealizada praia, agora, parecia um sonho distante e tiveram que se contentar com a companhia uns dos outros entre jogos de baralho.

O final de semana, havia passado, sem vivenciar a maior parte do que se propuseram. Arrumaram tudo, fecharam a casa mais uma vez e voltaram com as malas para o carro.

O pai, sempre otimista, já na estrada de volta, falou: "Pelo menos, tivemos a oportunidade de passar um tempo maravilhoso juntos". Todos suspiraram, parecendo concordar, no entanto, se pudessem teriam apenas dito: "Que alívio que estamos indo embora".

E como em nenhum outro momento, em todo final de semana, relaxaram...

Fernando Paz
Enviado por Fernando Paz em 21/06/2015
Código do texto: T5285183
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