187 - O SEGREDO...

O senhor Manoel da Silva, homem realizado, criou uma grande família com todo amor e carinho, católico fervoroso, abominava o pecado, no púlpito da igreja pregava a bíblia, dava bons conselhos, instigava a caridade, um cidadão exemplar.

Acontece que num repente ele sentiu um formigamento nas mãos, uma pressão forte e dolorida no peito, faltou-lhe o ar, confuso, tonto, estatelou no chão, e já estava morto.

Durante o seu velório, a viúva em prantos lamentava a perda, os vizinhos abismados com aquela morte tão repentina, diziam:

- Os justos morrem mais cedo!

- Foi morar com Deus, onde é seu lugar, na certa foi chamado para trabalhar nas oficinas do Senhor, onde será o mestre, vai ensinar a tolerância, o amor, a caridade, e todos os bons atributos que um ser humano pode ter.

Por todos os lados era um só o clamor, todos falavam bem do finado, era aclamado como um justo, um exemplo de homem, quando...

Apareceu no velório uma senhora distinta, toda vestida de preto, acompanhada por duas mocinhas que no desenrolar dos fatos ficamos sabendo serem suas filhas, e que moravam na cidade vizinha, se aproximaram do caixão, e começaram a acariciar a face do defunto, derramavam copiosas lágrimas, clamavam aos céus pela alma desencarnada, lastimavam em altos brados aquela perda, oravam fervorosamente pela alma do finado, choraram tanto que aquilo acabou por chamar a atenção da viúva, que se aproximando delas lhes perguntou:

- Eu não conheço vocês, mas pelo choro, pelas lamentações parece que conhecem muito bem o meu finado esposo!

E a mulher de preto respondeu:

- Eu sou a segunda esposa dele, e estas são as suas adoradas filhas!

Pronto, fez-se um silêncio medonho, ouvia-se claramente o zumbido do voo das moscas, num repente estava caindo por terra toda a integridade do falecido, num repente a sua honra denegriu, perdeu a santidade, perdeu a auréola de anjo!

A viúva agora mais revoltada do que inconsolada:

- Então este filho da puta me traiu a vida inteira? Fez-me de palhaça, de boba, e eu que passei a vida inteira lhe fazendo carícias, cozinhando, lavando e passando as suas roupas, cuidando dos seus filhos, e o desgraçado estava amasiado com essa prostituta?

- Espera aí, eu não sou prostituta, sou uma senhora digna de todo o respeito, eu vivi com o seu marido e sempre o respeitei, juntos, tivemos bons momentos de amor, a prova são estas nossas filhas, uns amores de criaturas, e eram o xodó do pai, portanto me trate com todo o respeito, que culpa tenho se fiquei com os melhores momentos do falecido?

- Cala boca sua meretríz, se tivesse vergonha nessa cara de broa jamais teria colocado os pés neste local, a sua presença aqui prova que você é uma vagabunda, gentinha da pior laia, por favor, saia já desta sala!

- Me respeita, tenho os mesmos direitos que você, afinal os bens do falecido serão compartilhados entre nós, somos sócias nesta empreitada, portanto me trate com respeito, e eu sei de cor e salteado todos os meus direitos, caso contrário, iremos nos encontrar no tribunal da justiça, onde disputaremos palmo a palmo os bens deixados pelo nosso querido esposo!

- Sua vagabunda, vê como fala comigo, e já estou perdendo a esportiva com você, se não sair agora desta sala, eu vou coloca-la para fora a tapas!

- Quem é você! Pelo jeito você gosta de uma baixaria! Não sei como você não desconfiou do nosso caso, todo sábado e domingo o Mané saia pra pescar, será que você não desconfiava de nada quando ele ia muito elegante e perfumado para a beira do rio? Você deve ser muito tapada, eu teria desconfiado daquela falsa pescaria logo no início, teria cortado o mal pela raiz, afinal foram mais de vinte anos pescando sem faltar um só sábado, domingo e feriados, vinte anos nos meus braços, todo feliz e contente!

Todas as pessoas presentes como num encanto silenciadas aguardavam ansiosos o desfecho daquele caso, uns torcendo pra viúva, outros pra amante, mas ninguém ousou em separá-las, era briga de gente graúda!

Quando num repente a viúva agarrou a amante pelos cabelos, e esta parecendo não se intimidar também a agarrou pelos cabelos, em sacudidelas rodopiaram pelo salão do velório! A turma do deixa disto entrou em ação, mas um pouco tarde, as duas emboladas esbarraram no caixão, e este pendeu lentamente caindo de cima de uns tripés que serviam de apoio, e este ao cair, emborcou derramando o finado no chão por entre flores e velas!

As duas valentonas ao verem o resultado de suas peripécias, tiverem um comportamento completamente antagônico! Primeiro se separaram, e a viúva explodindo de raiva:

- Lazarenta, pode ficar com este patife, ele é todinho seu, vocês se merecem!

A amante com toda calma do mundo:

- Vai embora macutena, deixa ele comigo, aliás ele sempre me pertenceu, vivia com você para cumprir as obrigações contratuais, ao meu lado ele vivia era por amor!

O finado agora já recomposto dentro do caixão, os que olhavam na expressão facial do senhor Manoel juravam que ele estava sorrindo, parecia o homem mais feliz do mundo com aquelas duas mulheres se digladiando pelo seu amor!

As duas nunca mais se falaram, algumas vezes se encontraram de relance diante da justiça onde foram reclamar os seus direitos, quis a vida que o senhor Manoel, tivesse dois grandes amores, e a ambos se dedicou integralmente, e fez tudo no secreto e com tamanho discernimento que só descobriram o caso após a sua morte, viveu feliz ao lado de suas mulheres, morreu feliz pensando nelas, e foi enterrado feliz da vida por ter sido amado por ambas com a mesma intensidade...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 13/06/2014
Reeditado em 15/06/2014
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