A senhora galinha da minha mãe

Mas se nem todo mundo nasce, eu só posso ter sido chocado no ninho da galinha da senhora minha mãe! Pense num azar que é a minha vida. Se assim não fosse, então não sei dizer, a não eu ter sido o dito cujo que arrancou pentei da venta da serpente que enganou Eva no Paraíso. O Cabra acordar todo desmiolado em plena sexta-feira treze, no sol do mei dia, sair de olho fechado cheio de remela, abrir a porta da geladeira, puxar a gaveta, mijar lá dentro pensando que está no banheiro, de frente para privada, com os pés descalços, sentindo o fresquinho do piso e, ainda desacordado, ouvir um rasgo de goela de uma veia banguela dizendo: _ Espritado! Sovaco fedorento! Puxe daí seu Zé Ninguém nascido de um ovo gorado! Pronto, o despacho tinha sido desfeito naquele momento. Acordei de testada com o gelo do congelador! Quando penso que não, tome um galo no meio da testa que não tinha tamanho. Ainda quis fazer o sinal da cruz, mas cadê força? As mãos estavam ocupadas em fechar a braguilha da calça e por desconto de pecado, pelo pingo do mei dia, pelo sopro do cão chupando manga verde em cima de uma pedra de fogo, de pés descalços, ameidiinha, por descuido nem tinha guardado os possuídos direito, mais ainda sem cueca e foi só a continha, o zip per me pegou por traição e enquanto eu gritava mais uma vez de dor, a veia lascava outro rasgo na porta da frente para toda a vizinhança ouvir: _ Chega, chega, chega, me acuda por favor, o Zé enganchou o morto-vivo no fleche da calça! Foi fechar a boca e a vizinha da frente que ia passando na hora, pegue da lapa de negra! O tamanho dos quartos e dos balangandãs: _Comadre, aja logo que o defunto já está escangotado, veja, tá mais roxo que meus beiços! Foi a conta preu resolver com mais de mil o problema. Fechei os olhos e puxei de uma só vez, já me sentindo aliviado. Na verdade, enquanto as duas proseavam, meti gelo pro bichinho adormecer, mas não teve jeito, saí rumo ao quintal puxando numa roladeira, não avistei que tinha uma praga de uma escada debaixo do pé de coco, foi só passar por debaixo dela cego de raiva e um desgraçado de um coco verde despencar de lá de cima e esparramar-se mesmo no meu dedão do pé esquerdo! No dedão que tinha uma unha encravada pra mais de mês, que não me deixava quieto. Também foi só o tempo da vista escurecer e meu corpo já no chão prontinho e para piorar a situação, de cara na lavagem dos porcos que a veia tinha acabado de ajuntar e ter colocado no cocho! Desacordado pela dor, me senti no inferno, pense, já via um bando de quenga cantando uma música que eu já conhecia de outros carnavais, uma mão bobo me fazendo carinho onde mais doía, mas quando a coisa ia começar a ficar boa, fui trazido para a realidade pela voz da veia a dizer: _ Levanta Zé! Levanta homem de Deus! Pronto, foi a palavra certa no momento errado. Falou em Deus, o diabo do cão me fechou a porta do inferno, só me sobrando a catinga de enxofre. Foi quando um balde de água na cara fez caroço de feijão sair pelo meu nariz, arroz pelos ouvidos e uma vontade de continuar desacordado.

De volta à realidade: um galo no meio da testa preste a cacarejar, o bigolim machucado sem dizer nada, o dedo do pé esquerdo desunhado, estrangulado, como bife pronto para ir para a panela, e agora? O inesperado! De cima do muro um gato preto a miar; no fundo do muro um cachorro a latir e na porta da frente um jumento de um cobrador a rinchar, para uma dor de dente que já corria atrás de mim fazia tempo. Era meio dia e meia hora, um sol de rachar, eu e minha sorte em plena sexta-feira treze, uma meia hora sem fim. E a solução? Voltar pra cama e deixar o resto do dia passar porque se nem todo mundo nasce, eu só posso ter sido chocado de um ovo goro colocado de propósito no ninho da senhora galinha minha mãe, ou, digo, da senhora galinha da minha mãe!