O DESPROVIDO

Oia só moço!

Estava eu andando despreocupadamente, pensando no meu futuro, de repente me bateu uma vontade danada de dar uma deitadinha Sabe como é quando a gente anda muito e fica cansado,

bate aquela vontade de se encostar um cadinho né?.

Foi aí que me bateu uma vontade de ter uma casinha,

que tivesse um colchão, nem que fosse um colchãozinho véio,

onde eu pudesse dar uma deitadinha daquelas só pra descansar o esqueleto, sabe, né? ...

Pois é, de vez em quando, eu tenho esses pensamentos, sabe?

Fico andando por aí e vejo as pessoas entrando e saindo de suas casas.

Aí fico pensando eu! Deve ser bom ter uma casinha, pra gente poder entrar e sair, que tenha uma porta que a gente pode abrir e fechar a hora que quiser...

E mergulhado nesse pensamento eu estava, quando avistei uma multidão, munidos de enxadas, picaretas, pás e outros objetos,

se dirigindo para uma grande área onde já se encontravam outras pessoas,portando os mesmos utensílios e já em plena atividade, estavam limpando uma parte daquela área.

Ai me bateu aquela curiosidade natural do ser humano, me aproximei e questionei. O que está acontecendo aqui?

_ Estamos realizando nosso sonho.

Um outro se aproximou e completou...

_ Somos cidadãos sem moradias e vamos fincar residencia aqui.

Achei que seria minha chance de ter aquele cantinho com o qual vinha eu sonhando a alguns minutos atrás.

Passou até a vontade de dar aquela deitadinha, sabe?

_Eu também sou um cidadão sem moradia, será que posso participar desse empreendimento?

_Claro, isso é um terreno de avanço, qualquer um que não tenha onde morar pode se juntar a nós.

Não pensei duas vezes.

Como eu não tinha nenhum instrumento cortante em mãos, peguei apenas quatro pedaços de pau.

Caminhei alguns passos pra la, alguns passos pra cá,

imaginei um quadrado onde coubesse quatro paredes

e finquei os pedaços de pau, um em cada canto.

Pronto! estava demarcado meu pedaço de chão.

Uauuu, Eu sou proprietário!!! pensei....

Agora era hora de elevar minha construção, mas como? Se eu não tinha nada!

Resolvi dar umas voltas pela cidade, quem sabe me inspiraria em algo para construir, meu tão sonhado lar.

Não precisei ir muito longe, usando meu sensor de captação de coisas

que outras pessoas acham que não serviriam mais para nada

encontrei em uma caçamba de lixo, um enorme pedaço de plástico preto, enrolei o danado de qualquer jeito, botei debaixo do braço, levei direto para o meu `terreno´.

Chegando la, finquei umas madeiras e joguei o plástico preto por cima.

Em instantes tinha eu montado uma bela cabana..

Claro que todo esse esforço me cansou muito, então tratei de estrear minha cabana.

Ai moço aproveitei pra fazer aquilo que eu já estava com vontade a algum tempo, aquela dormidinha, lembra?

Mesmo não tendo ainda um colchãozinho para esticar no chão, mas isso não foi problema, pois, o que não faltava naquele terreno eram folhas,

forrei todo o chão de minha cabana com folhas verdes, fresquinhas,

deitei e não pude deixar de ficar olhando para aquele teto preto

e imaginando uma linda casa com um teto de verdade, lustres pendurados, janelas com belas cortinas...

Não tive muito tempo para continuar pensando, devido ao meu grande cansaço, adormeci...

Acordei e resolvi dar umas voltas em busca de materiais para a construção de minha casinha. Nem precisei andar muito para me deparar com a construção de um enorme prédio de apartamentos, que já estava em fase de acabamento, resolvi dar uma olhadinha mais de perto, e percebi um amontoado de coisas, resto de madeiras entulhados em um canto da obra. Matérias estes, que imaginei, seriam jogados fora, me aproximei. Tinha ali alguns peões fazendo a limpeza do local

e contribuindo para o aumento daquele amontoado de coisas

Chamei um deles e contei-lhe minha história. Disse-lhe que eu era um cidadão sem moradia, mas que agora tinha um terreninho onde poderia construir uma casinha, e que, só precisava de um pouco daquele material que provavelmente eles iriam jogar fora.

Enfatizando sempre a vontade de ter uma casinha para morar, Sabe moço! uma casinha que vai ter uma porta, que eu vou poder abrir e fechar e entrar e sair a hora que eu quiser...

E agora só depende do Senhor, se me arranjar umas tábuas dessas,

o senhor estará me ajudando a realizar um sonho.

O rapaz até ficou comovido com minha história, mas, me disse:

_Moço eu sou apenas um ajudante nessa obra,

mas o senhor pode ir ali e falar com o pedreiro quem sabe ele pode lhe ajudar.

Me dirigi ao pedreiro e repeti minha história.

_ Moço acho até que você merece ganhar essas madeiras, afinal elas vão todas para o lixo mesmo! Mas eu sou apenas um pedreiro nessa obra, você vai ter que conversar com o encarregado.

Como eu tinha todo tempo do mundo, não me custava nada ir procurar o encarregado, me enfiei naquele prédio em construção já em fase de acabamento, até que encontrei o tal do encarregado, repeti pra ele, tudo que já havia dito antes ao ajudante e ao pedreiro.

_Rapaz,sua história me comove!

Acho que todo mundo tem o direito de sonhar em ter uma casinha,

mas não posso dispor de nada na obra sem autorização do engenheiro.

vá la dentro e procure o Dr. se ele liberar, o material é seu.

Me indicou onde ficava o escritório, e la fui eu:

Depois de algumas horas de espera, fui finalmente recebido pelo Dr. Engenheiro, como minha história já estava mais que decorada, não tive nenhum problema em repeti-la.

_ Claro meu rapaz, pode ir la e falar para o encarregado,

que autorize o pedreiro a falar para o ajudante que libere o material para você.

Voltei fazendo o inverso da procissão, até que o ajudante me disse:

_ Moço, pode levar sua madeira, e boa sorte na sua nova casa.

Me aproximei daquele monte de entulho e fui escolhendo o que tinha de ´melhor´ Cada tábua que eu pegava imaginava um cantinho da minha casinha sendo fechado, encontrei um pedaço de madeirite que logo vislumbrei, seria a porta da minha bela casinha, fechei os olhos por instantes e pude ver como ficaria linda. logo terminei de amontoar tudo que precisava, foi ai que me deparei com um novo problema, como carregar todo aquele material até meu ´terreno´?.

Como aquele pessoal da obra tinha sido muito legal, achei que não seria nada demais pedir mais um favorzinho, me aproximei do ajudante e disse:

_ Moço, não querendo abusar de sua boa vontade,

mas eu não tenho como levar esse material até o meu terreno, será que você poderia me ajudar?

_ Sinto muito mas sou apenas um ajudante e não posso me ausentar da obra, fale ali com o pedreiro

O pedreiro

_ fale com o encarregado.

O encarregado

_ Fale com o engenheiro

O engenheiro

Já meio de saco cheio (falo isso porque deu pra sentir no seu tom de voz) sabe´?

_ Está bem! Aguarde até o final do expediente e mandarei um motorista levar pra você.

Já era inicio da noite, quando acabei de jogar em cima do caminhão,

meu barraco em desconstrução, estava ainda em cima do caminhão quando, olhando todo aquele material, lembrei que eu não tinha como pregar tudo aquilo, pois prego nenhum eu tinha, e nas minhas idas e vindas pela obra vi muitos pregos jogados pelo chão.

Voltei a rezar toda ladainha.

E fui novamente beijar a mão do Dr. engenheiro.

Na minha concepção eu estava até ajudando a limpar toda aquela sujeirada de fim de obra.

O Dr. engenheiro já quase sem nenhuma paciência disse:

_ está bem! Pode juntar todos os pregos que encontrar pelo chão e leve.. leve tudo...

Juntei prego suficiente para pregar todas as tábuas de todos os barracos da nova comunidade que surgia naquele terreno de avanço.

Descarregamos meu barraco em desconstrução, e como já era tarde, e eu, tinha tido um dia muito cansativo e trabalhoso,

me joguei em cima das folhagens dentro de minha cabana de plástico preto, e dormi.

Acordei no dia seguinte, cheio de alegria, pois este seria o dia da construção de um sonho.

Sai da minha cabana de plástico preto e fiquei a olhar aquele amontoado de resto de madeiras, ai me deparei com um novo problema.

Jamais eu havia pregado um prego em toda minha vida, portanto não conseguiria edificar minha casinha sozinho.

Pensei em pedir ajuda aos meu vizinhos de construção.

Mas, todo aquele povo estavam igualmente a mim, preocupados em construir suas casinhas, portanto ninguém deixaria seus afazeres para me ajudar.

Então! Pensei eu, aquele prédio em construção estava já em fase de acabamento, portanto deveria ter ali alguém ocioso que poderia me ajudar a erguer a minha casinha.

Não tinha mais tempo a perder. Rumei para a obra.

Encontrei o mesmo ajudante, contei-lhe o meu problema e lhe perguntei. Você pode me ajudar?

Moço eu sou ajudante de pedreiro, alem de não poder me ausentar da obra, isto é serviço de carpinteiro, vá la e procure o carpinteiro.

O Carpinteiro.

_ Moço eu até gostaria de poder lhe ajudar, mas vai depender do encarregado, se ele autorizar!

O encarregado.

_Rapaz, acho até que não é impossível, mas, vai ter que vir uma ordem do engenheiro!

Ai fiquei um tanto preocupado, e perguntei!

_O seu engenheiro é o mesmo do seu colega pedreiro?

_ sim

Pensei comigo... Vixe! O Dr. engenheiro vai querer comer o meu figado...

Mas pensando bem o máximo que eu poderia ouvir era um NÂO!

Aí resolvi encarar a fera.

Fui até o escritório, Bati de leve na porta e fui enfiando a cara devagarzinho...

_ com licença Sr. Dr. engenheiro.

_ Mas! é você de novo? Em que posso lhe ajudar dessa vez?

_ Sabe Sr. Dr. engenheiro é que eu preciso lhe pedir só mais uma coisinha. Sabe?

Eu consegui meu ´terreninho´ consegui as madeiras e até os pregos que o senhor me deu, com todo esse bom coração que o senhor tem.

Mas ai eu me esqueci de uma coisa, eu não sei fazer uma casa, nunca preguei um prego em toda minha vida,dai eu pensei, sabe?

Quem sabe se o dr. engenheiro com todo esse bom coração que o senhor tem, não poderia me arranjar um de seus homens para que eu possa ter esse meu sonho realizado

Inacreditavelmente, o engenheiro não teve aquela reação que eu esperava e não me deu aquele pé na bunda que eu imaginei que levaria

_ Claro vá la e fale com o encarregado,

para que avise o carpinteiro que envie alguém de sua equipe para que lhe ajude, e boa sorte na sua casinha viu!

La fui eu de marcha ré, fazendo todo o percurso inverso e falando tudo aquilo que todo mundo já sabe.

No dia seguinte la estava minha casinha, prontinha, ficou bonitinha a danada...

Agradeci o trabalho daquele pessoal bacana que me ajudou.

Ai entrei na minha casinha e fiquei abrindo e fechando aquela porta,

feita com aquele pedaço de madeirite

abrindo e fechando... entrando e saindo...

_É tão bom ter uma casinha e poder abrir e fechar a porta

e entrar e sair na hora que a gente quiser.

Finalmente fechei a porta e fiquei ali dentro imaginando...

Agora tenho que mobiliar a minha casinha, primeiramente um colchão,

Hunn, um colchão! pode até ser um colchãozinho véio mesmo,

o importante é que vou poder dormir num colchão.

Uma semana se passou e nada de moveis, rodei por toda a cidade

parece que ninguém tava trocando moveis naqueles dias,

nem um colchãozinho véio eu encontrei.

Ai eu já tava de saco cheio, sabe?

Então, pedi para um vizinho meu fazer uma placa de ´vende-se`

E pendurei na frente da minha casinha.

Não demorou muito e apareceu um comprador.

_ Moço, vou te contar, foi dolorido me desfazer da minha casinha,

mas também pra que eu quero uma casinha? Se nem um colchãozinho véio eu tenho!

Peguei aquele dinheirinho e fui para uma pensão. Isso sim é vida, moço!

Ali tinha colchão, não era dos melhores, mas dava pra dormir gostoso. pena que não demorou muito o dinheiro acabou, e tive que sair.

E la estava eu novamente perambulando pelas ruas, quando dei de cara, com uma dessas caçambas de lixo, dessas que se vê em cada esquina,

uma daquelas onde encontrei aquele plástico preto que me serviu de cabana, sabe moço?

E sabe o que tinha dentro dela moço?

Um colchão novinho em folha!

Ai moço!

Me deu uma vontade de ter uma casinha.

Onde eu pudesse botar aquele colchão e tirar uma bela duma soneca!.

FIM