RASGO QUE NEM SOU BAÚ

"Titica, pode me chamar assim, todo mundo me conhece por esse nome, sou meia aperreada, mas é assim mesmo. Tomo remédio para os nervos. Como? Tudo bem, Francisca da Misericórdia de Jesus, mas pode me chamar Titica mesmo. Em briga de marido e mulher, melhor mesmo é fechar a porta e ficar espiando pelo buraco da fechadura, né não esse menino? É um canalha, isso sim, um mal encarado. Nunca prestou, nunca que prestou, sempre tratou ela com desrespeito. A coitada não podia ter amigos nem sentar na calçada, nem muito menos receber pelos menos a família em casa. Vivia trancada, vivia para satisfazer a vontade dele, mas fazer o quê? Em briga de marido e mulher, melhor mesmo é fechar a porta e ficar espiando pelo buraco da fechadura. Outro dia foi aquele puxa estica... Ela inventou de arrumar o cabelo e fazer as sobrancelhas, vestiu roupa nova e ficou esperando por ele que não chegou, não veio e todos davam com ele com outras, nas casa de recursos e com ela, pegue peia, pegue solavanco, pegue, num sabe, dona, assim, a gente via de longe os gritos, as coisas feias que ele fazia com a pobre, uma maldade sem misericórdia. Outro dia a gente estava sentado na calçada quando ele chegou com ela de carro, veio ciscando os pneus, desceu, abriu a porta, puxou ela pelo braço e pegue a jogar a cabeça dela no vidro do carro. Nesse momento senti o meu coração na boca, a pressão logo subiu que parti sem fôlego para colocar logo a pilulazinha debaixo da língua... Foi uma doidiça só, o povo da rua todinho vendo aquele ato tão feio ali mesmo. No outro dia, no canto do galo, me alevantei, fiz um caldo da caridade, esperei que ele saísse, porque já disse, em briga de marido e mulher, pois bem, fui pela porta dos fundos e ajudei ela a cuidar do corpo todo arroxeado. Foi quando ela me disse que ele tinha deixado ela numa estrada deserta, abandonada, por muito tempo. Os carros iam passando, ofereciam carona, ela não aceitava na esperança que ele voltasse para buscá-la, entendeu? Pois pense aí, pense... Vem até lágrimas querendo verter dos meus olhos! Ai minha palpitação, pressione aqui para ver se já estou ficando morna... Aqui tem vaporube, tem? Brigada, tenho alergia, meu nariz fica vermelho que nem pimenta, igual do dia que ela me disse que estava grávida, era uma alegria só... Três meses e a barriguinha já crescida, grávida, morta de feliz, quer dizer, viva de felicidade, uma graça, dizia ela... E o monstro mesmo assim nem respeitou, foi cachaça até umas horas e nessas cachaças chegou em casa, deu nela, deu com as mãos, deu com o rolo do macarrão, arrastou ela pelo chão e nem respeitou a barriguinha da coitada. Foi salva por mim pela porta dos fundos, porque já disse repito, em briga de marido e mulher, perna pra quem te quer. Durante toda a noite eu só ouvia a zoada das pancadas, a quebrança dos pratos e todas as vezes eu queria levar ela naquele lugar que apoia as mulheres que apanham dos maridos, mas nunca que ela quis ir, mas agora veio, veio e eu digo, digo que não sou baú... Um canalha, um monstro, um torto e pau que nasce torto, cresce, se desenvolve, é queimado e não se desenverga..."