157 - NO DIA EM QUE EU FUGI DE CASA...

Quando eu completei treze anos de idade, ganhei de presente de meus pais dois livros que incendiaram a minha imaginação, nunca mais fui o mesmo após lê-los e relê-los. Meu mundo se agigantou, cresci, cresci tanto que não mais me cabia dentro de mim, extravasei horizonte afora.

Carregava aqueles dois livros pra onde quer que eu fosse, duas preciosidades que eram tratados com o máximo de carinho e respeito, meus companheiros de longas noites de fantasias e devaneios, chegava ao cúmulo de dormir abraçado com eles.

E ainda hoje ao ler tais livros me ponho a sorrir do tamanho das minhas fantasias de outrora, da imensidão dos sonhos que povoavam a minha mente, e estes livros eram de Homero, a Ilíada e a Odisseia, livros empolgantes, de mil e uma aventuras, onde amigos e inimigos eram todos heróis, corajosos, destemidos, das vezes cruéis, das vezes preguiçosos, e não temiam a morte.

E nos meus sonhos comecei a me imaginar dentro daquelas aventuras, das vezes amigo de Heitor e Paris, das vezes amigo de Ulisses e Aquiles, a cada dia me debandava, ora para do lado dos gregos, ora para do lado dos troianos, passei a ler tudo sobre os gregos antigos e seus feitos.

Sonhava acordado, navegava por mares bravios destemidamente, corajosamente, e era implacável com os inimigos.

E aqueles sonhos foram agigantando dentro de mim, foram tomando conta da minha vida, sonhava avidamente com a Grécia dos tempos de Homero, rolava na cama em combates no mundo do sem fim, no imaginário das minhas sensações, nos meus delírios, no meu pavor, na minha covardia, na minha astúcia desafiando mares tempestuosos, deusas sedutoras, abismos colossais e intransponíveis, gigantes fabulosos, reis e rainhas de terras distantes, improvisava sagazmente nas terríveis batalhas em que participava, quando, finalmente, a minha espada estraçalhava todos os oponentes.

Uma ideia absurda foi crescendo dentro de mim, foi me envolvendo, foi me cativando, sonhava em visitar a Grécia, e este sonho foi de tal forma de mim se apoderando, que no secreto dos meus dias comecei a preparar a minha fuga, seria algo espetacular rumo aos lugares mais sagrados da Ilíada e da Odisseia.

Nos meus sonhos a Grécia ficava logo ali adiante, logo após o horizonte eu já me depararia com a Tessália, com Esparta, com Atenas, misturava as coisas, me via no desfiladeiro das Termópilas combatendo garbosamente ao lado de Leônidas e seus trezentos guerreiros, e eu sobressaia como o mais audaz, o mais intrépido entre todos os belicosos gregos.

Na frieza de um grande herói fui calmamente preparando a minha partida, iria viver a grandiosidade da minha epopeia, e numa madrugada de uma segunda feira qualquer, parti, preparei o meu cavalo marchador, coloquei em um saco os dois livros de Homero, algumas trocas de roupas, um pouco de pão desses feito em casa, com a cara e a coragem investi mundão afora, adentro, abalei junto com o amanhecer, quando os meus pais ainda estavam dormindo, naquele estradão silencioso eu vi o sol nascer, e as estrelas do céu se fundirem no azul celeste desaparecendo, e eu seguia a minha sina de herói, de já sonhando com o grandes embates.

Meio dia de jornada e nada de encontrar a tal Grécia, foi quando a má sorte me perseguiu, de longe eu vi um vulto que se mostrou conhecido se aproximando pelo estradão, opondo, era um vizinho, na certa vinha nos visitar, e tenho certeza que ele me reconheceu, me chamou, fiz de surdo, esgueirando por outros caminhos despistei, alonguei em meio aos arvoredos e cipoais pra longe dos olhos dele, e a jornada se fez longa e penosa, e o nosso herói já cansado, com fome, começa a descobrir que a vida aventureira é muito mais complicada do que se imagina, que as coisas não são tão fáceis como nos sonhos, são muitas as necessidades a serem suplantadas, que é preciso de muito sacrifício e força de vontade para vencer os grandes obstáculos.

O sol estava tão quente, mas tão quente que parecia que a terra toda tremia, olhando para o horizonte o ar dançava sobre a terra fugindo da sua quentura, suado, sedento, e com o meu traseiro já em brasas em face aos sacolejos do cavalo na longa cavalgada, quando num encanto um riacho apareceu, bebi águas aos goles e goles, meu cavalo também sedento se fartou, e na sombra daqueles arvoredos me arranchei, deitei na relva, o cavalo pastava calmamente, e eu que ainda não tinha encontrado a bendita Grécia, desarriei em sonos, sonhos e pesadelos, entardecia...

Sonhei que meu Pai saindo na minha procura tinha me encontrado desmaiado num sombreado, e subitamente fui acordado, puxavam os meus pés, era o meu Pai acompanhado de toda aquela gente vizinha, chegaram amontoados num jeepe, saíram ao meu encalço após serem alertados pelo vizinho calabar, saíram rastreando, rastrearam e me encontraram naquele cerradão dos Gerais, e toda aquela gente curiosa perguntavam o porque da minha fuga, amuei, retorci, contorci, aquietei, calei...

Meu Pai, sorrindo, ajuntou a minha pouca traia, um mequetrefe se ofereceu para conduzir o cavalo no volteio, eu agradeci a Zeus por terem me encontrado, já estava sem ânimo algum de conhecer a tal Grécia, a aventura se revelou um verdadeiro fiasco, de pouca duração e muita frustração, na carroceria do jeepe me acomodei, dormi, desmaiei, estava frouxo, exausto, sentia mesmo era saudades da minha cama.

Dias depois do acontecido meu Pai me perguntou pra onde era que eu estava fugindo, prontamente respondi:

- Eu queria conhecer a Grécia!

– O que?

– Era o meu sonho, queria conhecer a Grécia dos tempos de Homero!

– Ah, agora eu consegui entender o acontecido, aqueles livros fizeram mal aos seus miolos!

– Pai, na verdade aqueles livros me transformaram, me alargaram os horizontes, ao lê-los um novo ser se aprumou, me transformaram num sonhador.

E o tempo foi passando, meus cabelos branquearam, e eu ainda não conheço a Grécia, mas confesso que das vezes uma vontade insana invade meus pensamentos, encontrar uma maneira de voltar ao mundo dos gregos nos tempos de Homero... Quem sabe um dia... Uma viagem no tempo... Talvez...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 10/08/2013
Reeditado em 11/08/2013
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