O CASO DO SUMIÇO DE BALDUÍNO E DO CÃO CHAMADO PINGO

Balduino era sujeito aquietado, trabalhador, de pouca prosa, respeitador de mulher alheia.

Embora caboclo forte, espaduado, não era chegado em entrevero.

Quando voltava da roça gostava de encostar o umbigo no balcão do boteco do Armindo e tomar umas e outras.

Era bom para a família, mesmo quando exagerava uns tragos. Ao chegar em casa, meio borracho, passos trôpegos, ia conferir se os meninos estavam cobertos “a mode não pegá resfriado”, dava um beijo no rosto da Ernestina, com quem estava casado já se fazia anos e, só então, ia dormir.

Aconteceu que Balduino foi se perdendo na bebida. Cada vez bebia mais e mais. Já andava emborcando a marafa no gargalo, de tão viciado que estava.

De tanto beber, Bardo começou a ficar ruim do juízo. Teve até ocasião, coisa que não era seu feitio, que andou de olho grande na mulher do nego Sarmento, meeiro nas roças do Quintino, que percebeu o olhar de sem-vergonhice de Balduino para sua patroa e ameaçou lhe dar-lhe uns corretivos. Ficou só no diz-que-diz, já que Balduino, embora pacato, era muito mais forte e o nego Sarmento podia ser tudo, até corno, mas burro ele não era.

Sucedeu-se que, em certa ocasião, o tempo foi passando, as horas correndo e Balduino não voltou para casa. Amanheceu o dia e Ernestina percebeu que o marido não retornara ao lar. Ficou preocupada e foi ter com os pais de Balduino para avisá-los da ausência do filho. O velho Tibúrcio não demonstrou preocupação; não carecia; Bardo não era de procurar atrapalhação e barafunda. Florinda, a mãe, um pouco ao contrário, achou conveniente que fossem no boteco do Armindo ver se Balduino não estava por lá, manguassado. Ninguém achou necessário e decidiram esperar por mais tempo.

As horas foram passando e o final da tardinha foi se colorindo com o vermelho crepuscular, o sol mergulhou no horizonte e nada de Balduino. O verde da mata foi dominado pelo negrume da noite e sucedido pelo cinza da madrugada. As horas se passaram. O galo cantou e anunciou o amanhecer radiante e colorido. Mas o novo dia não testemunhou a chegada de Balduino. Só nha Florinda mostrava preocupação. Coisa de mãe.

Ernestina foi dar comida para a criação. Percebeu que Pingo não estava na soleira da porta, como de costume. Chamou o cachorro e não obteve resposta. Alimentados os cabritos, as galinhas e as vacas, voltou decidida a encontrar o cão sarnento. Bradou pelo nome do peste e nada do Pingo aparecer. Ficou lembrando-se de quando Pingo foi mordido por uma jararacuçu. O bicho ficou vários dias sem comer. Secou tanto que as costelas pareciam que estavam do lado de fora do corpo do animal.

Ernestina era parteira das boas. Sempre que ia aparar menino Pingo lhe acompanhava. Até parece que entendia as palavras. Era só ouvir que Tina havia sido chamada para atender parturiente e Pingo já se levantava para acompanhá-la.

A tarde chegou e nem Bardo nem Pingo deram o sinal da graça. A família reunida ao lado do fogão de lenha começou a demonstrar preocupação com o sumiço do cão. Ernestina acendeu uma vela para São Francisco, santo protetor dos animais. O velho Tibúrcio achou melhor chamar pelo compadre Teobano e pelejar atrás do cão sumido. O menino Jorginho, filho de Balduino, começou a choramingar e chamar pelo cachorro. A preocupação tomou conta de toda a família.

Lá pelas oito da noite eis que surge na soleira da porta o cão com ar cansado, sujo e com fome.

A família respirou aliviada. Jorginho sorriu para o cão. O ar de preocupação sumiu da cara de nho Tibúrcio e Ernestina correu para agradecer São Francisco, santo que realmente não falha.

- E o Bardo? Que é feito dele? Nem sinal do desgramado. Era a preocupação de mãe com o sumiço do filho.

- Ah! O Bardo daqui a pouco aparece. Não carece se preocupá. Se num vié hoje, manhã tá aí.

Ao lado do fogão de lenha Pingo dormia tranquilo.