Essa Não Colou! - IV

Há dias, Tônia extranhava o comportamento de seu marido. Nas horas das refeições permanecia calado, absorto em seus pensamentos, como se não estivesse fazendo parte daquela reunião importante para a família. Principalmente, porque sempre fora a hora em que punha em dia os assuntos, pelo fato de estarem todos presentes. Sempre dizia que “família que almoça reunida, permanece unida”. Todos já tinham notado o jeito diferente com que entrava em casa e saía, o modo como se produzia todo perfumado e elegante, muitas vezes deixando a própria família ainda jantando. Finalmente, estava dando “muita bandeira” como se fala nos dias de hoje.

Naqueles dias, José estava curtindo umas pequenas férias. Era quase Natal e tinha direito a um merecido recesso. “A vida de viajante é muito cansativa”, repetia sempre. “Não tem lugar certo pra dormir, nem comer, nem mesmo descansar um pouco, só estrada... só estrada... e à noite é que fica difícil para encontrar pousada, o jeito que tem é continuar rodando ou dormir no carro, sujeito a assaltos e outros perigos.

Às vésperas de Natal, as crianças já manifestavam o desejo de ganhar os presentes, já tinham noção de que não existe Papai Noel e que é aos pais que devem pedir. José prometera a si mesmo que faria um Natal feliz para a família. Guardara um dinheirinho para os presentes dos filhos e um bom presente para Tônia. Já havia algum tempo que não lhe trazia um vestido novo, uns sapatos da moda e precisava pôr isso em dia, mulher adora saber que foi lembrada pela pessoa que ama. Disso, tinha certeza. Era amado.

A Árvore de Natal, a um canto da sala, ostentava lindas bolas coloridas, anjinhos fofos, sininhos dourados, franjas prateadas e uma linda estrela vermelha no alto, brilhando às luzes multicores dos pontinhos luminosos de um pisca-pisca. Ao lado, Jesus Menino, o aniversariante, repousava na sua manjedoura, um bercinho de madeira e palhas.

A ceia da meia-noite estava pronta. A casa iluminada aguardava a hora da reunião. Tônia e crianças esperavam ansiosas o momento da troca de presentes. José havia saído para comprar e ainda não voltara...

_ Mãe, vou procurar o pai? _ pergunta Daniel.

_ Não, filho, vamos esperar mais um pouco. Talvez já esteja de volta...

Faltando uma hora para meia-noite, Tônia resolveu investigar aquela demora. Convidou a vizinha e saiu sem que as pessoas as vissem.

_ Tonha, já tenho visto ele vir daquelas bandas...

_ Que bandas? Não venha me dizer...

_ Não tô dizendo nada... só acho que é bom a gente ir por ali...

A poucos passos, estava um casal abraçado, aos beijos e resolveram se aproximar sem que as visse, pois não tinham certeza de quem se tratava. Qual não foi sua decepção, quando Tônia viu que o homem era o seu marido! Partiu, com toda sua dor, para desmanchar aquele romance de beira de estrada! Reuniu sua força interior às forças físicas e desenlaçou o abraço infame.

_ Seu cafajeste! Tarado! Sem vergonha! Tu não prestas! Safado! Não respeitas nem o dia de Natal!

Após o susto, José quis se esconder mas não teve chance, resolveu ajoelhar-se aos pés de Tônia, implorando:

_ Não foi nada, não, Toninha, não é o que você tá pensando! Vamos pra casa rezar um Terço em desagravo!

_ Tu vais rezar teu terço, mas é no meio dos infernos! Cachorro!

***

Maria de Jesus Fortaleza, 10/12/2012

Maria de Jesus
Enviado por Maria de Jesus em 14/11/2012
Reeditado em 14/11/2012
Código do texto: T3985008
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