"o caixão da meia noite"

Segundo o povo antigo, dá azar sair de casa em época de semana santa, ainda mais depois des doze horas da noite. Falam que: “a coisa fica solta e pode trombar contigo por aí”...

Vem acontecendo um caso estranho que até hoje não conseguiram explicar. Muita gente já quis tentar desvendar o mistério, mas... no meio da tentativa, sempre abandonam e voltam a estaca zero; e isso não é só com moradores do local não, vem pessoas de outros lugares para testemunharem ou ao menos, desmentirem os boatos. Só que não chegam ao epílogo da história, ou estória; desistem logo. É mais ou menos assim...

N´um lugarejo aqui perto da cidade; chamado Tamburiozinho, acontece uma aparição de deixar qualquer um de cabelo em pé, macabro mesmo. É assim...

A última vez que aconteceu, foi com um amigo do amigo que mora n´uma fazenda lá perto do lugarejo; o nome dele Marquinhos, mas conhecido pela alcunha de “Carapau” – na verdade é cara de pau – como na roça reduzimos partículas de nomes, para encurtar os assuntos, ficou carapau – então... Voltaremos ao assunto logo mais...

Há um burburinho tremendo percorrendo os quatro cantos; coisa incomum por aquelas bandas e uma novidade imperdível, principalmente pelos rapazes dali; um tanto quanto escassos de beleza feminina, quando ficam sabendo... ah! Desorientamo-nos! Então, quando esse amigo, soube da novidade que já se anunciara há umas três semanas, que chegaria ao lugarejo uma moça muito bonita vinda da cidade, parecia uma atriz de novela; não se falava em mais nada a não ser dessa moça. Chegando até atrapalhar o desempenho dos serviços na roça; só se falava nisso! O “f-o-d-ã-o” Carapau, muito esperto, se achando... acostumado a conquistar as mocinhas vindas das fazendinhas locais e adjacentes a procura de festas e divertimentos... apostou com os amigos que essa estaria no papo. Nem que para isso tivesse que passar no “lugar” – local onde acontecia as coisas – só para sair com a moça. Aposta feita e agora era só aguardar a chegada da estonteante atriz.

Passados os dias... n´um belo sábado de cansada labuta, sol castigando a pele sem piedade, mesmo cobrindo-a, queimava, ardia, só Deus... soube-se que a “bitelona” chegara. Segundo os rapazes, na hora que chegou o carrão, deu uma ida até o final da rua e manobrou voltando – parecia que estava fazendo o reconhecimento do local – desceu bem devagar, humilhando... e ladeou assim perto de uma árvore nativa que tinha lá em cima do passeio – parece que era um pau d´arco ou ipê - com o carro ligado ainda, desse o vidro escuro – mais bacana – e aparece lá dentro uma moça loura de óculos escuros grandes, tomando quase o rosto todo; um batom bem vermelho, provocante; parecia que estava com roupa escura; não dava prá ver porque ela ficou lá dentro assentada, dava prá ver só o braço; cheio de pulseiras e um relojão, muito bonito. As meninas ficaram com ciúmes da “bitelona” mas não podiam fazer nada. Não tinha como competir nem com o palito do fósforo dela, ainda mais... então era ficar ali só espiando...

Até que a moça chama uma das meninas e faz algumas perguntas; se informando a respeito do lugar, se seria ali mesmo o destino dela. Como a gente é assim... chamou um, vem a cambada toda... encostou tudo, tudinho mesmo! Nunca vi tanto criança junto; parecia tinham soltado uma creche. Aí a moça ficou ali abanando com um lenço o calor que fazia, mesmo debaixo da sombra da árvore; e foi logo mandando um menino daqueles comprar para ela uma garrafa de água mineral; vejam só: água mineral naquele lugar... ah! Com gás! O migô – menino – foi assim mesmo e voltou dizendo que não existia esse negócio lá não! Abafa o caso... e assim, pediu que lhe trouxesse um refrigerante mesmo, serviria. Tomou e logo perguntando onde ficava a fazenda do Sr. Elton; uns três ao mesmo tempo se prontificaram a lavá-la até lá – só para passear no carrão – não importando se depois viessem a pé; mas pelo menos teriam história para contar bem um tempão. Pois bem...

A moça aceitou e brucutu, dois entraram rapidinho dentro do carro e ficaram olhando tudo, até a moça entrar; porque aí a direção dos olhos só tinha um desejo; quanto mais eles teimavam para não olhar, mais os olhos queriam... e ficaram assim até chegar na fazenda; foi quando dispensou os boys e eles voltaram; olhando um bom tempo para trás na verdade. Ao chegar, viraram celebridade... juntaram ao redor bem umas trinta pessoas querendo saber como era a moça. Aí os meninos cresceram... tiraram a maior marra! Foi uma coisa... Bem passemos para o que interessa...

Essa festa lá era tradicional, muito conhecida e de vez em quando apareciam pessoas de fora para participar da festança. No começo, o pessoal achava que a aparição da moça, fosse isso, só uma aventureira, mas depois alguém chamou a atenção dizendo que essa moça é a que falaram que chegaria. Pois bem...

Chegada a noite... os ânimos se afloram...um movimento considerável, para o lugar, era considerável. Gente vindo de todos os lados... o som no caminhão da prefeitura – emprestado - da cidade mais próxima dali, ligado até o último volume e tome barulho...

Daí um tempinho considerável, chega Sr. Elton, esposa, filha e atrás, em outro carro a atriz. Estacionaram por ali mesmo, longe do burburinho e da bagunça; já foram encaminhando para o miolo onde já tinha até mesa reservada – se fosse pobre, ficava de pé até inchar as canelas – mas era Seu Elton e convidada...

E a festa prosseguia... Lá para tantas... a turma já estava por ali, com umas duas na cuca; surgiu o comentário: cadê Carapau! Será que ele vai ter coragem de atacar a moça mesmo? Um disse: Sei não! Outro arrisca: Do jeito que é cara de pau, é bem possível! O som rolava frouxo... algumas meninas já arriscavam umas balançadinhas daqui outras dali... os meninos convidavam as mais bonitinhas para um “bate-coxa” e a coisa estava indo...

Quando de repente chega o “f-o-d-ã-o”, o entusiasmado – só porque as moças do local não haveriam de dizer não para ele, pois era o mais apresentável e extrovertido – chega fazendo a que viera... todo cheio de si! Os companheiros, gostavam de uma baguncinha, foram logo estimulando-o a chegar junto da moça. Ficou por ali uns minutos, tomou mais um copo de cerveja e quando o som do caminhão tocou um forró daqueles pé de serra; ele partiu em direção da moça e convidou-a para dançar. A princípio ela ficou pensativa, mas depois, de tanto a amiga dar força, aceitou. Levantou aquela “bitelona”, Ô moça bonita! Estava começando bem; se ela dançasse mais umas duas músicas, a coisa daria certo – esse era seu pensamento. Dançaram mais seis músicas... E aí ia...

Até que o Seu Elton e a família resolveram recolher, fazia frio e segundo ele estava na hora. A filha do Seu Elton ficou para fazer compahia para a convidada que parecia está adorando a farra. Também pudera, depois de umas quatro doses, até eu...

E lá para as tantas, elas resolveram que já estava na hora de irem para casa, só que estariam com medo de ir sozinhas, pois além da avançada hora, não conheciam o percurso direito – nem mesmo a filha do fazendeiro. E para a surpresa de todos, adivinha quem foi convidado para acompanhá-las até a fazenda? É isso mesmo, foi ele! E adivinha se aceitou? Sim, aceitou! Não importando se iria vir até a pé. E foram...

Para a volta do cicerone; a filha do Seu Elton, acordou e pediu ao vaqueiro para encilhar um cavalo e entregasse ao rapaz. E foi feito...

Na volta, com a cabeça cheia de histórias/estórias para contar – mentiras certamente – veio todo faceiro, todo dono de si. N´uma altura da viagem – a fazenda ficava mais ou menos uma légua – seis quilômetros – do local da festa; e lá vem ele... lembrou dos conselhos sobre o lugar onde ia passar dentro de uns quinhentos metros e os arrepios tomaram-lhe o corpo inteiro, o cavalo sentido aquela adrenalina sentiu-se incomodado; ficando mais alerta ainda; ventas mais alargadas, vez por outra, as orelhas buscando informações, não paravam quietas; e o amigo, tentando acalmar o cavalo e a si próprio; tentando desviar o pensamento e passar no local sem problema algum, tranquilamente. Ao se aproximar do local exato onde as pessoas viam coisas estranhas; o cavalo é o primeiro a sentir algo estranho! Diminui a marcha e meio ladeando; agora as orelhas trabalhavam o tempo todo; os olhos vidrados; como se esperando a qualquer momento alguma coisa diferente do que era acostumado no seu dia-a-dia; o cavaleiro, naquela altura do acontecimento, rezava para passar logo dali e o galope seria certo até chegar na festa. Mas... a reza foi pouca e parece que os santos estavam todos ocupados acudindo outros por outras bandas que, o cavalo pára de uma vez, quase derrubando o cavaleiro e... eis que o cavalo bufando, soprando, inquieto e Carapau juntando as rédeas, dizendo palavras de ordem – ainda que em tom tímido – o cavalo sossegou mais e com rédeas curtas foi transpondo o local e n´um dado momento... aparece no lado esquerdo da estrada, no sentido de atravessar a estrada, um caixão preto flutuante... passando na frente deles, distância mínima, dando para ver perfeitamente que se tratava de um caixão, o Carapau junta as rédeas e deixa que aquela coisa atravesse de um lado para o outro, preto, flutuando... Só foi o tempo que ele atravessou, soltou as rédeas e deu um grito com o cavalo que por pouco não ficou sela e cavaleiro no chão. Em disparada, galope mesmo, pacata, pacata, pacata... e toma arrepio... N´um instante chegaram ao local da festa. Foi chegando e pedindo um copo d´agua; estava trêmulo e quase não conseguia falar. O cavalo, tiveram que acalmá-lo, pois o animal é muito sensível a essas coisas e eles sentem a presença de algo estranho há muitos metros de distância. Depois de alguns minutos, um pouco calmo, foi contar para a turma o acontecido. Falou do que viu passando na sua frente, o sufoco que passou; se o cavalo jogasse ele no chão, estaria perdido. E assim, a história/estória fora repassada mais uma vez e os antigos da região ratificando que depois da meia noite, se passar vai encontrar aquilo.

Daí em diante, nunca mais ninguém teve a audácia de desafiar aquele local depois da meia noite – nem por uma mulher tão encantadora - Ah! Carapau ganhou a aposta mas não quis receber; segundo ele não queria nada que viesse daquilo lá.

História ou estória; sei lá! Só você indo lá para comprovar. Vá lá!