A CAÇADA DAS MARRECAS

Seu João Quebra Queixo estava deitado em sua rede com o velho e macio lençol de bramante sob a cabeça, matutando sobre o dia que passara. Tinha ido ao roçado às 4 horas da manhã. Era em março. O milho já estava nascido e desenvolvendo bem. O feijão de corda também ainda estava pequeno. Se não fosse a lagarta que havia comido parte da plantação, não havia necessidade de fazer o replantio. Por isto ele estava matutando, porque na próxima semana teria que replantar os pés do legume que a miserável esfomeada havia devorado. Como era um dia de sábado à noite ele também estava pensando o que iria fazer no domingo, como lazer, porque também era filho de Deus. Pensou e pensou e lhe veio um estalo, como o do padre Antonio Vieira. Conversando com seus botões disse:

- Vou caçar marrecas amanhã na lagoa do Brozeguim. Está na época das bichinhas procurarem água para tomar banho e beber.

Naquela época de 1940, televisão nem sonhava em se ter no Brasil. Se não fosse um joguinho de vispora, baralho ou dominó junto com os amigos “o nego “tinha que dormir cedo mesmo. E neste dia não viera ninguém pra jogar. Nem o João Pretinho, nem o Chico Vermelho, ninguém. Então Seu João ficou à deriva na noite. Como ainda estava cedo - 7:30h da noite – Seu João Quebra Queixo chamou seu filho Jacó, que já conhecemos e começaram a preparar a espingarda lazarina, colocar pólvora no polvarinho, o chumbo numa pequena caixa e a bucha de sabiá que ele sempre tinha em casa. Preparado tudo, Seu João disse para Jacó que no dia seguinte ele não iria junto, porque era muito estouvado e iria espantar as marrecas se elas estivessem lá. O menino chorou, fez cara feia, mas Seu João foi inflexível:

- Você não vai, a lagoa é perto e eu me arranjo sozinho. Já bastam as marrecas que você poderá encher esta barriga, para ver se engorda mais.

Antes de raiar o dia, às 4:00 da manhã o Seu João acordou, bebeu seu café com tapioca e pernas pra que te quero, indo em rumo à lagoa do Brozeguim, que ficava somente a 6 km. As 5:00 horas com o cantar mavioso da passarada e o arrulhar da juriti, Seu João já estava debaixo de um cajueiro, pois em Itapipoca tem muito cajueiral. Ficou observando a limpidez das águas da lagoa, porque naquele tempo a poluição era bicho desconhecido e o homem só caçava para o seu sustento e de sua família. Bom, quando menos esperava surge um fenomenal bando de marrecas que foram pousando a uns 100 passos de Seu João Quebra Queixo. Então, ele falou:

- Eita meu Santo Onofre, hoje vai ser uma caçada daquelas. A espingarda já estava carregada e Seu João como soldado do exército vai se arrastando pelo chão, para aproximar-se mais do marrecal. A uns 20 metros já bem pertinho, não precisava nem mirar. Apontou a espingarda na direção das aves e apertou o dedo. As que se salvaram voaram e marreca quando voa depois de um tiro é difícil voltar e pousar no mesmo lugar. Então Seu João Quebra Queixo foi recolher as marrecas abatidas e juntou 103 aves. Ficou maravilhado. Quis, assim, fazer uma prece ao Senhor, pois teria o que comer por muitos dias.

Ajoelhou-se e agradecendo a Deus aquela benesse foi pondo as mãos postas e vapt...pega uma nambu ou como chama os sulistas uma perdiz.

- É muita sorte Senhor dos pobres e dos ricos.

Quando estava nesta prece de gratidão sentiu alguma coisa mexendo sob os seus joelhos. Meus amigos, Seu João com todas as juras de verdade, jura que estava com o joelho em cima de um tatu. Bicho grande e bonito.

- Ah, este também vai para a panela e pro papo.

Seu João Quebra Queixo jura que o fato ocorreu em 1940, em plena II Guerra Mundial.

Em homenagem ao conterrâneo Chico Anísio.

Antonio Tavares de Lima
Enviado por Antonio Tavares de Lima em 03/04/2012
Reeditado em 09/04/2014
Código do texto: T3592236
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