Dormindo e falando ou falando e dormindo...

Num ano da década de 1970, como aconteceria em vários outros, fui despachado para Brasília, com o propósito de participar da fase preparatória do Congresso Brasileiro de Telecomunicações daquele ano, na companhia de alguns colegas de diversas áreas da TELEPAR,  empresa à qual servi até a privatização - encerrei minha carreira na TIM, anos depois.

No mesmo apartamento do hotel, fiquei hospedado com um colega da área financeira, assim como eu, e outro da engenharia. Na cama do meio dormia o colega da financeira, à sua direita o da engenharia e à esquerda, eu. A semana inteira.

Passávamos o dia no Palácio Itamaraty, em cujas dependências se desenvolviam os trabalhos dos grupos multidisciplinares, que preparavam e discutiam os temas a serem levados posteriormente ao plenário do congresso. À noite saíamos para jantar, porque ninguém é de ferro, e depois voltávamos ao hotel para o sono dos justos.

Na segunda noite, o fato inusitado.

Como tenho o sono leve e, naquela época, era menos surdo do sou hoje, acordei no meio da madrugada, ouvindo vozes. Fiquei quietinho, prestando atenção e tentando entender o que estava acontecendo. Será que conversavam no corredor àquela hora? Que bagunça de hotel era aquele?

Percebi então que a fonte do som estava no próprio apartamento. E que apenas uma pessoa falava. Uma língua estranha. Não dava para entender nada.

Abri os olhos devagar, e fui olhando na direção do som. Apesar da pouca claridade, distingui a silhueta do colega do meio, o da financeira. Para meu espanto, ele estava de barriga para cima, balbuciando palavras indecifráveis. Parecia discutir com alguém. Às vezes um pouco mais agressivo, ora mais calmo. Em alguns momentos posicionava o dedo indicador da mão direita ligeiramente em riste.

Com os olhos já acostumados à penumbra, ergui a cabeça, tentando enxergar o colega da engenharia. Dormia feito uma pedra. Por alguns minutos permaneci calado, tentando entender melhor a situação. Que língua era aquela, que me intrigava? Estará mesmo dormindo? Resolvi entrar no jogo e perguntei:

- Quem é você?

- Blá blá blá, blu blu blu, blá blá blá...

- De onde você veio?

- Blu blu blu, blá blá blá, blu blu blu…

Não se entendia nada de nada. Com muita vontade de rir, fiz ainda algumas perguntas e as respostas eram sempre as mesmas - se é que eram de fato respostas.

Em dado momento, porém, não houve mais réplica. Silêncio. Fiquei analisando a silhueta antes falante, segurando o riso. Foi então que ele, letargicamente, voltou a cabeça para o meu lado e em seguida para o outro. Virou-se na cama, dando-me as costas, e na posição fetal continuou o seu sono. Agora, mudo.

Eu, gargalhando silenciosamente, tratei de adormecer. Dormi pensando: vou contar isso para todo mundo. Ninguém vai acreditar...

Acabei de contar para o mundo todo. Vão acreditar?

João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 22/03/2012
Reeditado em 16/11/2020
Código do texto: T3569156
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.