Trote na polícia

 

Não sei qual - ou quais - dos Hey participava(m) dessas aventuras. Mas que tinha Hey na história, tinha. Quando o meu pai a contava, referia-se à “turma dos meus tios” e não à “turma do meu pai“. Assim, permito-me de antemão isentar o meu avô Guilherme. Logo, todos os outros filhos homens do Felipe, meu estimado bisavô, podem ser imaginados na lista dos suspeitos.

 

Alfredo, Arnoldo, Augusto, Christiano, Frederico, João, Pedro, Roberto ou Theodoro - coloquei na ordem alfabética para não forçar qualquer inferência apressada ou conclusão equivocada. Quem teria participado da travessura? Um, ou mais de um?

 

Ainda corria o século XIX. A patota de não sei quantos, talvez seis ou sete, reunia-se nas noites quentes de verão no final da rua que ladeia o lado direito do Cemitério Municipal, num morrinho que existia defronte às atuais capelas mortuárias. No início dessa rua, no largo onde hoje é a pracinha do skate, também apelidada de praça do Gaúcho, as duplas da polícia montada, que faziam ronda na região, encontravam-se para dar um descanso aos cavalos e um dedo de prosa.

 

Como cabeça vazia é a oficina do diabo, uma noite os rapazes tiveram a ideia de aplicar um trote nas autoridades. No alto do morrinho deram uns tiros de pistola. Os policiais, pensando que se tratava de uma briga ou coisa do gênero, galoparam na direção dos disparos. Quando chegaram ao final da rua, não havia ninguém. Deram uma boa olhada pelo local. Nada de mortos ou feridos. Sem testemunhas para interrogar, voltaram a passo para o ponto de origem.

 

Do seu esconderijo, os meninos a tudo assistiram e gozaram em silêncio o resultado positivo da traquinagem. Divertiram-se tanto que resolveram repetir a brincadeira em várias outras ocasiões.

 

Iam para o morrinho, gastavam a munição e corriam esconder-se para apreciar a galopada. A polícia, por dever de ofício, comparecia, investigava superficialmente e voltava. Tudo muito engraçado. Uma aventura divertida, vivida sem tropeços e, aparentemente, sem riscos.

 

Uma noite, entretanto, os tiros saíram pela culatra. Ou porque houve denúncia ou por terem percebido a movimentação do grupo, os policiais deixaram os cavalos na praça e adiantaram-se a pé, de mansinho, por entre os túmulos do cemitério. O objetivo era fazer o flagrante e encanar os travessos.

 

Só quando dispararam os tiros, os levados rapazes deram-se conta da enrascada. Os guardas já estavam em cima do lance, saltando o muro baixo do cemitério de dentro para fora. Foi um salve-se quem puder. Cada um correndo para um lado, tentando resguardar a própria pele. Faltaram campos para correr e cercas para pular. E milharais e quintais para se esconder.

 

Ninguém foi preso, mas a lição e o susto ficaram para sempre. Durante muito tempo o morrinho deixou de ser o local das animadas reuniões da turma nas noites de verão.

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N. do A. - Na ilustração, veículo para transporte de presos da Polícia do Estado do Paraná em 1909.

João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 02/02/2012
Reeditado em 26/12/2021
Código do texto: T3475966
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