102 – CHOVE SOL NO ESCURO DA MINHA ALMA...

Certas coisas que acontecem em nossas vidas e por serem bizarras tornam-se inesquecíveis. Certa vez, à noite fui ao rancho de um amigo, rancho este situado nas margens do Rio Grande que fica na divisa do estado de Minas Gerais com o estado de São Paulo, o pessoal que por lá se reúne gostam e muito é de jogar truco.

Lá chegando, encontrei com a minha noiva que me recebeu de alma e coração em festas, tão amorosa, tão meiga, mas tão ciumenta, uma espanhola da família Gimenes, acompanhada estava de seus pais e logo me apresentaram um homem gigante pra mais de dois metros de altura e outros tantos de largura, um alemão, parecido, quase quebrou a minha mão quando me cumprimentou, as minhas costelas estralaram no abraço daquele imenso tamanduá, ele da indústria de equipamentos para usinas de álcool e açúcar, sua esposa, uma morena de olhos azeitonados, sorridente, proseira, esticou conversa, mas o que eu queria mesmo era ver o pessoal jogando truco.

Estava tão concentrado nas jogadas que nem percebi quando a esposa daquele alemão me agarrou pelo braço e olhando para a minha noiva:

- Você se importa que o seu noivo seja o meu parceiro no jogo de truco?

– Claro que não, fiquem à vontade!

Combinamos os sinais das principais cartas do baralho, e já fiquei encabulado, ela me disse que sob a mesa daria toques na minha perna, um toque: zape, dois toque: sete de copas, um toque à esquerda: espadilha, um toque à direita: sete de ouros, etc. etc...

A dupla que completava quinze pontos era a vencedora, e assim os perdedores iam dando o lugar para as novas duplas.

Estávamos com sorte no jogo, eliminamos várias duplas, a cada vitória ela me abraçava apertado, comemorando, a cada abraço sentia o meu noivado desmoronando, esperta, ela dava os sinais combinados corretamente, um toque, dois toque, no conforme das cartas que possuia, mas em um determinado momento senti o seu pé subindo, subindo, esfregando nas minhas pernas.

Mama mia me acode! Ainda bem que a mesa estava forrada por uma enorme colcha que descia quase até ao piso, praticamente impossível que alguém notasse o que ocorria debaixo daquela mesa.

E o seu pé foi escorregando por entre as minhas pernas, ai aiai aiai, eu olhava para o marido dela, aquele monstro na certa iria me triturar, imaginava que daqui sairia direto para o cemitério, olhava para minha noiva, só conseguia ver a sogra me olhando tal qual uma cascavel hipnotizando um descuidado rato, senti o perfume daquele pé macio, tépido, esfregando entre as minhas coxas e entre elas suavemente se apoiou.

Procurei pela minha noiva e sua família, já não mais os vi, adeus noivado. Sentindo a vida por um fio, estremeci, a mulher do alemão sorria da minha agonia, eu queria mesmo era sair correndo dali, ficava imaginando se o marido desconfiasse de alguma coisa, pra escapar daquela fera teria que atravessar o Rio Grande a nado, e naquele trecho o rio possui uns trezentos metros de largura, já me sentia mortinho, mortinho, afogado. Para complicar o meu bilau estava gostando daquele toque toque sinalizador, começou a arvorar grandezas, eu implorava para que ele ficasse quietinho, ele, sem juízo algum não estava nem aí com o meu constrangimento.

Mãe! Me acode! Estou correndo risco de morte, pensava. Comecei a cometer os mais absurdos erros para que fossemos eliminados o mais rápido possível, mesmo assim íamos ganhando de todos, mais abraços, mais apertos, tudo na boa comemoração das vitórias, e ela sempre sinalizando, um toque: zape, dois toques: sete copas, etc... Tantas vitórias, aquilo só poderia ser armação do tinhoso que adora ver o circo pegar fogo, até que por fim dei um murro na mesa e truquei roubando, esbarrei com os adversários armados até os dentes com as maiores cartas, tomei um seis, repiquei um nove e eles doze, perdemos, para o alívio do meu coração, dali saí rapinho e no caminho esbarrei com a minha mãe:

- Muito assanhado você hoje! Heimm?

– Cadê a minha noiva?

– Ela está aqui! Minha mãe estendendo a mão me entregou a aliança do noivado.

– E olha aqui! Nós amamos aquela moça, juízo nesta sua cabecinha, nem a luz de velas você encontrará outra moça que chegue aos pés da espanholinha.

Noivado acabado, minha mãe me atazanando com mil recomendações, a saudade já machucando, de volta pra casa entristecido arrastei imensidões de estradas. E a Espanholinha até hoje não me perdoou, das vezes ela passa por mim, meu coração se faz em festas, mas ela não me vê, se vê, finge que não vê o meu olhar mendigando o seu amor e na distancia em nada ela se faz, mas no meu imaginar ela persiste e isto é tão pouco, mas é o bastante para que haja momentos de felicidades na minha vida, ao vê-la, chove sol no escuro da minha alma...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 20/09/2011
Reeditado em 25/11/2011
Código do texto: T3230365
Classificação de conteúdo: seguro