095 - O PRISIONEIRO E A CRUZ...

Passado talvez meses do acontecido fui visitar um amigo que sofrera um violentíssimo acidente com a sua motocicleta, face aos ferimentos em sua coluna vertebral acabou por ficar paraplégico.

Ao vê-lo na cadeira de rodas meu coração tremulou em piedades que na face se estamparam, aquele rapaz praticava esportes, gostava de disputar maratonas, cheio de saúde, musculoso, agora murcho, abatido, mesmo assim sorrindo me recebeu:

- Meu amigo, sempre pergunto a todos por você, talvez um dos poucos amigos que ainda não me visitaram, até pensei que tinha algum receio de me ver nesta situação.

– Não é bem assim, estive no hospital, mas você estava sedado, por um bom tempo fiquei ao seu lado, depois os afazeres me ocuparam de tal forma que fui adiando, adiando a visita, mas o que importa é que estou aqui e estou vendo que você está muito bem!

Deus meu! Tem certos momentos que mesmo com a melhor das intenções a gente usa palavras erradas, e depois não tem conserto, não tem jeito de reparar, não adianta tentar remendar, porque será que tive que dizer, “ você está muito bem”.

– Se você acha que eu estou muito bem, como é que eu estaria se você concluísse que estivesse muito mal, onde está o muito bem? Eu não consigo ver este muito bem, meu corpo da cintura para baixo está praticamente morto, sem sensibilidade alguma, e eu não sei como que estar assim é estar bem!

Pensei comigo, tudo o que eu falar agora só irá piorar o clima, só irá complicar a situação que já está muito complicada, fiquei calado, um silêncio esquisito, desarrumado, constrangedor assomou em tudo e em todos que na sala da casa estavam. Ah! Se eu pudesse voar, desaparecia dali naquele instante, mas tive que suportar o mal estar, olhei para as paredes, vários troféus, vitórias suas nas maratonas, sobre o aparador, fotos e mais fotos suas em disputas esportivas, e eu nem sei por que olhei para aquelas fotos, estava meio perdido, a minha situação era sofrível e olhar aquelas fotos foi um desafogo.

– Vê, olha mais para as fotos, e olha para mim, compara, será que é a mesma pessoa? Hoje sou um traste, um amontoado de sofrimentos, um prisioneiro de mim mesmo, e o pior de tudo dependendo de todos até para as mínimas coisas! Não tem prisão pior no mundo que ser prisioneiro de um corpo quase morto, você olha para o horizonte e deseja até lá chegar, sonho inútil, e uma revolta surda pesa alma adentro no ferir, você sente a brisa no rosto e ao vê-la seguir, tem desejos de segui-la, mas como? Então a gente tem que se conformar que nunca mais andará. Amigos e amigas que sempre vinham me visitar agora raramente aparecem, e o pior, o mais humilhante, é quando você faz as suas necessidades fisiológicas na roupa e nem percebe, alias você nem desconfia, mas o mau cheiro que exala denuncia. Isto é vida? Isto é um martírio, é o pior dos castigos, mil vezes melhor se tivesse morrido naquele acidente, não estaria sofrendo tanto assim...

Lágrimas rolando naquele rosto desesperado, águia de asas quebradas olhando para o céu implorando por um milagre! Em meio a tantos soluços ele emudeceu, nem se quisesse continuar falando não conseguiria.

Uma secura apoderou da minha boca, queria dizer palavras encorajadoras que acalmasse aquela alma transtornada, queria dizer que temos que aceitar e enfrentar todos os problemas que aparecem em nossa curtíssima jornada, a única coisa que consegui foi abraçá-lo, choramos juntos, juntos todas as pessoas choraram.

E foi neste instante que me lembrei da história da cruz, olhando para o piso comecei a falar com a voz embargada e trêmula...

- Em um outro mundo, em uma outra realidade, todas as pessoas que lá viviam carregavam uma cruz, uns carregavam cruzes pesadas, outros cruzes mais leves, cruzes compridas, outras mais curtas, enfim de uma maneira ou de outra todos carregavam a sua cruz... Uma mulher em altos brados reclamava que a sua cruz era muito pesada, que a sua cruz estava ferindo o seu ombro e que não era justo carregar tanto peso...

Alguém lhe disse:

- Porque você não reclama diretamente para o Senhor Deus, ele esta logo ali na frente inaugurando escolas e hospitais.

A mulher alcançando o Senhor Deus, beijou a sua mão e disse:

- Senhor me deste uma cruz muito pesada, e eu não estou suportando carrega-la!

O Senhor Deus apontando para uma determinada direção disse:

- Vê, lá na frente tem um depósito de cruzes, vá até lá deixe a sua e escolha outra do seu agrado!

A mulher apressada lá chegando, abandonou a sua cruz e foi escolhendo, escolhendo, escolhendo, até que por fim achou uma cruz do seu agrado, na medida certa e no peso desejado, correndo foi ao encontro do Senhor Deus!

– Senhor muito obrigado, mas muito obrigado mesmo, me aliviaste o sofrimento! :

- Não sei por que me agradeces? :

- Agradeço pela nova cruz!

– Por isto você não precisa me agradecer, olhe bem para a cruz que você vai carregando, é a mesma que você sempre carregou, o que é seu é seu, não posso transferir para outra pessoa! Caríssima, lembre-se que quanto mais leve for o seu coração, mais leve será a sua cruz!

O meu amigo no silêncio ponderou:

- Eu entendi o que você quis dizer, esta é a minha cruz e somente eu posso carregá-la, que dependendo da minha maneira de lidar ela poderá ser mais leve ou mais pesada...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 25/08/2011
Reeditado em 01/09/2011
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