CONTANDO ESTRELAS

 

 

 

Certa vez, um frei franciscano que vivia em uma colônia de doentes de hanseníase, recebeu um deles, procedente da floresta amazônica. Acolheu-o com a ajuda de uma enfermeira e juntos, fizeram os primeiros curativos, o suficiente para deixá-los fatigados tal a situação deplorável em que se encontrava o doente.

Assim, logo após o jantar, o frei buscou o merecido repouso em seus aposentos. Já estava num sono profundo, quando percebeu alguém batendo insistentemente à sua porta.

Deparou-se com o doente que, apesar do rosto completamente deformado mantinha ali, um largo sorriso. Apesar do corpo em ruína, sua alma resplandecia. Ele olhou para o frei e disse:

- Frei, o senhor o senhor tá muito cansado?

- Não! diz o frei.

- Sabe, frei, eu vim da floresta e eu tô com saudade das estrelas. Eu tô com saudade da lua. Eu tô com saudade do céu que eu via lá na floresta. Aqui tem muita luz, fico atrapalhado, mas mesmo assim... tô vendo as estrelas. E como hoje o céu tá muito estrelado eu tenho uma curiosidade, Frei. Lá na floresta eu vivia perguntando, mas nunca  ninguém nunca conseguiu me responder. Como o senhor me deu atenção eu queria que respondesse a minha pergunta:

 - Quantas estrelas têm lá no céu?  

- Nunca ninguém me fez essa pergunta, pensa o frei. Como é que um homem corroído como esse, quase que apodrecido na aldeia, que chegou aqui num estado que ninguém queria vê-lo, tocá-lo... Como um homem que nunca experimentou o cuidado tem ainda sensibilidade para ver além dele próprio e seu infortúnio? Como consegue ainda enxergar as estrelas como um mistério da criação e fazer uma pergunta existencial? Afinal, não é uma mera pergunta estatística: Quantas estrelas têm no céu?

Era impossível dizer para aquele homem à sua frente que não sabia quantas estrelas havia no céu. E  lhe responde:

- Olha, é o seguinte, eu não sei... mas desconfio que é uma coisa que nós podemos saber. Vamos tentar contar? E o levou no pátio, e disse:

- Olha: eu monto uma cruz no céu, assim: duas partes aqui, duas partes .... você conta essa parte e eu conto a outra.

E aquele homem que quase não tinha mais rosto... tinha olhos e sabia contar. E começou devagarzinho, um dois, três quatro... E o Frei rapidamente seguiu em frente: uma, duas, três... duzentas, duzentas e quarenta...mil, mil e quinhentas, e o homem passando... Num determinado momento, o frei lhe pergunta:

- Quantas estrelas você contou aí?  O Frei tinha duzentas e ele um milhão e trezentas.

Então, disse-lhe o frei, você soma esse total aqui com esse outro...  O Universo deve ter quatro vezes esse tamanho e então deve ter mais ou menos uns vinte milhões de estrelas. Tá bom?

Ele falou: - Tá bom!  

- Agora sim, podemos dormir. Boa noite!

E não demorou muito... o Frei escutou novamente o toque em sua porta:

-Já passava de meia noite... Era novamente o mesmo homem dizendo:

- Frei,  não consigo dormir.

- Mas você está com muita dor?

- Não, eu tô muito feliz. Tô muito feliz, porque pela primeira vez na vida alguém contou estrelas comigo. Pela primeira vez na vida alguém teve tempo pra me falar das coisas que eu sempre quis saber. As pessoas pensam... Tá certo, a doença pode ter feito de mim um refém, mas ela não tirou a vontade que eu tenho de conhecer a vida, de conhecer as coisas do mundo. Ainda posso compor e cantar a vida...


(conto baseado numa história verdadeira)









heleida nobrega
Enviado por heleida nobrega em 08/07/2011
Reeditado em 08/07/2011
Código do texto: T3083128
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