O VELHO E A RAPOSA

No passado como não havia nenhuma cobertura assistencial aos idosos, os pobres coitados viviam a mercê da sorte. Como no dizer popular, comeram o pão que o diabo amassou.

Nos anos setenta do século passado conheci um pobre velho, casado com uma mulata que poderia ser sua neta. Pobre e com pouca saude seu João vivia momentos terríveis tendo que trabalhar sem forças, para sustentar a esposa, dois filhos, e um enteado que ganhou de brinde ao se casar com sua Teresa. Uma caipirona de origem indígena, analfabeta de corpo e alma, com sotaque mateiro e uma pronúncia primitiva de quem viveu no tempo da pedra lascada longe da civilização.

A extrema pobreza em que vivia o casal somado ás limitações do pobre velho, o levaram a uma condição de ranzinza intolerante amargo e ainda por cima pão duro. Chegava a rachar os palitos de fósforos ao meio para economizar. Morando a dois quilômetros de minha residência, tomei conhecimento de suas dificuldades, através de vizinhos passei doá-lo um pouco de leite. Tereza o buscava diariamente, acompanhada pelos filhos. Sua pobreza de espírito era tamanha que certo dia com seu vestido pelo avesso, minha esposa não querendo constringi-la disse com muita sutileza: - Tereza você se enganou vestiu a roupa pelo avesso! – Não sinhora inganei não, crontece quere tava munto chujo, ieu fiquei cum vregonha, vistí de zavessa pru mode qui tá mai limpo dotrabanda!

O marido dizia ter cinqüenta e oito anos de idade, fazia varias décadas que completara tal idade e parou por ai durante mais de cinco anos morando por La nunca fez aniversário permanecia com seus cinqüenta e oito.

Residindo a margem do córrego água quente criava belos frangos caipiras, vendidos na cidade para ajudar no seu mísero orçamento. Tereza implorava para abater um frango, pelo menos no domingo, ele não permitia. Na sua ausência enquanto trabalhava cortando lenha para a carvoaria, Tereza e as a crianças comeram todos os frangos, queimando as penas para não deixar vestígio. O pobre velho não ganhou nem o cheiro. -Tereza ancê viu o frango pedrêis? Num to veno ele!

- Vi não jão!- Noutro dia-, Tereza ancê viu o frango carijó?

– Vi não jão! Muié ancê zela das galinhas muié! Mais algum dia-, Tereza ancê viu o frango marelo? –Uai jão isquici de cuntá pucê tem ua raposa preta pegano os frango, a maivada come inté as pena deres! Inquanto ieu vô busca o leite pus mininu La no Gerardim a maivada pega. Vai imté cumê tudim!

- Tereza contava pra gente e ria se vangloriando por enganar o pobre velho.

Quando criaram a lei beneficiando o trabalhador rural com meio salário de aposentadoria. Vários idosos me pediram ajuda para requerer seu beneficio dentre eles seu João. Então eu lhe disse:- Seu João como fará o senhor só tem cinqüenta e oito anos, a lei é acima de sessenta e cinco! – Eu vou ver acho que tenho um pouco mais. Quando o velho veio com sua certidão,oitenta seis anos.—Que bom seu João o senhor tem idade de sobra pode até arrumar um pouco pra quem não tem!

O velho não disse nada e ficou felicíssimo como muitos que tive o prazer de ajudá-los, pobres coitados que trabalhavam arrastando o peso da idade. Apesar de ser apenas meio salário foi de grande valia para aquela gente tão sofrida, uma benção de Deus, concedida através do governo.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 21/03/2011
Código do texto: T2861134
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.