MAURICÉLIA E O SANTO ANTÔNIO
Mauricélia era uma menina tímida, cheia de sardas e morava numa dessas cidades do interior com um auto-falante na praça.
Todos os dias, voltava da escola, fazia o dever de casa e ía para perto da janela. Ficava sentada por horas num velho sofá, olhando o movimento da praça.
Às seis da tarde, o auto-falante anunciava a Ave-Maria, logo depois fazia propaganda das lojas locais e entre um intervalinho e outro tocava uma música romântica oferecida para uma moça da cidade, por algum rapaz!
Mauricélia suspirava e imaginava o dia em que toda a cidade ouviria seu nome antes da linda música oferecida por algum rapaz que a amasse!
Todo dia era assim, mas hoje tudo haveria de ser diferente!
Debruçou-se no peitoril da janela e ficou a sonhar! Na hora da Ave-Maria, desfiou uma reza, mas o santo de devoção foi Santo Antônio.
Primeiro olhou dos lados pra ver se não tinha ninguém olhando e cochichando com o santo, tomou-lhe o menino Jesus de suas mãos. Ralhou com o santo para que lhe arranjasse logo um namorado, mas depois desculpou-se. Afinal de contas, como o santo lhe atenderia se estivesse brigada com ele!
Coçou a cabeça e disse com jeitinho para o santo dar uma voltinha pela cidade, encontrar um moço bem apessoado, enquanto ela cuidava do menino Jesus Cristinho, e que ele não voltasse de mãos abanando...Ai...ai... ai...ai...ai...
Já tinha passado uma semana e nada de namorado...
Sua melhor amiga lhe disse que não bastava tirar-lhe o menino... Tinha é que afogar o santo na água, de cabeça para baixo!
Ai, Deus do céu... Que sacrilégio... Mas é para uma boa causa, pensou!
Encheu um copo com água e rezou a Santo Antônio... Olhou bem para ele e disse em tom severo, que já estava a uma semana andando por aí sem nada encontrar... Que merecia um banho, pois devia estar cansado, e cheio do pó da estrada! Fez o sinal da cruz, pediu desculpas, deu um beijinho no santo, e virando o rosto de lado para não ver o afogamento, colocou o santo no copo, que afundou de cabeça para baixo...
Mais uma semana na janela e nada de aparecer o tal moço e nem a música anunciada...
A amiga, já com dó, foi até o locutor do auto-falante e entregou-lhe um bilhete, dizendo ser de um moço oferecendo uma música e pagou um real.
Mauricélia, entre suspiros, ficou toda emocionada e quase caiu da cadeira quando ouviu o seu nome! Benevides oferecia uma linda música à moça mais linda da cidade, Mauricélia, de fita rosa na janela, com todo o seu amor...
Quem era Benevides? Pouco importava! A música era linda e bem romântica...
Correu pra acudir o santo, enxugou-o com a toalha, devolveu-lhe o menino Jesus nos braços, abraçou e beijou o santinho, rodopiando pela sala com ele nos braços e fez-lhe um lindo altar...
Nessa noite nem dormiu de tão feliz e ficou de olhos abertos a sonhar...
Nos outros dias que se passaram, nem sinal do tal moço...
Mauricélia continua na janela. Pobrezinho do moço- pensa ela, deve ser tímido de dar dó, feito eu...
Agora seus dias são alegres, cheios de esperança... Melhor pensar que tem alguém que a ama, do que não ter ninguém pra sonhar...