A Força da Lei

A FORÇA DA LEI



Nos idos de 1908, meu tataravô (ou tetravô, como queiram), o alferes Antônio José de Sales era grande latifundiário no sertão paraibano. Dono de inúmeras datas de terra, ex-senhor de escravos e também dono de muita astúcia, (um autêntico morcego), não costumava deixar barato alguma peça que, porventura, alguém lhe pregasse. Foi então que aconteceu:
Certo dia, um entardecer de verão, estava o velho alferes no alpendre de sua casa, na antiga fazenda Pinhões, no hoje município de Livramento-Pb., a se embalar em sua branca rede de tear, tecida do melhor algodão de sua lavra, a devanear com suas antigas lembranças.
Foi interrompido desse torpor por um cavalheiro que se identificou como soldado da “força” de São João do Cariri, lhe entregando uma intimação, onde o delegado daquela comarca mandava detê-lo, por razões ligadas a terras.
Como manda a boa hospitalidade sertaneja, o soldado foi convidado a entrar, sentar-se e fazer uma suculenta merenda, à base de queijo de manteiga, doce de caju em calda, pamonha, etc... Enquanto isso, meu tataravô mandara arrear seu melhor cavalo alazão; tomara banho e vestira sua farda de alferes, não esquecendo porém a espada.
O alferes, de receber ordens, passou a ministrá-las.
- Vamos lá soldado. Estou pronto. Vou a cavalo e você vai atrás, andando a pé, ou melhor, trotando. Pode deixar seu cavalo aqui, ta ouvindo!
Diante da gafe cometida pelo delegado, mandando voz de prisão para um superior, o subordinado ficou sem ação. Não lhe restou outra alternativa senão a de obedecer o alferes e cumprir as ordens do mesmo.
E assim foram até São João do Cariri. Cerca de seis léguas, (30 Kms). O meu tataravô galopando e o miliciano correndo atrás, trotando. Lá chegando, o delegado também ficou sem palavras. Apenas escutou a ordem, bastante imperativa.
- Carcereiro,oh carcereiro, me prenda este soldado que foi me importunar em minha casa, ouviu!? Também prenda o delegado. Deixe-os três dias de molho no xadrez para que tenham bastante tempo para refletir antes de agirem.
Na saída, olhou para trás e recomendou em alto e bom tom:
- E não esqueça, comida só uma vez ao dia e bem carregada no sal!
Seguiu sua viagem de volta, à luz do luar do sertão, para sua aconchegante rede de tear.
- Oxente!
Assim era o sertão.