Fé Barranqueira,Vida de Beira

É tempo de fartura...

O que era seco

Agora faz parte da vida

Pois...

A água sagrada

Fez brotar o verde

E a esperança que era miúda

Traz o fruto

E o dedo do supremo

O amadurece...

No rio

A busca

Busca pela sobrevivência!

As canoas levam e trazem vidas

Os incansáveis pescadores!

As tarrafas e redes

Buscam sonhos

Os peixes!

O azul da àgua

Faz-se pensar

Que o céu caira

E estendido feito um tapete

Deixa as águas numa felicidade de dar gosto...

E as chuvas em abundância

Encheram rios e lagos

E a magia da natureza

Deixa a sua marca

E os olhos extasiam

Com os mananciais cristalinos!

Que a mercê da sobrevivência

Esperam a sede dos animais...

Chega um juriti

Outra hora um guará

E o colibri passou como um raio

Enquanto o João-de-Barro

Se deliciava

Na água fresca

Para continuar a sua tarefa

A construção do seu nobre lar...

Um tatu ensaiava sair do buraco

Sua timidez o deixava desconfiado

Também...

Eu pisara em um graveto

E por assim sendo

O assustei

Não sou predador

Mas...

Os animais

Conhecem os homens

Muitos deles

Destroem vidas

E apagam o verde

Com as mesmas mãos

Que deveriam plantar!

No campo

Pequi

Ingá

Mangaba

Murici...

Os frutos do cerrado

Ali imponentes!

Cada um em sua temporada

Aguardava a vez do fruto

E as flores ameaçavam a sair

Para aromatizar

Aquele lindo cenário!

A alegria dos pássaros

Invadia o verde

Através do canto

Que fazendo acrobacias de galho em galho

Deixava no ar

Uma bela sinfonia!

Ao embrenhar no sertão

A alegria se percebia de longe

Era um canto feliz!

'' Ê vida doce

É doce morar no rio

Lavar roupa todo dia

Com chuva ou com estio..."

Eram as lavadeiras!

Felizes!

Do outro lado do rio...

A Iara sobre uma pedra

Acompanhava

Com seu espelho à mão

Contemplando a sua beleza...

Até esboçava um canto

Parecia até um coral

As crianças nadavam!

Aquilo para elas

Era viver no paraíso...

D.Nhá Chica

Tirou da sacola

Uma lata de farofa

Também...

O pobre do bucho não espera

E nem havia clareado

Quando as guerreiras do rio

Haviam chegado...

A Sá Teresa

Jogava um punhado de farofa à boca

Não caía um farelo se quer ao chão

Era um momento sagrado

Era a alimentação!

Aquela lida dava gosto

Pois...

O lar era sagrado

E o suor que se misturava à água

Era digno de fidelidade

E o respeito pela família

Era acima de tudo

Um tesouro...

No povoado o corre-corre

É dia de festa!

São Chico!

É!

São Francisco!

Um alvoroço só!

A rua que era única

Era enfeitada com folhas de bananeira

Bambus e fitas de todas as cores.

O terreiro bem varrido

Que mais parecia um salão...

O padre José

Animado!

Sorriso farto

Abençoando daqui...

Dali...

E ele coitado!

Pra lá e pra cá

Hora com uma coisa

Hora com outra...

Os mais abastados da região

Sempre chegavam com algo

Eram as prendas do leilão

O capelão agradecia e olhava pro céu

Era o ato de graças alcançadas

E a certeza de um grande festejo!

A batina do coitado

Toda empoeirada

Fazia dó!

Também...

Não havia um pedaço de chão

Onde o vigário não havia visitado...

D.Chiquinha

Uma das festeiras

Arrumava a capela

Numa alegria!

Parecia estar conversando com as imagens

Era uma capela antiga

Feita pelos pescadores

De pau-a-pique

Mas...

Trazia uma luz!

Ali estava toda a essência dos barranqueiros.

Já era tardinha

E o povo foi chegando

Foi chegando...

Maria e Mariana

La da Barra do Guaicuí

Eram gêmeas.

Lindas!

Morenas-cor-de-jambo

Vestidos rodados

Fitas nos cabelos

Aquilo para os rapazes

Era motivo de cortejo...

E o padre:

-Rapazes e moças

Entrem!

Vai começar o terço!

Ordenava o padre

Já de batina limpa

Numa satisfação!

Nos olhos dos fiéis

O brilho...

Nas almas

A devoção.

Nas mãos

A oferta.

O peixe!

Claro!

Pedidos e mais pedidos

O Joaquim ribeirão

Não cansava de pedir

Dias melhores na pesca

Outros pediam paz

O Zeca do Ataíde

Pedia proteção aos animais

Era um guardião das matas

Um cabra tímido e desconfiado

E não deixava de lado o seu facão!

-É pra mode abrir os caminho da mata!

Dizia.

A imagem de São Francisco

Iluminava!

Não sabia a quem atenderia primeiro.

A chama viva das velas

Refletia nos lindos olhos de Mariana

E de todos!

O padre emocionado

Conduzia a reza

Em seu semblante

A emoção

E num descuido

Deixou as lágrimas rolarem

E muitos foram juntos

O dever estava por ser cumprido

A terra, a água, o ar, e o fogo,

Batizavam aquele momento

E regiam o sincretismo religioso!

Fim de reza...

È chegada a hora da festa

Os foguetes iluminavam o céu

O mastro era adorado

E nem precisava perguntar

Tinha muita comida

Era uma fartura!

Além de caldos, bolos e biscoitos

O peixe é claro!

Acompanhado de uma boa cachaça

De fazer inveja

No pobre caboclo D'água

A sanfona do mestre Osvaldo

Cortava no reio

A viola afinada do Jeremias

Estava pronta para pontear

E a zabumba pra fazer a marcação.

Zefinha

Dançadeira das boas

Varria o salão

Tirava a todos para dançar

O seu sorriso

Fazia a alegria da festa

De hora em hora

Um foguete

Em meios aos gritos do leiloeiro

Uns e outros:

-Viva São Francisco!

E a resposta era geral:

-Viva!

E mais foguetes!

Os que tinham por fazer durante a reza

Chegavam de mansinho

Desconfiados

E se desculpando por não ter rezado...

Já eram quatro da manhã

O galo cantava

As galinhas cacarejavam

E a festa continuava!

As crianças anestesiadas pelo sono

Já dormiam

O barulho servia para ninar

E também sonhar

Com as travessuras

Que com certeza viriam ao acordarem

Coisas de crianças

Que embalam os sonhos e as estórias...

O sol ameaçava mostrar a cara

Dona Chiquita

Com lágrimas nos olhos

Deixava a emoção tomar conta...

Era o final dos festejos

O sanfoneiro

também chorava!

O da zabumba

debruçava sobre o instrumento

cansaço?

Não!

O lamento pelo final da festa

Na despedida

Abraços e gratidão!

O coraçao cheio de fé

A alma carregada de devoção

E lá na capela

A imagem de São Francisco iluminava!

E as velas quase no fim

Mas...

A luz maior vem de Deus

E São Francisco

Ilumina os rios

Ilumina os pássaros

Ilumina vidas

Alimenta vidas!

Alimenta o Velhas!

Agora é descansar um pouco

E depois...

É seguir o curso do rio

E deixar outros festejos invadirem a alma!

É o Congado,as Folias de Reis,as Catiras,a Festa de São Pedro...

Olha...

O padre vai ter que se virar

Pois...

É tanta festa que os sinos das Capelas

Já estão tocando.

E lá vem ele

Ao chamado Deus!

Por aqui

As tarrafas e as redes

Seguirão seus destinos

A Iara continua lá

Cantando!

As lavadeiras?

Ah!...

Tem o que contar

Afinal

Uma festança desta

É pra nunca se esquecer

E lá pelas redondezas

O povo comenta

Que São Chico e o Velhas

Choram com o final da festa

Mas...

De alegria!

A esperança de um povo de fé

Move montanhas

E as águas quebram barreiras

E quem batiza nessas águas

É feliz para sempre!

É estar sempre de alma lavada!`

E elas vão para outros destinos

Fazendo histórias

Sendo reverenciadas

Pelos que amam a natureza

E eu...

Vou me recolher mais cedo

Pois...

Amanhã tem mais devoção

Mais festa

Mais alegria

E o meu coração

É Feliz porque o sangue que pulsa em mim

É misturado às águas do Chico e do Velhas!

E assim vou seguindo em frente

E nos veremos lá na festa do congado

Mas ...

Esta aí ...

É outra estória!

Até lá Velho Chico e Velhas!

Aonde os nossos ideais vão se encontrar

E adormecerem no berço

Da consciência humana...

Êita Velho Chico e Velhas danados e amados!

Êita povo de fé!

É a fé barranqueira

Vida de beira!

Vida de caboclo

Vida de sertão...

Inté!

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 23/12/2008
Reeditado em 22/02/2012
Código do texto: T1349972
Classificação de conteúdo: seguro
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