Carta aos Licenciados em Educação do Campo, turma 2019

Breves/PA 03 de maio de 2024

Queridos e queridas,

Antes mesmos de vocês estarem aqui no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Pará, Campus Breves o curso foi pensado em cada um de vocês, isto porque a Educação do Campo não é só um curso que tem por pré-requisito um Projeto Pedagógico, educação do campo é terra, é águas, é florestas, é maré, são animais, são pessoas próprias de um lugar e suas diferentes temporalidades e formos buscar isso e tantas outras coisas mais na experiência de vida dos educadores, dos técnicos, dos parceiros, dos movimentos sociais, dos jovens, idosos e crianças das comunidades rurais em espaço, tempo e território.

Se a gente tivesse uma máquina do tempo e voltasse em 2017 escutaríamos um diálogo cheio de sonhos entre o Mário e eu empolgados com uma possibilidade de curso com os pés fincados na realidade dos sujeitos do campo, avançando um pouco o tempo no mesmo ano entraríamos no auditório como os técnicos e docentes do IFPA, com várias representações sociais rurais, representantes da política educacional, estudantes e profissionais da casa familiar rural discutindo o inédito viável. Uma vez aprovado, veio a seleção da primeira turma, o ano era 2019 e mesmo sem máquina do tempo consigo revisitar em meus pensamentos a construção da cápsula do tempo em que cada um escreveu e depositou a sua carta para o futuro nela e depois enterraram-na e plantaram uma árvore lá fora, em cima da mesma, para relembrar a todos dos sonhos ali plantados, fico imaginando as linhas que se tornaram frases e que se tornou um texto lindo de vivências, experiências e encantamentos que cada um escreveu e que carregou consigo na esperança de que seria possível concretizar.

Na minha memória também me vem as aulas, os projetos integradores, os projetos de extensão, os tempos comunidades, as festas de aniversário, as mucuras, as músicas que cantávamos e a esperança que vocês me causavam com as falas carregadas de militância e compromisso social, em prol do seu lugar, de sua gente.

Dentre as aulas me lembro de uma em especial, o ano era 2020, a turma estava em atrito em meio a um dos projetos integradores que não estavam indo muito bem, nesse dia a gente não estudou o conteúdo previsto pois a turma estava meio estremecida e resolvemos conversar sobre as aflições, problematizações e conciliações e fizemos uma dinâmica onde tinha abraços, dança e apertos de mão. Não imaginava que depois desse encontro as aulas seriam suspensas por um longo período por conta da pandemia e quando eu estava em isolamento relembrei esse episódio em versos:

Lembra daquele dia?

Que bom que teve abraços

Que bom que teve dança

Que bom que teve aperto de mãos

Era um dia de aula, poderíamos ter ido direto ao conteúdo, resolvemos nos abraçar

Era um dia comum, transformou-se em sorrisos porque resolvemos dançar

Era um dia de leitura e o fizemos e as mãos apertaram-se a compartilhar

Não economizamos afeto. Levantamos!!!

Nem disposição para ser feliz. Cantamos!!!

Como num laço, a procura do abraço. Dançamos!!!

Como imaginar que não poderíamos fazer isso agora

Que não poderíamos nos encontrar lá fora

Que estaríamos num estranho compartilhar solitário

Em um único pedido de ficar em casa isolado

Espero poder encontra-los em breve

Na princesa das ilhas, dos Breves

Que sejamos girassóis amarelos

A procura da luz, tecendo elos

Então dançaremos, de mãos dadas a encantar

Ou no abraço em melodia a aconchegar

(COUTO, 2020, p.1)

Essas vivências me permitem dialogar com bell hooks (2020) que afirma que a espiritualidade é a maneira como nos relacionamos com o eu e com o outro e acrescenta que esses momentos não são comuns "é quando o aprendizado coletivo acontece que surge a sensação do espírito comunal. E o motivo que leva uma aula assim acontecer em um dia e não no outro é simplesmente puro mistério (hooks, 2020, p. 227).

Se não tivéssemos criado uma comunidade de ensino que celebrasse o amor e a alegria momentos assim não aconteceriam e o isolamento seria mais duro, pois as lembranças que me fizeram poetar não existiriam assim como a saudade coletiva daquele dia que trouxe esperanças para muitos.

A pandemia e o medo passaram, ficou a esperança, vocês são a nossa esperança, plantamos a semente em solo fértil regados de saberes e de conhecimento e nós educadores esperamos que o mesmo vento forte que nos fez acreditar que seriamos bons semeadores possam fazer de cada um de vocês futuros educadores dispersores de sementes nessa floresta de sonhos e lutas que é a educação do campo, desejo a vocês meus girassóis amarelos vibrações positivas em todos os ambientes em que passarem e para as pessoas que cultivarem, por uma educação do campo com boniteza e cor.

De acordo com a sabedoria popular a flor do girassol significa felicidade, é o que desejo para todos e todas. Que vocês metaforicamente simbolizados por essa flor amarela e tons cor de laranja possam ser calor, lealdade, entusiasmo e vitalidade, refletindo energia positiva e verdadeiramente feliz por onde passarem.

Com carinho,

Professora Gil Couto

Gil Couto
Enviado por Gil Couto em 08/05/2024
Reeditado em 08/05/2024
Código do texto: T8059069
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