Cartas Perdidas de Ocelot I - 6

Caro tio Donan,

É ótimo escrever-lhe neste momento, pois estou muito contente com a recuperação da minha amada. Dulcélia tem se alimentado muito bem, não há mais sangramento há bastante tempo e ela já consegue fazer pequenas caminhadas pela casa. Tivemos bastante tempo para conversar sobre muitas coisas, inclusive ela lhe pede desculpas por ter o preocupado após fugir em minha busca.

Como eu havia imaginado, ela estava devastada com a perda de nosso bebê e queria estar em meus braços. Mas não houve tempo suficiente para a ferida do parto se fechar completamente. Foi realmente um milagre ela não ter morrido na viagem, pois não comeu, nem descansou. Ainda estamos de luto por nossa perda, mas o fato de estarmos juntos revigora nossas energias.

Quando eu contei para ela sobre a visita dos Carnaunenses enquanto ela estava acamada, ela insistiu que fossemos embora imediatamente, pois tinha um mau pressentimento. E, obviamente, parece haver cada vez mais pessoas cientes de nossa existência aqui. Porém, ela não está bem para uma viagem e não há lugar seguro de verdade há menos de alguns dias de viagem.

E a situação se agravou um pouco, pois recebemos outra visita há poucos dias. Aconteceu durante a noite. Estava bastante frio e não acendemos a lareira justamente para a fumaça da chaminé não chamar mais atenção do que minhas escolhas já fizeram. Eu havia ido à cozinha pegar o chá de ervas de Dulcélia e quando voltava para o quarto me deparei com uma silhueta na sala.

Eu congelei de medo por alguns instantes até que o homem se aproximou de mim com uma espada em riste. Quando ele se moveu pelo cômodo, a luz da lua que era projetada pela janela iluminou seu rosto, foi só então que vi seus cabelos dourados - típicos dos Irelianos. Ele disse se chamar Elhand, chefe da guarda pessoal de Adamastor - governante de Irelia. Enquanto conversava, embainhou sua espada e me mandou sentar para conversar. Só então explicou porque estava aqui.

Pelo que entendi, as palavras do soldado Anfiur já se espalharam por toda a fronteira. De boca em boca, o que aconteceu naqueles dias chegou aos ouvidos do homem sentado em minha sala. Elhand falou que estava cansado da guerra, para ele não era algo pessoal, era apenas pago para obedecer as ordens de Adamastor. Me contou que ver a morte de seus conterrâneos estava consumindo a sua alma, acreditava que a sangria jamais teria fim. Foi aí que soube do “benfeitor” de Yanshur.

Elhand me revelou que há tempos estava sedento por um ar de generosidade real e espontânea. Afinal, ajudar alguém de seu próprio povo é comum, o difícil é fazer por um inimigo que poderia matá-lo se tivesse a oportunidade.

Conversamos um bocado até que ele precisou sair antes que amanhecesse. Antes de ir embora apertou minha mão, saindo da mesma forma como entrou: pela janela. Depois daquele dia tive que pregar tábuas para fechar todas as janelas da casa.

Tio, acredito que Dulcélia está certa. Uma visita dessas poderia ter acabado em morte. Mas ainda preciso esperar que ela se recupere mais para podermos ir embora. Se ainda estivermos vivos no futuro, enviarei notícias.

Com carinho,

Seu sobrinho, Ormano

M Henrique
Enviado por M Henrique em 27/04/2024
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