Metade

Tava aqui pensando em você. Você consegue saber quando eu faço isso? Dá uma coceirinha na orelha, um frio na nuca, sei lá, qualquer coisinha inha? Será que eu consigo, daqui de onde eu tô, se me concentrar bem muito, te fazer sorrir um pouco?

Esse sou eu me concentrando bem muito e com cara de idiota (tirei uma foto minha na hora, coloquei dentro do envelope)

Deu certo?

Deve ter dado.

Você sempre se acaba de rir das minhas caretas.

Hoje foi curioso, teoria da imagem. A professora faz umas dinâmicas meio malucas. A da vez foi se ver num espelho. Se ver não, ver a gente faz toda hora. Enxergar. Nos olhávamos por alguns instantes, depois íamos lá numa lousa escrever uma palavrinha, mas tinha que ser uma sobre a parte nossa de dentro, a que ninguém mais via, a do espelho.

Horas antes, bem antes de entrar na aula, tinha acabado de ler esse trechinho aqui do Mia.

“Nunca quis. Nem muito, nem parte. Nunca fui eu, nem dona, nem senhora. Sempre fiquei entre o meio e a metade. Nunca passei de meios caminhos, meios desejos, meia saudade."

Será mesmo que dá pra sentir meia saudade? Depois me fala o que você acha. Eu espero que sim. Se for pra vir a outra parte que falta, eu acho que me acabo.

Tava conversando com uma conhecida hoje e foi engraçado. Engraçado o jeito que ela aproximava o ouvindo, franzia o olhar e dizia assim "olha, é que eu sou meio surdinha, sou meio surdinha. Pode falar alto mesmo" E aí desentendia tudo, a gente rindo um da bobeira do outro.

Ela falava engraçado que nem tú.

Ando vendo você em todas as pessoas que eu olho.

Estou indo assim por agora, num diálogo meio estranho, ouvindo pouco, falando atravessado. Tentando entender como viver, sabe? Você deve saber do que tô falando.

Enfim.

Caiu foi um toró danado enquanto eu tava escrevendo. Tive que correr pra fechar a janela do quarto. Molhou um pouco a carta, mas ela se seca na viagem, aposto.

Você não demora, né?

Não demora na resposta.

Espero.

Ah, e eu escrevi "Metade" na lousa.

Foi essa a palavra.

Metade.