Lembranças amargas

Eu me lembro da primeira vez em que pisei nessa casa, como cada detalhe me chamou a atenção e fez eu me imaginar nela,. Me imaginar andando por cada cômodo, decorando, tendo uma estante para os meus livros (um dos meus maiores sonhos), tendo uma sala pela primeira vez na vida, um espaço para estudar... Lembro que nenhuma outra casa fez meus olhos brilharem como essa e também lembro a sensação de entrar nela, pela primeira vez, sendo a dona. Lembro de como ela parecia imensa, vazia, sem móveis. Lembro da minha cabeça começar a borbulhar de ideias. Eu, sempre ansiosa, precisava dela pronta logo.

 

Eu escolhi cada detalhe dessa casa, as cores que iríamos pintar cada parede. Escolhi os móveis da sala, dos quartos, até mesmo desenhei alguns deles e os montei com minhas próprias mãos. Escolhi onde cada coisa iria ficar, limpei tudo, guardei e decorei. Cada cantinho com meu toque, com meu olhar, com meu amor. Dobrei as roupas, arrumei os guarda-roupas, lavei todos os utensílios da cozinha e organizei no armário. Participei dos processos mais pesados também, subindo quatro lances de escadas com móveis e sacolas.

 

Lembro de como tudo era organizado e perfeito, mas também sem vida, em muitos momentos. A solidão, várias vezes, me dominou. Passava noites em claro, sozinha, sem ninguém para conversar, para me abraçar, para me acalmar. Aos poucos, todos os planos, sonhos e vida, foram morrendo, dia após dia. Para amenizar um pouco essa solidão, começamos a dar vida para a casa, trazendo calopsitas, uma atrás da outra, depois a Lelet e a Lola, para aumentar a alegria. Mas, infelizmente, apesar de toda a alegria proporcionada por elas, não acabou com a solidão.

 

A casa, num primeiro momento lar, virou só um lugar solitário. O que era para sempre começou a apresentar vários pontos finais, mostrando que, de fato, o para sempre, sempre acaba. Lembrei de todas as coisas boas que aconteceram aqui, de todos os sonhos que tive, todas as vezes que sorri, mas também todas as que chorei. Lembro de todas as vezes que implorei por atenção e compreensão, mas você estava ocupado demais para isso, me fazendo lembrar que não era novidade, que ao longo desses 11 anos eu não fui uma prioridade.

 

Sei que ninguém é insubstituível, menos ainda eu. Tenho plena cosciência dos meus defeitos e erros ao longo desses anos, mas também sei de todo o esforço que fiz para salvar essa história. Muitas coisas nesse processo me machucaram e ainda machucão. Recomeçar do zero, em meio a uma crise de TAB, deixando para trás toda a segurança do que eu ajudei a construir, sem saber para onde irei e o que será do meu amanhã é desesperador.

 

Não vou negar que estou com medo, que me sinto perdida e sozinha. Não vou negar que queria fechar os olhos e não abrir nunca mais, tudo para não precisar lidar com essa situação. Mas sei que não posso. Não se pode fugir dos problemas e agir como se eles não existissem. Espero, em algum momento, poder relatar uma experiência mais alegre, por enquanto, encontro nas palavras o único abrigo seguro e conhecido que tenho no momento.

Karoliny Mesquita
Enviado por Karoliny Mesquita em 24/05/2023
Código do texto: T7796471
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