Performance Antropológica

Maceió, 11 de Dezembro de 2020.

Inicialmente me questionei em que consistia a Antropologia da Performance, chegando a pré-conclusão de que estudaria as performances de modo geral, seu inicio e primeiros contatos, porém fui surpreendida desde a primeira leitura, bem como a aula, me fazendo entender um mesmo assunto de formas diferentes devido a suas subdivisões, descobrindo que tudo pode ser performance, desde a vida no cotidiano, uma brincadeira e tudo que ocorre neste entremeio, porém cada coisa com sua intenção, até mesmo essa carta poderia se enquadrar nisso; enfim, queria te contar a respeito de uma peça teatral ou musical; não sei definir-la, que assisti com minha mãe quando tinha por volta 12 para 13 anos, no Sesc Poço, era um monologo, logo de cara achei que seria ruim, porque era só um monologo e na minha cabeça, na época, monólogos eram tipo o professor na sala dando aula, a peça iniciava no escuro, podia se sentir o cheiro de incenso, o som de um instrumento harmônico indiano, sim eu já ouvia mantras e conseguia reconhecer alguns instrumentos; ela cantava trechos de músicas em Hindi, lentamente a luz acendia e ela(atriz/performer) apareceu, vestida em figurino simples, amarrado, com mascara, ela já tinha ganhado minha atenção no mantra, mas com a cena fiquei completamente absorta da realidade, assim como maioria das pessoas presentes, porque era um silencio completo, nem mesmo respirações ou comentários se ouvia, quando a penumbra se desfazia dando lugar a luz, visualizávamos que o cenário era neutro, sem muitos objetos, somente um baú no canto esquerdo da cena, parecia ser feito de madeira, mas velho, uma esteira na qual ela estava sentada e o instrumento harmônico indiano que ela tocava, que parece muito com a nossa sanfona, mas é tocado deitado, ela permanecia tocando por alguns minutos até terminar o mantra, o que em mim causava relaxamento e conexão com o que ela estava fazendo, ela levantava graciosamente, tranquila, serena, ia até o baú e começava a trocar de roupa, nisso iniciava-se o texto, ela contava pequenas historias, de pessoas, lugares, sempre nesse ritmo , trocava de roupa, contava a historia e usava o instrumento e os mantras ou vocalizações para avisar que ali acabara uma historia e iria se iniciar outra, porém ela nunca tirava a mascara, com isso entendi que ali era a contadora de historia, que emprestava seu corpo, movimentos, som, para que as personagens ganhassem vida, e por isso a mascara não poderia ser retirada, como se por conta de ser a narradora e atuante daquela performance, por ter tantas faces ela não poderia ter nenhuma de fato. Isso me marcou profundamente, porque desvinculei o esteriótipo de monologo “chato” da escola(para uma adolescente), vinculando novamente a meus momentos mágicos com minha mãe que me contava historias quando eu era criança, ao meu próprio monologo criando minhas historias magicas, onde todos os personagens poderiam já existir ou ser criados de acordo com a minha mente, sem que necessariamente eu tivesse que “mudar” minhas feições, apenas cedendo minha imaginação e criatividade. Me remetendo também a uma outra situação, vivida por mim aos 7(acho, a memoria falha agora, risos) anos, na minha escola tínhamos um período que se chamava “Festarte” onde todos os alunos de todas as turmas poderiam participar em grupo, dupla ou solo em eventos artísticos, seja pintura, recitar poemas, danças, atuação… Bom, minha professora de Artes na época não só me conhecia, como ensinava também minhas duas irmãs mais velhas, conhecia minha mãe também por conta da feira de ciências que tínhamos participado, sim eu participei de uma feira de ciências dos alunos dos anos fundamentais finais, sendo a mascote da turma, com direito a fardamento da equipe, distribuir lembrancinhas e até responder as perguntas sobre o tema da equipe, Aborto, meados dos anos 90, ninguém achava estranho isso, pelo contrario chamava mais atenção, continuando; como também podiam participar grupos, minha família e eu fizemos uma peça junto a alguns amigos das minhas irmãs, o tema era o mais usado nas escolas, a marginalidade infantil e pobreza dessas famílias que acabam por entrar no mundo do crime, quem era o marginal? Quem mais seria? Eu (risos), na época eu tinha perdido meus cabelos, não todo, mas parte, por conta de um produto químico que a cabeleireira tinha colocado no meu cabelo sem testar, me fez perder cerca de 70% da parte da frente do meu cabelo, deixando feridas feias, o restante do meu cabelo além de parecer ter pego fogo, ficou extremamente fraco, mas foi cuidado, com carinho, produtos naturais e conseguiu voltar a crescer, mas na época ainda estavam só os “cotocos”, bom, de todos os personagens da peça de autoria de minha Mãe, eu escolhi o trombadinha, não só por ser uma criança da minha idade, menino, mas acho que inconscientemente foi uma forma de fazer minha catarse, nos ensaios eu ficava “encapetada” o Bastião(nome da minha personagem), parece que se encarapitava em mim, se bem que eu não era nenhum anjinho mas não era daquele jeito não(risos); que todos os outros atores ficavam sem saber como reagir, eu dizia a fala dos outros, conseguia correr e me desligar da cena mas mesmo assim retornar dizer minha fala e ainda mangar de quem tinha esquecido a sua, era uma confusão energética até divertida, dias antes da apresentação para a escola, minha professora de Artes sugere que Bastião tenha uma pistola de mentira(de pólvora), aceitamos, tudo pronto, tudo ensaiado, estava super de boa, quando me avisam : _ Grace, vá se trocar que já já vamos subir no palco para apresentar; muito bem, eu fui, peguei a pistolinha de Bastião e fui ficar na coxia, simplesmente acabei com a pólvora da pistolinha brincando, não tinha mais como fazer o som do tiro, e agora? Eu não quis contar pra ninguém logico, quando chegou minha cena, eu simplesmente fiz “pá” como se fosse o som do tiro, percebi que na plateia reagiu com dualidade, alguns sorriram, outros estavam focados na cena chocante do assassinato e cochichavam, a plateia simplesmente se dividiu em opiniões e sentimentos, logo em seguida eu tinha um “bife”, nessa hora, encarando a plateia, tive um lapso de personalidade, e passei a sentir a dor e desalento de Bastião, era uma cena triste, porém nos ensaios eu não conseguia chorar, por mais que tentasse, nesse dia eu chorei que solucei falando meu texto, que fez a plateia voltar a se unificar, as pessoas choraram copiosamente, ao fim da apresentação, nosso grupo concorreu a um dos 3 prêmios do festival, quando recebi meu primeiro premio relacionado a atuação escolar, ganhei o premio de ator coadjuvante, mas o que me marcou mesmo, não foi isso, mas sim, a personagem que eu interpretei ter ficado durante anos na memoria das pessoas que assistiram e gostaram do espetáculo, passando a me chamarem de Bastião quando me encontravam, porque simplesmente não lembravam do meu nome, mas da personagem e da minha atuação.

Mas não é tudo flores em antropologia da performance, que em mim tem não só quebrado algumas paredes que eu nem percebi que tinha erguido, mas também abrir meus olhos de forma mais minuciosa, me permitindo ir além de certos esconderijos emocionais, explico, tive duas experiencias nos anos 2014 e 2015, já adulta, Mãe, afastada dos palcos já a um certo tempo com questões fora do meu controle e com uma cirurgia relativamente recente no pé esquerdo; experiencia de 2014 foi em uma residencia cênica, na qual eu interpretava uma mulher com síndrome de Boderline, que cantava com seus companheiros também com alguma psicopatia, neste, durante a residencia cênica, passei por uma cirurgia de urgência, que me levou a faltar algumas semanas nos ensaios, me preocupando se ainda poderia ficar, mas o diretor muito gentilmente me acalmou em uma mensagem particular, informando que meu lugarzinho na peça estava guardado me esperando, ao retornar fui muito bem recebida e cuidada por meus colegas de palco, que a todo momento se preocupavam para que eu não me machucasse acabasse por abrir os pontos da minha cirurgia, mas a surpresa ainda estava por vir, mais uma vez, como solista iria abrir um espetáculo com a música autoral de uma amigo de curso e de palco, até ai você deve pensar “ ah, mas é normal pra você, você canta”, sim é normal pra mim, mas o que me causou arrepios de felicidade foi a confiança de ambos, tanto do diretor quanto meu colega, de não mensurarem e menosprezar meu talento por meu tamanho, ou porque minha Mãe atriz estava ali, me vendo como profissional, aparte de vínculos, o susto foi quando um dia antes da apresentação ambos(Diretor e compositor/correpetidor) me avisaram que eu abriria sozinha a cena da personagem da minha Mãe, personagem essa que assassinava o genro, somente me foi solicitado: “Arrase, faça as pessoas se questionarem porque tanto lamento”, assim fiz, ao terminar, conhecidos e desconhecidos vinham ao palco parabenizar e dizer que minha voz tocou em algum lugar de sua alma, remexendo e inquietando algo que deveria ter sido esquecido e foi trazido a tona, culminando no choro ou na revolta da atuação da minha Mãe, impelindo as pessoas a perguntarem sempre: “Vocês são mãe e filha?” ao receberem a afirmativa, retrucavam: “ta explicada a sinergia”; a outra em 2015 num teatro mambembe, onde estava dividindo o palco com pessoas que já acompanhava o trabalho, porém ali estava tendo a oportunidade de dividir palco, uma delas lógico, minha Mãe; eu representava duas personagens de dois estados simultaneamente e tive meu corpo “dividido” entre mulher e homem sertanejo, abrindo o espetáculo cantando uma musica que muitos consideram o hino do nordestino Asa Branca, lidar com a dualidade de gênero da personagem foi muito interessante, até porque eu precisava ficar virando para falar com a plateia e os colegas de trabalho, que me recebiam nos ensaios com o bordão de um dos estados que eu representava.

Com o passar do tempo, agora refletindo sobre, me levou a ter uma nova visão até mesmo de uma frase de Lavoisier “ nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”, que acaba por resumir bem o assunto.

Certa de sua atenção e grata por todos os novos horizontes apresentados durante esta aprendizagem, despeço-me cordialmente.

GK Bagoé

GK Bagoé
Enviado por GK Bagoé em 11/12/2020
Código do texto: T7133119
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