Da janela de dentro, no 07 de um maio em que as flores tardam

Caro amigo André,

Assim posso dizer, não? Nesses dias de isolamento, a gente vai tendo tempo para os ritos. Mesmo que à distância, parece que estamos mais perto. Fui revisitar as páginas amareladas do Pequeno Príncipe ontem. Contar que já não compramos tudo prontinho nas lojas, e por isso mesmo, temos exercitado o processo de cativar. E olha que nem temos gramado! O “cada vez mais perto”, vem agora do olhar para o outro. Tenho vislumbrado emoções do teu dentro através das leituras de teus textos, das conversas trocadas por redes, das fotografias que ora ou outra aparecem no “livro de rostos”. Vi recentemente uma, empenhada em contar da caminhada do tempo. Uma colagem trazendo um André e sua criança de colo filho, um André e sua criança de colo neto. Um mesmo André, guardando criança interior que enxerguei daqui, porque fazia brilhar o olhar, e o canto do olho sorria mais que a boca! Fiz comparação com o sorriso do homem, a contemplar o ipê amarelo de Eva, buscando na meninice o vigor das paixões, o encantamento nos detalhes. Senti urgências em descobrirmos se Eva cumpriu ou não as outras tarefas. Desenhei da paisagem, a estrada e as árvores, e ocupei minha manhã a sentir o cheiro das folhas, ora a correr em volta da aroeira, ora a brincar de esconder atrás do tronco de eucalipto transportado para os terrenos da minha infância próximo à Colônia de Férias. Sentei-me sob a sombra do ipê e contemplei a chuva amarela que formou o tapete no chão. Ando meio introspectiva, emoções diversas fervilhando nesses dias incertos. As leituras são um desafogo. Sinto-me em processo de simbiose com Eleanor. A gente aprende a olhar, cada vez mais profundo. A dor sempre ensina! Tem tanta gente partindo! Dessas como Carlos, que enxergam o sorriso das flores! E a gente vai ficando quase que numa rendição à desesperança. Aldir Blanc, Flávio Migliaccio, Manu Dibango, Marlene Silva, Rubem Fonseca, Alanys Matheusa e uma vasta lista dos sem nomes. Gente que a morte andou caçando jeito de levar, com ou sem Covid 19. E as mulheres assassinadas? Tantas! Todos os dias… Fui aprender com Eleanor, que essa gente toda deixou flores mutantes para nosso acalanto. Agora, enquanto escrevo, estou mais Eleanor que Eva. Sem poder sair casa, estou a caminhar nos meus interiores. Também vejo cinzas e sem cores e também quero alimentar sonhos. Revisitei também Rimbaud. Quis que a dor virasse escrita. “Escrevamos, não amaldiçoemos a vida”! Que assim seja, companheiro de revoltas! Importa seguirmos na contramão do rebanho. Penso que a escrita vem me limpando. Essa noite, se as deusas permitirem, quero sonhos bons. Bem como Eleanor, rever as faces da esperança morta. E amanhã? Serei outras, porque o próprio amanhã também é outro.

Fico por aqui, amigo! Olha bem o selo de gratidão que acompanha a carta. Se puderes, guarda para colecionar! É sempre bom ter ao alcance das mãos uma gaveta de gratidões.

Um abraço,

Eva Vilma