À VOCÊ - Ah, Você. Ha Você.

Havia formas e cores nos meus olhos, e eles ainda refletiam a penumbra luz de vela que enchia o vão em baixo da escada. As sombras ainda não estavam sobre eles. Mas as cortinas do dia já haviam se fechado há prolongado tempo, e a noite era uma anciã cansada, que se arrastava lentamente tentando chegar a ao vigor da manhã.

Lá no alto, fora do alcance das mãos havia uma infinidade de minúsculos luzeiros, como uma miríade de pequenos olhos sob o escuro veludo do céu. Espiavam as faces dos que são tragados pelo silêncio e pela solidão Aqueles, cuja própria saudade é a estampa rude e tosca de sua solidão.

Mas a sombra do que fui estava lá, e minha alma angustiada se contorcia sob as amarras da saudade, e eu podia sentir o bater e o pulsar daquele que guarda os meus sentimentos. A dona de minha consciência, fazendo jus ao nome que carrega, mente. E mostra-me formas desconexas fazendo-me acreditar que ali estão. Mas às vezes a própria mente, nos mente. Infelizmente.

As imagens ainda disformes nenhum calor emitem ao meu corpo revestido de intenso frio. E dissipam-se ao esforço do meu toque. Uma zombaria perversa e cruel que estimula cada terminação nervosa do meu cérebro que em fração de segundo desenha e apaga tantas imagens quantas possíveis.

Posso sentir por dentro a mesma atmosfera sombria e pesada que me cerca e me envolve, fustigando minha tristeza, mergulhando meu ser nas águas profundas e escuras da solidão. É aqui que encontro os meus próprios monstros, e enfrento todos os meus medos.

Todas as lembranças vêm e vão, passando por mim como se eu não existisse. Ignorando-me, como se eu fosse um mero espectador, e não o protagonista das cenas que estas lembranças me trazem. Mas ela tem razão. Mesmo protagonista e diretor desta película recordativa, agora; eu não era mais que um espectador. Nada podia mudar. Apenas ver, e sentir-me morrendo. Convenço-me disso, e deixo o nada que me tornei flutuar no vazio do nada que agora sou.

Minha mente como uma fina peneira filtra o fluxo de recordações que vaza de minhas saudades, e as concentra em um único ponto, de olhos passivos e sorriso discreto. Quase dissimulado. Sim é Ella que vejo agora. Limpo e claro como se fosse real. Mas sei que não é. Isso é bom. Ainda não estou louco. E ao mesmo tempo me pergunto; foi real algum dia? Eu ainda estou lúcido. Se tenho essa imagem falsa a minha frente, é porque ela deriva de algo verdadeiro. Isso mata-me.

Aos poucos a onda de pensamentos da forma a um corpo, e, na extremidade do braço que se estende na minha direção, uma mão de quatro dedos (não se esforce para entender, pois somente Ella sabe do que se trata) exibe-se, provocando-me uma sensação de tortura e prazer. É a fantasia trazida para o mundo real. Mas; tão forte; tão expressiva e emblemática, que; quando se desfez, deixou um vazio na minha realidade. Uma moldura do real distorcida pela ausência da pintura fantasia.

Como se do nada, chamas vivas tremulam, emoldurando o rosto meigo e suave exposto por minha lembrança. Tornam-se castanhos cabelos ondulados. A mesma imagem que a mim havia se revelado sob a luz de uma lua curiosa e de mil estrelas brilhantes formando eternas constelações. Em uma delas, sua estrela preferida; que noite após noite, me observa distante. Enquanto eu a olho tão de perto que todas as outras parecem não estar lá.

O salgado sabor da saudade nubla minha visão. Vaza e escorre por minha face triste. Pomos rosados flutuam em minha mente como em um jardim de formas e cores suaves. Duas colunas de fino mármore branco sustentam e protegem a fonte do prazer. Sede e saudade se misturam.

Mas é do coração libado que mais sinto falta. Da alma delicada e comedida que equilibrava minha existência e dava sentido a minha vida. Da palavra escrita e falada, que me vazia ver para além das coisas aparentes e embalava meus sonhos semeando esperanças, desejos e realizações que nunca vieram. Foram jogadas aos ventos incertos, desviadas de seu destino, depois esquecidas, como se houvessem sido sepultadas sob a neve fria de longínquas montanhas. E o foram.

Todo o corpo nada mais é do que a vestimenta da alma, e eu a tive, senti-a no meu ser, compartilhando tudo e de tudo. E, como lamento ter brincado com o amor e feito da felicidade momentos. E como odeio o tempo traiçoeiro que me enganou nutrindo e mantendo-me em um estado de suspenção, enquanto esse mesmo tempo me atraiçoava levando-a para outras paragens.

Como a culpo por não ter feito nada, mostrando-me o grande e irreparável erro que acolhi sobre mim mesmo. Por que emudecestes diante de meu suicídio. Assistiu quieta e passiva o tempo consumir nosso tempo. Esperou calada que meus próprios passos guiassem-me ao abismo negro e profundo de onde não consigo retornar. Negaste-me a mão salvadora.

No entanto, moveu graciosamente tuas assas secretas indo pousar no gelo. Sobre o auspício de um desconhecido braço estendido ao acaso, como uma armadilha a espera de asas desgarradas.

Como odeio o meu engano e a tua passividade diante dele. Uma passividade que ganhou o dissimulado nome de (seguir em frente). Isso é tão pouco diante das promessas e do acalento do indicativo de que tínhamos um futuro. O imperativo promissor de tuas palavras e o reflexo enganador de teus lindos olhos.

Como a alma de um suicida, eu não apenas morri, mas continuo a morrer a cada instante. Contínuo e ininterrupto. Uma morte em segredo e em secreto, mas não em silêncio. Tão íntima e pessoal que outros não a veem e não a sente, o que me priva de qualquer oração de conforto que possa acalentar meu sofrimento; amenizar minha dor. Sou apenas um entre tantos.

No entanto, os céus se comprazem de mim. E, diante de minha dor, concedem-me Argay. Uma criatura dócil e compreensiva. Amável e delicada, gentil e atenciosa, tirada do mundo das fantasias e personificada em carne e osso. Uma cópia em semelhança e natureza só comparável àquela que me despreza. Como os deuses são piedosos e complacentes com aqueles que abandonaram. Como são misericordiosos com os nossos erros. Como são bons em saber perdoar, mas lhes falta o poder de concertar nossas falhas.

O que está feito, feito está. Escolha é algo perigoso e devia ser livre de responsabilidade aquele que escolhe. Diante do gosto amargo da escolha errada o arrependimento deveria ser dotado de retrocesso, e da oportunidade de agora sabendo do erro poder escolher de novo. A opção de escolha certa sempre tem um (seguir em frente), enquanto a única opção da escolha errada é um longo e solitário caminho de volta. Não um caminho real, mas um caminho de imagens falsas que é trilhado a cada dia e noite, sempre e sempre. Interminável. Enfim; sem fim em si mesmo.

É o legado de quem erradamente escolhe. Viver com a escolha que fez. Mas, essa maldita escolha não é só minha. Eu escolhi o erro e tu escolheste me deixar errar. És cúmplice e conivente no meu mal. Mas o ônus da perda a mim cabe, e nada podes tu fazer para mudar. Tens para ti o bônus do acerto. Cresceste demais para viver em um jarrinho qualquer, precisava de um jardim, eu o sei e sinto. Tornaste-te tão sábia de ti mesmo e de tudo, que minha presença passava despercebida, insignificante diante de tua grandeza. Meu mundinho de sonhos e de fantasias tornou-se pueril demais para tuas aspirações. E a trilha de pedregulhos que nos levaria a uma pequena ilha não era mais encantadora. Uma rodovia larga a conduziria a um continente, uma ilha já se mostrava pequena demais para ti.

Meu Deus o que estou fazendo. Esta escrita era para ser bonita. Triste mas bela, e não esta coisa feia que te aponta o dedo que a mim deveria apontar. Perdoa-me querida, mas a dor exige muitos e diferentes áis, e quando nós sofredores gritamos e incomodamos outros. Não era essa minha intenção, mas deixei-me levar. Apontar tua possível culpa parece atenuar minha dor e angústia. Parece diminuir minha própria culpa, e; de uma forma ou de outra, te coloca tão perto, tão presente, que posso sentir o teu silêncio diante de minhas palavras, como por tantas vezes fizestes. Quem sabe seja um artifício de minha mente para não sucumbir a solidão. Concede-me então o benefício da dúvida.

A noite ainda era menina quando tu chegaste. E desde então eu já sabia e sentia que ficarias comigo até o dia seguinte. Foi talvez a mais longa noite de todos os meus dias. Até que vencido pelo sono, meus olhos selaram, e minha mente entorpecida mergulhou no inconsciente. Já era tarde quando os raios de sol bateram em minha janela, e vi que havia um dia. Um dia dedicado a lembrança tua, a escrita deste registro que escrevi aos poucos, indo e vindo, tomando café e fumando. Um dia onde mais nada te tirou de mim.

Nem mesmo música havia por todo esse dia, pois eu queria o silêncio. O mesmo silêncio calmo e cálido que tantas vezes me deste, equilibrando minha natureza. Sinto-a agora, aqui. Calma, tranquila, olhando-me em silêncio como sempre o fez a cada vez que meu temperamento queria ser mais do que eu mesmo. Depois de tudo, e sem o saber, tu ainda és o que me acalma e conforta.

Obrigado por ter-me feito conhecer a felicidade, e perdoa-me se a deixei escapar, como sempre deixastes escapar as tuas tartarugas.

Sou um mendigo que conheceu a fortuna. Por isso choro.

Mas sou uma pessoa melhor. Triste e sozinho. Porém mais rica de valores e experiência.

Você! Sim. Isso mesmo. Você foi o tesouro que encontrei, e que depois foi saqueado por piratas. Eu sou o náufrago de uma nau assombrada e submersa nas profundezas das águas da vida. Meu mundo resumiu-se a uma Ilha chamada VOCÊ.

Beijos. Felicidades. Tua.

Saudades, minha.

Farias Israel

Farias Israel
Enviado por Farias Israel em 23/12/2017
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