JOANA

Tinha pensado em começar esta minha carta com um “Era uma vez...”, mas isso parece tanto com os contos de fadas que escutei e por muitas vezes acreditei que teria para a minha vida. Porém, esqueceram-se de me avisar que contos de fadas são de faz de conta, que a vida real é muito diferente, que não se vive numa redoma protegido de todos os perigos. Mas, pensando bem, cansei de não conseguir fazer o que eu queria e abrir mão daquilo que realmente me faria feliz, vou começar sim com “Era uma vez...”

Era uma vez uma menina meiga, de olhos azuis, pele clara, cabelos escuros, com uma linda família, onde não faltava amor e atenção. Esta menina foi crescendo, tendo seus sonhos, seu medos, suas angústias. Dentre os maiores sonhos estavam: Formar uma bela família, como a que foi criada, ter uma boa profissão, talvez médica ou juíza. Esta menina era eu.

Tudo corria bem, até que lá pelos meus 15 / 16 anos comecei a sair, algumas vezes escondida dos meus pais, outras mentia que estaria na casa de alguma amiga. Saia por sair, sem rumo, sem tino, ficava vagando pelas ruas, algo me atraia para isso e eu não conseguia controlar. E nestas andanças noturnas, que estavam cada vez mais frequentes, me deparei com um rapaz sentando na calçada, com olhar distante, mãos trêmulas, fala embargada ou talvez seria enrolada. Sentei-me ao seu lado e ficamos ali em silêncio. De repente ele me oferece um cachimbo de crack e parecia que era isso que me procurava, ou eu procurava nas minhas andanças. Fumei com ele algumas pedras, a sensação que tive era que estava em outra lugar, outra dimensão, algo sem explicação, mas não fazia a mínima ideia de todo o mal que isto me traria.

Depois deste encontro com o crack eu não consegui mais voltar para os eixos. As andanças que até então eram noturnas passaram a ser diurnas, antes mesmo de meus pais perceberem a minha mudança eu me mudei para as ruas, não tinha completado 17 anos. Saí uma noite escondida, levei comigo uma mochila com algumas roupas e desapareci. Sei que eles sofreram muito, pois muitas vezes também sofri, fui covarde, não pedi ajuda e fui de vez ao encontro daquilo que parecia ser a melhor coisa do mundo, algo que me chamava em todos os momentos, parecia um imã atraindo um metal. Quem me dera fosse o contrario e me expelisse.

Fiquei nesta vida, ou seria melhor dizer nesta morte, por um longo tempo, engravidei três vezes e não faço a mínima ideia de onde estejam meus filhos, da mesma forma que não sei que são os pais. Não fazia, agora já sei. Os pais eram homens que me pagavam com uma pedra de crack para ter um instante de sexo, os meus filhos foram trocados pelas minhas dívidas com os traficantes. Talvez esta tenha sido uma boa coisa para eles, por que se ficassem comigo o que seria deles? Iriam morar embaixo de um viaduto, no meio de papelão, num submundo sofrível e devastador?

E naquela manhã que com os olhos turvos, sem conseguir ver praticamente nada que ao tentar atravessar aquela avenida e não vi o carro que vinha em sua velocidade normal. Entrei de repente na estrada e foi fatal. Morri? Não naquele momento. Morri na verdade naquela noite que sentei ao lado do rapaz e me entreguei pela primeira vez ao crack. Morri quando deixei de sonhar e fui viver uma grande ilusão, um caminho sem volta. Naquela manhã que o Pedro acabou me atropelando, sem ter culpa nenhuma, eu desencarnei, talvez fosse até melhor dizer eu desempalhei, pois não havia mais carne em meu corpo, e sim um esqueleto coberto por uma pele enrugada, maltratada pelo sol e pela vida que levei.

Hoje depois de uns dias aqui nesta enfermaria me permitiram contar um pouco da minha morte, pois não posso chama-la de vida, espero que meus pais Sandra e Gustavo me perdoem. Agora estou ficando bem, mas certamente melhor seria se tivesse feito tudo diferente. Peço perdão também aos meus filhos, que nunca os vi, espero que estejam bem. E por último peço perdão ao Pedro, que naquela fatídica manhã me atropelou e acabou transtornando também a sua vida.

E fica um apelo a todos, jovens, crianças, adultos, não se entreguem as drogas, este é uma caminho sem volta.

Luz e paz a todos.

Nivaldo Joaquim
Enviado por Nivaldo Joaquim em 13/09/2017
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